Texto de Bruno Proença hoje publicado no "Diário Económico"
"Quando se ganham eleições com uma campanha baseada na ideologia e na ética, o futuro é bastante mais estreito. Há menos espaço para errar.
Para andar com os códigos de boas práticas debaixo do braço e a prometer um comportamento irrepreensível, é bom que não se tenham telhados de vidro, o que é basicamente impossível na política. Andam todos nisto há demasiado tempo para nunca terem errado. O Governo de Pedro Passos Coelho está a pagar a factura das suas promessas ideológicas e éticas: garantiu um programa para reformar o Estado e falar verdade. O que se viu na última semana foi exactamente o oposto.
Começando pelo regresso dos subsídios de Natal e férias na função pública, parece óbvio que só vai acontecer quando as contas públicas forem sustentáveis e com um crescimento económico acima dos 2%. Com a informação que temos hoje, não parece razoável que isso aconteça em 2014 ou mesmo em 2015. No final, vamos perceber que provavelmente a Comissão Europeia tinha razão: estamos a caminho da extinção de dois salários no Estado. O ministro das Finanças e o Governo não se enganaram nas datas. O "lapso" de Vítor Gaspar foi outro - optimismo em demasia. O Executivo devia acreditar em melhorias mais rápidas e agora parecem mais longínquas. Todas as previsões económicas para Portugal estão a ser revistas em baixa, confirmando uma economia anémica e o desemprego em alta por muitos anos.
Mas a traição do Governo aos seus princípios iniciais está para além dos equívocos de avaliação dos impactos da austeridade na conjuntura económica. É mais profundo. Pedro Passos Coelho ainda não conseguiu explicar que reforma do Estado quer fazer - se é que ainda quer fazer alguma. Privatizar, fechar uns serviços, congelar salários, promoções e cortar salários não são soluções estruturais. Não podem durar para sempre. O debate deve ser outro. Que Estado queremos? Com que funções? O Estado Social é para manter como está?
Sem responder a estas questões, anda-se sempre atrás do prejuízo e em pleno estado de emergência. É isto que está acontecer na Segurança Social. No congelamento das reformas antecipadas cometeram-se os dois erros anteriores. Primeiro, desvalorizou-se o impacto da recessão nas contas - que estão muito pior do que se julgava - e não parece haver uma ideia para o futuro do Estado Social. Se a intenção é promover o envelhecimento activo à bruta, então acabe-se com as reformas antecipadas de uma vez por todas. Porquê suspender apenas? Não há um plano coerente. Está a seguir-se a receita da ‘troika', nomeadamente na lei laboral, e a limpar alguns exageros, mas não se está a debater o futuro da Segurança Social - se é que tem algum no modelo que hoje existe.
Como se isto já não fosse suficiente, cometeu-se o pecado original. Um Governo que prometeu falar verdade aos portugueses não pode mexer com as reformas às escondidas para evitar uma corrida aos serviços. A estratégia manhosa pode garantir a poupança de alguns milhões mas mancha a imagem do Governo. E há nódoas que ficam para sempre. O Executivo ainda não celebrou o primeiro aniversário e já queimou muito capital político.
Começam a existir demasiados sinais de que o Governo está a perder a mão. A execução orçamental deste ano está a ser difícil, a economia está pior e o primeiro-ministro fala da eventualidade de Portugal não regressar aos mercados em 2013. Os portugueses começam a perguntar: tanta austeridade para chegar a algum lado melhor?
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