DERRUBAR O GOVERNO É OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

O inutil Cavaco Silva deu carta branca ao atrasado mental Passos Coelho para continuar a destruir Portugal e reduzir os portugueses a escravos da ganância dos donos do dinheiro.
Um governo cuja missão é roubar recursos e dinheiro às pessoas, às empresas, ao país em geral, para os entregar de mão beijada aos bancos e aos especuladores é um governo que não defende o interesse nacional e, por isso, tem de ser corrido o mais depressa possivel.
Se de Cavaco nada podemos esperar, resta a luta directa para o conseguirmos.
Na rua, nas empresas, nas redes sociais, há que fomentar a revolta, a rebelião, a desobediência, mostrar bem que o povo está contra Passos Coelho, Portas e os outros imbecis que o acompanham e tudo fazer para ajudar à sua queda.
REVOLTEM-SE!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O Presidente e o Governo estão surdos

Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"

Já ninguém confia no Governo." A frase é lugar-comum, mas adquire um peso maior quando dita por alguém como Luís Campos e Cunha, da SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social), e junta--se ao grande coro de indignações que percorre a sociedade portuguesa. Entretanto e por outro lado, Freitas do Amaral esclarece que o Executivo está a defrontar o Tribunal Constitucional no intuito de sair airosamente de uma situação degenerada. Também D. José Policarpo, patriarca emérito de Lisboa, manifesta o descontentamento que lhe provoca esta gente, lamentando que as alternativas não aparecem. Por último, numa notável entrevista a António José Teixeira, no programa A Propósito, da SIC-Notícias, Carlos do Carmo dizima a actividade do dr. Cavaco, como primeiro-ministro e como Presidente da República, acusando-o de causador de todos os males que nos afectam, por inépcia e falta de percepção histórica. Poucas vezes o nosso drama foi tão claramente enunciado como o fez o grande cantor, claramente emocionado.

A pátria está de pantanas, por uma governação aparentemente impune e alegremente estouvada. Os gritos de desespero que a fome e a desgraça despertam não são ouvidos em Belém. O crime terá, mais tarde ou mais cedo, de ser punido, e cada vez mais se acentuam as responsabilidades políticas e morais de um Governo que o não é, e de um Presidente que não há. Todos os dias da semana há protestos nas ruas, os governantes andam com um batalhão de "gorilas" a resguardar-lhes o corpo, os suicídios aumentam, milhares de famílias não têm pão para pôr na mesa, o País despovoa-se da sua juventude e temos a gelada sensação de que ninguém nos ajuda. Nas Jornadas Parlamentares do PSD-CDS, Paulo Portas, cuja imagem, distorcida e embaciada, está cada vez mais parecida com a do espelho em que se revê, abriu a sessão garantindo que já se vislumbra melhorias na economia. Mas que é isto? Vivemos nesta mentira, neste embuste, nesta pouca--vergonha que degrada a ética republicana e provoca amolgadelas maiores nos valores e nos padrões morais do nosso modo de relação social.

António José Seguro permanece ofuscado por qualquer problema que se desconhece. Nada diz, nada faz, em nada age. Cumplicia-se com o silêncio tenaz dos que se não querem comprometer. E as hostes agitam-se, cada vez mais, no PS, adquirindo proporções de que se registou uma pálida ideia na sessão de lançamento de um livro de José Sócrates. Esta agitação impeliu o antigo ministro Catroga ao beligerante comentário de que o ex-primeiro-ministro do PS deveria ser julgado. Bom. Neste caso e decorrências, o Catroga passaria ao lado? Ele, os que o antecederam e sucederam são santos impolutos e criaturas intocáveis?

O mal-estar que envolve o País tem muito a ver com este distúrbio, da natureza da consciência e de uma identidade própria que eles desagregam.

O faz de conta

Texto do Juiz Carlos Moreno (Juiz conselheiro jubilado do Tribunal de Contas) hoje publicado no jornal "i"

O poder faz de conta que tem uma excelente estratégia para reduzir o défice e a dívida. A Europa apoia-o. As oposições protestam, mas inutilmente

Faz de conta significa fingimento, dissimulação, camuflagem.

