Texto de Paulo Ferreira hoje publicado no "Jornal de Noticias"
"O caráter absolutamente anódino do discurso proferido ontem pelo presidente da República nas comemorações do 25 de Abril fez-me lembrar aqueles casais que, nos restaurantes ou em outros lugares públicos, passam horas a fio sem falar um com o outro.
Ensimesmados, saem de casa para evitar a "obrigação" de comunicar. Parafraseando o pensador George Steiner, o silêncio ensurdecedor de Cavaco sobre o estado da arte do país foi, pareceu-me, o único modo por ele encontrado para evitar exprimir, através das palavras, o que por aí vai e o que por aí vem.
Sucede que, ao contrário dos casais que se refugiam na ausência da palavra para evitar o confronto dos factos, há momentos em que não devemos ficar calados. E o momento que o país atravessa, as dificuldades crescentes que as famílias portuguesas sentem na pele, não é compaginável com um discurso raro, estranho, abúlico e extraterrestre como o que o chefe de Estado ontem usou.
Entrar pela contabilidade - e cumplicidade - partidária é uma forma de justificar a escolha. Cavaco detestava Sócrates e desfez a sua governação no discurso do ano passado; Cavaco tolera Passos Coelho e quis dar-lhe mais uns tempos de bonança. Da mesma forma, também podemos considerar que a escolha de palavras e recados suscetíveis de acicatar a evidente e crescente tensão social e política acarreta perigos que o presidente da República não está disposto a correr. Tudo isto é verdade, mas não elimina o essencial - esquecer as consequências dos sacrifícios e da austeridade impostos pela crise, olvidar quem mais sofre com ela, não fazer, sequer de rompante, uma análise do estado do país é incompreensível.
Este não é o momento para silenciar o óbvio, porque é sobre o óbvio que os portugueses querem falar e ouvir falar.
Cavaco optou, ao invés, por enaltecer os "exemplos expressivos" da obra nacional: o cartão pré-pago para os telemóveis, o inovador sistema da Via Verde, tudo coisas que não conhecíamos... O crescente número de doutorados portugueses, a língua falada por 250 milhões de almas espalhadas pelo Mundo e, cereja em cima do bolo, a obrigação que nos cabe de, lá fora, não falarmos apenas da nossa bonomia enquanto povo e do sol radioso que a Natureza nos oferece - eis a soma das maravilhas com que o presidente da República presenteou os seus ouvintes.
Juro que, por momentos, pareceu--me ver José Sócrates a falar, em vez de Cavaco. (Terá o chefe de Estado tentado prestar uma sub-reptícia homenagem ao socialista, depois de o ter posto fora do Governo?) Era este o país que o ex-primeiro-ministro vendia, cá dentro e lá fora, com a mestria que lhe é reconhecida.
Tristemente, não é este o país que temos. Não há silêncio que apague essa evidência."
quinta-feira, 26 de abril de 2012
O silêncio ensurdecedor
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cavaco silva
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