Texto de André Macedo hoje publicado no Diário de Notícias".
Apesar desta expectativa política, ninguém imaginava,
no entanto, que a ideia de privatizar parte da previdência fosse atirada
assim de supetão para a mesa, com tantos outros assuntos para resolver.
Eu não sei nada sobre a vida sexual dos canibais, mas julgava
(esperava) que a vida política dos ministros fosse um pouco menos
arriscada e perigosa para os parceiros - nós, os eleitores e simples
contribuintes. Contudo, não é assim: o chão ainda não parou de tremer e
ceder.
No caso das reformas, até haveria mudanças que faria
sentido acontecerem. Que as reformas antecipadas têm um limite
perigosamente baixo para a sustentabilidade do sistema (55 anos) é um
facto inegável, basta comparar com o regime espanhol (61 anos), o alemão
(63) e até com o grego, que por uma vez dá o exemplo: reformas
antecipadas só a partir dos 60 anos. Mas não é tudo. Que a idade da
reforma nos prazos normais (65 anos) continuará a subir (67, 68?),
acompanhando a esperança média de vida, também é um facto demográfico
com repercussões económicas inevitáveis, não uma temerária escolha
ideológica.
No entanto, privatizar a parte mais rica do sistema,
que garante o equilíbrio por mais tempo da estrutura, é entrar na zona
de caça proibida. Por um lado, hoje as pensões já estão ancoradas num
esforço contributivo medido ao longo da vida e não apenas nos últimos
anos. Ou seja, não há quem receba muito sem ter pago muito (em
princípio, um político do CDS deveria compreender esta relação de
causa-efeito e até defendê-la).
Por outro lado, o rombo nas
contas públicas durante o período de transição do sistema público para o
semiprivado seria colossal. Seria uma espécie de TGV do CDS: a
segurança social iria despenhar--se em alta velocidade, pondo em causa a
solidariedade geracional. Mota Soares revelou, portanto, a inteligência
do Rei de Espanha: quis apanhar caça grossa, deu um tiro no pé e ficou
mal na fotografia. Com ministros assim, o País ainda vira comunista.
Seria uma pena."
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Zona de caça proibida
"Com
o Estado Social em vias de extinção acelerada por razões económicas -
mas também ideológicas -, o ministro Pedro Mota Soares achou que deveria
liderar a manada. Na verdade, quando há uma semana foram repentinamente
travadas as reformas antecipadas ficou logo no ar esse prenúncio de que
as regras do jogo iriam mudar. O sentido da transformação seria,
digamos, evidente. Como a confiança que cimenta (na verdade não cimenta
nada) a relação entre o contribuinte e o Estado passou a estar ainda
mais em causa - a crise justifica todos os absurdos -, a porta que
conduzirá um dia à privatização parcial da parte mais suculenta da
segurança social ficou escancarada: as benditas reformas são a renda que
se segue.
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