O poder diz que tem uma estratégia coerente e eficaz para consolidar as contas públicas. Mas limita-se a enormes aumentos de impostos e a cortes atrás de cortes, por si, e por imposição da troika quando esta cá vem e vê derrapagens nas metas irrealistas acordadas pelo poder para o défice. Em 2014, a austeridade vai duplicar, à custa dos velhos, das viúvas, dos reformados e das classes médias baixas. Os mais ricos continuam a escapar nas PPP, nas rendas da energia, na redução futura do IRC, cujos grandes beneficiários serão os grupos económicos do PSI 20. O poder faz de conta que tem uma excelente estratégia para reduzir o défice e a dívida. A Europa apoia-o. As oposições protestam, mas inutilmente.

O poder repete que, em Junho de 2014, a troika se vai e os portugueses recuperam a sua soberania, e que um mítico programa cautelar permitirá aceder aos mercados financeiros. Desde Maio passado, quando rebentou a crise na coligação, as taxas de juro da dívida soberana subiram para os 6% e nunca mais deram sinal de abrandar (na Irlanda estão na casa dos 3,6%). O poder faz de conta que irá aos mercados financeiros sem novos e pesados sacrifícios para os portugueses. A Europa fica muda. A oposição do arco do poder contesta, sem mostrar alternativa. Faz ainda de conta.

O poder diz que fez a reforma do Estado. Nunca teve para isso plano suportado em estudos, com objectivos e medidas devidamente calendarizadas e quantificadas. O célebre guião tornou--se uma miragem. A apregoada reforma da justiça não chegou ao terreno. A reforma fiscal e a da administração fiscal estão no limbo. As reformas para desburocratizar a administração central e local, e as tornar eficientes e eficazes, bem como as reformas na saúde e na educação, para melhor servirem o povo, limitam-se a cortes orçamentais aleatórios. O poder faz de conta que concretizou uma profunda reforma do Estado. A Europa diz "nim". A oposição que quer governar não revelou proposta credível. Faz de conta.

O poder exulta com o facto de a austeridade, sem mais e só por si, começar a dar frutos na recuperação da economia. O poder sabe que os ténues sinais de crescimento se devem às empresas exportadoras e, em parte relevante, à melhoria das expectativas e da esperança dos consumidores, abertas sobretudo pela reposição de subsídios ordenada pelo Tribunal Constitucional (TC). O poder sabe que a duplicação da austeridade para 2014 vai matar a esperança e voltar a assustar os consumidores, e assim a deprimir o consumo interno. As exportações não terão força para compensar este factor de diminuição do PIB e o investimento estrangeiro será residual. Mas o poder faz de conta que o "milagre" do crescimento está aí. A Europa cala--se. A principal oposição não acredita, mas não mostrou a sua aposta para o crescimento. Ainda faz de conta.

O poder cria leis retroactivas, que destroem direitos fixados no passado por leis legítimas, límpidas e transparentes, sem se preocupar com a machadada que assim dá na confiança dos cidadãos na democracia, no Estado de direito, nos partidos e nos políticos. Conduz uma campanha de assédio ao TC para que este decida como ele pretende e não com independência. O poder faz de conta que respeita o Estado de direito e que os juízes do TC não foram chamados antipatriotas e acusados de conduzir o país a um segundo resgate, mesmo antes de decidirem seja o que for. As oposições e muitos cidadãos, aqui, indignaram-se violentamente.

A discussão do OE/2014 corre o risco de levar a coligação e a maioria que a apoia a tentar transmitir à opinião pública que o OE/2014 é o purgatório inevitável que nos abrirá o céu, se o TC nada reprovar e a oposição lhe der o braço.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

E o povo, pá?

Texto de Paulo Morais, Professor Universitário, hoje publicado no "Correio da Manhã"

Sem qualquer ponta de sensibilidade, a ministra das finanças apresentou um orçamento do estado para 2014 (OE) cruel, injusto e até anti-económico.

É cruel. Prevendo cortes salariais a quem ganhe pouco mais de seiscentos euros por mês, condena as pessoas à fome e agrava a sua situação de miséria. É iníquo, pois reduz os recursos aos idosos, a portugueses com mais de oitenta ou até noventa anos, revelando uma absoluta ingratidão face às gerações que nos precederam na construção do país.

A Lei do OE é, além do mais, injusta: fustiga os trabalhadores com mais impostos, reduz salários e pensões, ao mesmo tempo que garante um acréscimo colossal em pagamentos aos concessionários das parcerias público-privadas. É ainda através deste documento que o estado premeia o setor financeiro, priorizando o pagamento de juros da dívida pública, que orçam em muitos milhares de milhões. Acresce ainda que este OE manterá as escandalosas isenções fiscais a detentores de fundos de investimento imobiliário fechados. Ou seja, o OE apela ao pagamento da crise a todos, exceto àqueles que mais para ela contribuíram: banca e especuladores imobiliários.

Por último, o OE é recessivo. Em primeiro lugar, porque transmite o sinal de que tudo é alterável, à exceção da intocável dívida pública. Incentiva a Banca a especular com títulos da dívida, como vem acontecendo, em detrimento do financiamento da atividade económica. Até os empréstimos internacionais destinados à recapitalização da Banca estão a ser desviados para a especulação. Mas também a redução salarial generalizada tem efeitos perversos. Uma poupança forçada de caráter geral é negativa, porquanto implica menor consumo, consequente escassez de recursos nas empresas, maior desemprego. Com consumidores depauperados e empresas descapitalizadas, o crescimento económico é impossível.

A ministra Maria Luís Albuquerque fez um longo discurso aquando da apresentação do OE. Mas poderia ter resumido assim: "Portugueses, temos de gastar mais dinheiro em juros e parcerias público-privadas em 2014. Por isso, temos de baixar os salários da função pública, reduzir pensões e reformas, limitar o crédito à atividade económica e aumentar os impostos a todos. Aguentem!".

domingo, 20 de outubro de 2013

Para o ano há mais

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

Percebo a vontade que muitas pessoas de esquerda têm de definir o actual Governo e a presente política europeia como de direita: associar a direita a esta loucura, que inevitavelmente resultará em catástrofe, provocará uma quase hegemonia política da esquerda durante muitos anos. Conceitos como reforma do Estado, reformas estruturais, maior liberalização económica, menos Estado na economia, serão olhados como slogans revolucionários e não como propostas válidas e absolutamente necessárias. Que não restem dúvidas: a incompetência e a insanidade revolucionária irão afastar do poder durante muitíssimo tempo políticos que não têm rigorosamente nada que ver com esta gente e propostas ideológicas erradamente associadas ao que estamos a viver.

Torna-se, aliás, penoso ouvir gente do PSD revoltada com o actual estado de coisas e com a consciência de que a linha governamental nada tem que ver com a história e os valores do partido. É que a esmagadora maioria destas pessoas prefere o silêncio ou as meias-palavras. Os militantes do PSD - os que lá estão por convicções e não os meros aparelhistas - já perceberam que princípios políticos, como o sentido reformista, a defesa intransigente da classe média, a luta contra a desigualdade, um Estado forte e regulador, estão a deixar de ser a essência do partido. Existem duas opções: ou param este processo de destruição e declaram alto e em bom som o que dizem pela calada ou ficam num partido que não é o mesmo a que aderiram. No segundo caso é bom que saibam que se arriscam dentro de pouco tempo a estar num partido marginal, mas isso, para o bem ou para o mal, os aparelhistas vão perceber primeiro.

Também se entende a tentativa da gente apoiante deste governo e desta política em definir toda a gente que não concorda com eles como de esquerda. Em primeiro lugar, as trincheiras são fundamentais para os intolerantes, para os sectários, para os revolucionários. Eles ou nós é uma forma de tentar condicionar o pensamento, de apelar a comportamentos tribais quase sempre irracionais. Em segundo é uma maneira de tentar desacreditar dentro de um determinado espaço ideológico as pessoas que não são, nem nunca foram, de esquerda - as que se preocupam com isso, claro está.

Confundir loucura revolucionária, incompetência, ignorância sobre as razões da crise, desconhecimento do país, pulsões punitivas e slogans apatetados do tipo "vivemos acima das nossas possibilidades", com posições ideológicas pode dar muito jeito para a luta partidária, no pior sentido, mas não tem o mínimo de adesão à realidade política-ideológica. Mais, em termos europeus, a política prosseguida pouco tem que ver com verdadeiras opções políticas mas com questões quase de fé, como a suposta preguiça dos povos do Sul. Temos também os grandes objectivos económicos. Neste caso, a ignorância sobre os motivos da crise de, por exemplo, o nosso governo - que comprou a patranha da culpa exclusivamente interna - e a incapacidade de os países mais afectados pela crise financeira global, mais prejudicados pelos erros profundos na implementação do euro e com estados de desenvolvimento económico e social diferentes terem uma posição comum, ajuda decisivamente à hegemonia das posições da Alemanha e seus parceiros.

O Orçamento do Estado para 2014 é tão-só um exemplo da loucura instalada. Alguém continuar a insistir numa política que está a destruir uma classe média inteira, a criar um exército de centenas de milhares de desempregados, a destruir o nosso incipiente Estado social, para depois de 15 mil milhões de euros retirados às pessoas e à economia ter uma diminuição do défice de 2,8 mil milhões é um perfeito absurdo. Diminuir o salário a pessoas que ganham 600 euros mensais é uma infâmia. E o pior é que não serve para rigorosamente nada. Não há a mínima oferta de uma perspectiva de um futuro melhor. Para o ano o défice vai ser igual, mas terão sido destruídas mais vidas e a economia estará mais deteriorada. Para 2015 será o salário mínimo a baixar, as pensões a desaparecer, a saúde e a educação apenas para quem as puder pagar.

Os revolucionários estão quase a construir a nova sociedade. O homem novo está quase a chegar.
Muitas razões contribuíram para este absurdo e provavelmente a inexistência de alternativa à esquerda e o adormecimento, ou melhor, a cobardia dos partidos de direita, não terá sido decisiva. Mas que contribuiu para esta espécie de quarta via revolucionária/suicida não restam dúvidas. Já estamos todos a pagar por isso, mas vai piorar. E, por este caminho, nunca melhorará.

sábado, 19 de outubro de 2013

O último Orçamento

Texto de Pedro Almeida Cabral hoje publicado na edição online do "Expresso".

O Orçamento de Estado para 2014 reúne condições espácio-temporais únicas. É o primeiro. E é o último. Ao mesmo tempo. É o primeiro Orçamento que o Governo gostaria de ter apresentado desde que tomou posse. Tem tudo o que o Governo gostaria de ter implementado desde o início e que, por inabilidade ou falta de coragem, ainda não tinha proposto. Cortes drásticos e acumulados nos salários dos funcionários públicos e em reformas. Aumento indiscriminado de impostos. E descida de IRC para grandes empresas. E pode também ser o último Orçamento que o Governo irá apresentar. Algumas das medidas são tão ostensivamente inconstitucionais que só se podem explicar como um derradeiro desafio ao Tribunal Constitucional. Aquele que se for perdido pode significar uma demissão ou um pedido de segundo resgate. Por falta de condições. Constitucionais, claro.

Até agora, subiram impostos, cortaram reformas, subiram ainda mais impostos, cortaram ainda mais reformas. Mas o resultado não serviu. Ou melhor, deu um resultadão: o défice em 2013 será de 5,8 % do PIB (Relatório do Orçamento de Estado para 2014). 0,4% acima do objetivo acordado com os credores de 5,5%. Que por sua vez já tinha sido alterado, pois o valor inicial era de 4,5%. 5 mil milhões de austeridade para ficar tudo na mesma. Ou pior. Portanto, há que repetir e fazer tudo igual.

Este Orçamento é lógico vindo deste Governo. Procura um objectivo psicológico para Troika ver. E é sobretudo um manifesto ideológico.   

É lógico porque desde sempre que este Governo procurou não apenas executar o contratado com a Troika. Procurou sempre fazer mais do que a Troika. O que passa por tornar serviços prestados pelo Estado como dispendiosos, inúteis e, em algumas áreas como a saúde, a educação e a segurança social, susceptíveis de serem melhor prestados por privados. Assim vão surgindo ideias como o cheque-ensino ou o constante ataque à natureza contributiva da segurança social. Pedia-se que o Governo, qualquer Governo, tratasse com a Troika. Não que aderisse à Troika. Dois anos depois, este Governo nunca faria outro caminho. A hora do crescimento que Gaspar falava na sua carta de (de)missão pode esperar. 

É psicológico. Para Troika ver. E se condoer. O objectivo de 4% de défice em 2014 é inalcançável. O crescimento de consumo privado em 2014 de 0,1% com tantos cortes em salários e reformas é inatingível. Até porque em 2013 se prevê que seja de - 2,5%. E o crescimento de 0,8% do PIB depois de uma queda prevista de 1,8% em 2013 é muitíssimo duvidoso. Tantas previsões irrealistas e cortes, reduções e impostos só servem para mostrar à Troika que nada muda depois da agitação que viciou o Governo e levou Portas a Vice. E que assim será até ao fim do programa de assistência. Irrevogavelmente.  

É um manifesto ideológico porque sustenta enormes desigualdades. Embora sejam as desigualdades que o Governo quer. Cortam-se salários de funcionários públicos de € 600. Ao mesmo tempo que desce o IRC pago por grandes empresas. E mantendo o IVA e o IRS nos atuais níveis elevados. Não é distracção. É mesmo convicção. Convicção que uma taxa baixa do IRC nos salva. Como se fosse uma taxa baixa do IRC a criar emprego. Veremos o que acontece em 2014. 

Um Orçamento de Estado não consiste apenas no deve e no haver do Estado. É sobretudo a maneira como o Governo olha para o país. Só que este Orçamento não olha para o país. Olha para a Troika em desespero para não haver segundo resgate. O que faremos se tudo arder? É o que vamos saber em 2014

Orçamento ou democracia

Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"

Se o Orçamento do Estado (OE) apresentado pelo governo PSD/CDS for aprovado e posto em vigor, o regime democrático construído desde Abril de 1974 pode ser aniquilado.Para além das injustiças e da violência social de muitas das medidas, da continuação do caminho insano de empobrecimento e de incapacitação do país, a proposta de OE é um complexo exercício de mentira e fingimento e um ataque direto à democracia e à soberania nacional.

O OE, objetivamente, coloca os portugueses perante esta decisão: ou se submetem aos interesses estrangeiros (e alguns nacionais) representados pelos nossos credores e agiotas, ou reafirmam a vontade de viver em democracia e de ter os seus órgãos de soberania nacional.

É uma vergonha a campanha que indivíduos reacionários, distraídos ou patetas têm desenvolvido contra a Constituição da República (CR). A CR nasceu da Revolução, felizmente, mas desde 2 de abril de 1976, tempo aliás que já era de contrarrevolução, sofreu múltiplas alterações, nem sempre (antes pelo contrário) favoráveis à Esquerda e a forças de progresso. Só por maldade - e para servir a estratégia e os objetivos dos que nos exploram - se pode culpar a CR pelos problemas que hoje enfrentamos.

Este OE evidencia também coisas sujas e impensáveis em democracia, como a mentira que o ministro Paulo Portas e a ministra das Finanças expuseram na sua conferência de Imprensa. Os cortes do OE não são pequenas e médias poupanças, e não podem ser chamados de "poupanças do Estado". De um total de 3 mil milhões de euros de redução da despesa, 2 mil e 200 milhões de euros são retirados às famílias dos funcionários públicos e dos pensionistas. E parte importante do resto vem de uma suposta "reforma hospitalar", cujos efeitos na prestação de cuidados de saúde devemos recear. Entretanto, quando ficamos com piores serviços de saúde, de ensino, de justiça, de segurança social, de ação fiscal, quem está a pagar somos todos nós!

Entre cortes e aumentos de impostos e contribuições sociais o Governo prepara-se para retirar da economia cerca de 4 mil milhões de euros. Daqui só poderá resultar forte recessão, cenário bem diferente das previsões do Governo.

É difícil de entender os objetivos por detrás deste OE. A quem quer o Governo enganar? Aos mercados? Quer convencer analistas experimentados que a recessão acabou e as dívidas vão mesmo ser pagas? Quer enganar o povo? Levar-nos a crer que o "Estado" é que faz os sacrifícios, quando quem paga, mais uma vez, são trabalhadores e pensionistas e também milhares de pequenos empresários? Quer burlar o Tribunal Constitucional? Ou enredá-lo em contradições que facilitem o ataque definitivo à CR?

O documento apresentado não é uma proposta de Orçamento, é um exercício de fingimento, carregado de mentiras e roubos. Todos sabem que os objetivos de défice e dívida são inatingíveis. O problema é que, apesar disso, se o OE entrar em vigor, os cortes serão feitos, as pessoas sofrerão e a recuperação tornar-se-á mais difícil. Como é possível que um Governo democraticamente morto e em decomposição continue a executar um programa de destruição sistemática da economia, da sociedade, do país?

É de esperar que após a aprovação pela Direita do OE haja um veto do Tribunal Constitucional. Mas a seguir virá uma brutal ofensiva contra o Estado de Direito democrático. Os credores vão tentar impor uma maioria de Direita alargada ao Centro que rasgue a Constituição. Vão querer que Portugal substitua a Constituição que nos protege de loucos, por um papel onde esteja escrito: "em caso de dúvida, o que os mercados decidirem está bem decidido".

Que soem os alarmes! Em que país queremos viver? Num Estado de Direito, regido por uma Constituição que assegure os direitos e as liberdades fundamentais, ou num regime arbitrário em que um qualquer grupo chegado ao poder possa executar as ordens dos "mercados" e de uma União Europeia que começa a parecer uma potência colonizadora onde grassa o cheiro a fascismo e a desumanidade?

É premente mostrar que não somos um protetorado e que sabemos desenvencilharmo-nos. É premente demitir o Governo e realizar eleições. Precisamos de compromissos novos que sustentem caminhos alternativos e de progresso.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Orçamentira

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias

Invariavelmente, os países que vivem sob o jugo dos "doadores" inventam um país que caiba nos impressos de autorização de despesa de quem tem o dinheiro. Inventam-se democracias, inventa-se liberdade de expressão, inventa-se pluralismo partidário, inventa-se desenvolvimento. E os doadores fingem acreditar em tudo isso. Porque enquanto o fingimento valer, os negócios que mais lhes convêm far-se-ão. Fingindo - e mantendo a mandar os seus homens de mão - os doadores acumulam vantagens económicas e políticas. Fingindo - e prestando vassalagem aos seus mandantes - as elites locais enriquecem à custa de povos exangues.

Em Portugal, chegámos àquele tempo em que a satisfação dos delírios dos credores é tão impossível que só mesmo a mentira mais retinta os pode servir. O Orçamento para 2014 é esse cínico exercício de mentira, em que ninguém acredita - nem a troika, nem o Governo, nem as pessoas - que só serve para falar de um país a fingir. Mas essa mentira disfarça a estratégia da verdade deste Orçamento: enquanto o fingimento valer, o assalto a tudo o que é público e a punição dos que o servem será sem limite.

A mentira deste Orçamento é feita de muitas mentiras. Refiro três. A primeira é a de que a diminuição da taxa de IRC para 23% determinará uma perda de receita fiscal de 70 milhões de euros. Sabendo que os cálculos da comissão que estudou esta reforma apontam para uma perda de 220 milhões de euros, as contas do Orçamento só seriam válidas se se pressupusesse que haverá um aumento dos lucros das empresas tributáveis em IRC da ordem dos 600 milhões de euros, para o que teria de haver um aumento fabuloso da produção e das vendas dessas empresas. Só acredita quem quer. Segunda mentira: o Orçamento aponta para um arrecadamento de 100 milhões de euros com a penalização das pensões de sobrevivência, baseando-se na existência de 25 mil pessoas viúvas que acumulam pensões acima dos dois mil euros. Os números não batem certo, por mais que se estique a taxa de tributação da viuvez. Só acredita quem quer. Terceira mentira: o cenário macroeconómico que serviu de base ao Orçamento prevê um crescimento do produto na casa dos 0,8%, não obstante a previsão de queda de 2,8% no consumo público e da manutenção do desemprego nuns dramáticos 17,7%. A isto acrescenta a invenção iluminada do crescimento (!) do consumo privado, mesmo depois dos cortes brutais nos salários e nas pensões. As exportações salvar-nos-ão, portanto. Só acredita quem quer.

Mas a mãe de todas as mentiras é a de que, cumprido este Orçamento, chegaremos enfim à redução drástica do défice e da dívida. Nisto já só acredita quem não quiser ver a realidade. Basta olhar para o caminho que fomos forçados a fazer: em 2012, o défice era de 10 600 milhões de euros, as medidas de austeridade foram de 5300 milhões, o défice desceu para 9700 milhões. 5000 milhões de sacrifícios para menos de 1000 milhões de abatimento do défice.

A confirmar estas mentiras, há verdades fortes neste Orçamento. 82% dos cortes serão suportados pelos funcionários públicos e pelos reformados, enquanto aos bancos e aos monopólios energéticos "será pedido um contributo" (pontual, claro) de 4% do ajustamento. Entretanto pagaremos 7200 milhões em juros da dívida e aumentaremos para 1650 milhões os gastos em parcerias público-privado. Mais do que o que gastamos em saúde e ensino. Onde estão afinal as gorduras?

Um Orçamento para a ‘troika’, com carinho

Texto de Bruno Proença hoje publicado no "Diário Económico"

O Governo apresentou esta semana o Orçamento do Estado para 2014 em português, mas o que interessa é a versão inglesa. Este Orçamento é primeiro que tudo para os credores e depois para os portugueses. Por isso, eles ficam com tudo e nós com quase nada. A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, consciente das suas responsabilidades, apresentou primeiro o Orçamento aos colegas de Bruxelas na segunda-feira e terça de manhã e só ao fim da tarde falou em Lisboa. Isto é um sinal dos tempos. Portugal é um País subjugado. Não tem independência financeira. A Democracia está em suspenso e quem manda efectivamente são os credores - os institucionais, como a ‘troika', e os mercados.

Assim, a primeira questão deste Orçamento é se ajuda Portugal a recuperar a independência financeira? No papel sim. Está lá tudo o que os investidores internacionais gostam. Descida do défice orçamental e o excedente primário (saldo orçamental retirando as despesas com a dívida pública), que será o primeiro em muitas décadas e a prova dos nove da consolidação das contas públicas e da sustentabilidade da dívida pública. E estas metas são alcançadas ceifando despesa pública (contribui em 70% para a descida do défice) à custa de pensionistas e funcionários públicos. Depois de dois anos a aumentar brutalmente os impostos, o Governo quer agora provar aos credores que ganhou coragem para esfolar os salários na função pública acima de 600 euros - 90% dos trabalhadores do Estado são afectados - e as pensões dos reformados.

A estratégia do Governo é óbvia: com este Orçamento duro quer convencer os mercados que tudo fará para pagar aos credores, esperando que as taxas de juros da dívida pública desçam para níveis que permitam fugir ao segundo resgate e conseguir uma via verde para o programa cautelar. Como já disse Pedro Passos Coelho, a decisão será tomada até Dezembro. Portanto, se tudo correr bem, o Orçamento nem necessita de ser executado na totalidade. Depois de garantido o programa cautelar, logo se verá como corre o próximo ano.

Esta estratégia resultará? A bem do futuro imediato dos portugueses, esperemos que sim. Mas os primeiros sinais são preocupantes. Para já, as taxas de juros da dívida pública nacional pouco mexeram. E contactos com investidores internacionais permitem perceber que não andam distraídos. Eles não esquecem uma velha máxima: elaborar o Orçamento é o mais fácil, difícil é executá-lo.

Ou seja, complicado é aplicar as medidas contra toda a contestação social e as resistências dos grupos de pressão. E há volta da execução do Orçamento do Estado para 2014 há mais pontos de interrogação do que certezas, destacando-se as dúvidas Constitucionais. Até os juízes do Palácio Ratton apreciarem os cortes salariais no Estado, a convergência das pensões da CGA ou a passagem do horário no Estado para as 40 horas semanais, ninguém acredita no Orçamento. Nas mãos dos juízes estão mais de 1,5 mil milhões de euros, cerca de 40% dos cortes de 3,9 mil milhões previstos para 2014. Para o bem e para o mal, parte importante do futuro de Portugal passará pelo Tribunal Constitucional.

A segunda questão que se coloca a este Orçamento é se ajuda a resolver os problemas do País? Em parte sim, ao assentar a redução do défice nos cortes da despesa pública. Como estamos a ver, muitos dos que gritaram pela redução dos gastos do Estado estão agora na barricada contra o Orçamento. Cortar na despesa é doloroso porque afecta alguém. Portanto, devemos todos exigir que os cortes sejam equitativos. E este Orçamento não garante isso. Pedro Passos Coelho podia ter ido mais longe na tributação de sectores protegidos como a energia, banca ou telecomunicações e, dessa forma, minimizar o impacto nos funcionários públicos e pensionistas.

Além disto, a redução da despesa é pouco estruturada porque tem apenas um racional financeiro. Não concretiza um guião da reforma do Estado que continua sem conhecer a luz do dia. Este Orçamento pode ajudar ao resgate financeiro de Portugal mas só a reforma do Estado garante um futuro com desenvolvimento e crescimento económico.

O contínuo ciclo do lixo irrevogável

Texto de Ana Sá Lopes hoje publicado no jornal "i"

Portas cobriu-se de ridículo na conferência de imprensa da sétima e oitava avaliações da troika - em que afirmou aos portugueses que não havia novo pacote de austeridade. Passos Coelho fez o mesmo na sessão na RTP. A apresentação do Orçamento do Estado deveria cobrir os dois de vergonha.

Afinal ainda havia quem acreditasse que com Portas aos comandos das negociações com a troika os colonizadores iriam ser convenientemente enfrentados e que, juntos, Portas e António Pires de Lima seriam o rosto de um alegado "novo ciclo" que chegaria no fim do arco-íris. Se a palavra de Paulo Portas não vale um avo neste momento, o partido dos pensionistas faleceu. Pires de Lima é mais elegante que Álvaro Santos Pereira e Paulo Portas tem mais capacidades comunicativas que Vítor Gaspar. As diferenças esgotam-se aqui, no meio do lixo, da depressão e da caminhada para o abismo.

O Orçamento do Estado é um documento vergonhoso, que privilegia os grandes interesses - a banca e as eléctricas - em detrimentos dos pobres e remediados, que são todos os funcionários públicos com um salário de 600 euros brutos. Um Orçamento que aumenta os gastos de funcionamento do próprio governo em níveis vergonhosos (os gabinetes vão gastar mais 3,3 milhões de euros que em 2012, época em que o primeiro-ministro anunciava que a austeridade começava dentro de portas), enquanto aniquila as pensões de reforma daqueles que nasceram noutros anos de chumbo e se esforçaram por nos entregar um país mais decente - e que agora sustentam os filhos desempregados por causa de uma política económica cega que trava o crescimento, a procura interna e a criação de emprego.

O que está em curso é o desmantelamento do país tal como o conhecemos, a reboque de uma experimentação económica comandada por pessoas que não elegemos (embora boa parte do governo em funções se identifique com o estoiro, na certeza de que do alto dos seus cargos e futuros cargos em grandes empresas nunca terão de se confrontar com as dificuldades do cidadão comum.

Já se sabia que o "novo ciclo" era uma mentira porque havia um compromisso prévio de corte de 4 mil milhões de euros. Mas quem falou do novo ciclo não foram os funcionários públicos, foram os partidos do governo, dolosamente. Dizer, como Portas e Passos Coelho, que isto "não é um novo pacote de austeridade", é chamar imbecil a um povo inteiro.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Matança dos cordeiros

Texto de André Macedo hoje publicado no "Diário de Noticias"

1.Sobram cada vez menos cordeiros para a matança. Os impostos sobre o trabalho e o consumo já entraram na zona proibida. Mais carga só significa aumento marginal das receitas. É a curva de Laffer, a exaustão, o pesadelo de Maria Luís. Aperta-se, espreme-se, sufoca-se a economia, destrói-se a confiança, ameaça--se, justamente, enviar os delinquentes fiscais para um catre na prisão da Carregueira, mas só pingam umas gotas sofríveis, uns respingos que não matam a sede. Não dá para sacar mais nada com expressão nas contas públicas.

2.Sobram as talhadas nas pensões (algumas corretas) e os cortes salariais nos funcionários públicos. Pergunto: não seria mais sério despedir? Se o Tribunal Constitucional encontrar maneira de fazer um mortal encarpado e se aprovar grande parte deste Orçamento - há uma remota hipótese de isso acontecer -, também fica esgotado este naco de chicha. Como será então 2015? Como se irá reduzir o défice para 2,5%? Não será com crescimento económico que se veja. Não assim. E se o TC chumbar, aumenta-se mais o IRS só para iludir o Excel e satisfazer por instantes o apetite da troika?

3.O secretário de Estado Hélder Rosalino justificou o não ter apresentado a reforma da tabela salarial pública porque ainda vai ter de a estudar. Portanto, dois anos depois ainda está perdido no labirinto, mas já cortou os salários a partir dos 600 euros e transformou os milionários que recebem dois mil brutos em gulosas fontes de receita. A culpa não é de Rosalino. Quer dizer, não há reforma das funções do Estado. Há cortes, há dívida e há défice. Minha, sua e de todos. Entretanto, o Estado continua a fazer o que fazia, nalguns casos com menos dinheiro, noutros sem dinheiro nenhum, sempre com menos qualidade, sem orientação, a eito. Um dia a ponte vem abaixo ou então outra coisa qualquer.

4.As empresas de energia e os bancos queixam-se da nova taxa que vão pagar. É legítimo que reclamem. Digo, é até saudável que confrontem o poder em vez de se aninharem nos seus tentáculos rentáveis. O que me enoja é ver antigos políticos, servidores públicos - gente que agiu em nome da confiança democrática passada pelos eleitores -, vestir a pele dos interesses privados como se não tivesse havido ontem nem houvesse amanhã. Só conta o cheque no fim do mês. Logo eles que ainda há pouco (o que digo?), ainda hoje dizem saber o que é melhor para o País. Os senadores. Os sábios. Os sabidos e mais ouvidos. Faça favor sr. doutor, vossa excelência elucide-nos, tenha paciência. Não me oponho ao que defendem. Não. Indigna-me que se esqueçam. Nunca tenham sabido o que é o bem comum.

5.Qual é o preço corrente de um homem sério e consequente? Já não há homens sérios e consequentes? Ninguém tem a obrigação de se dedicar totalmente à eliminação do que está errado (cito Thoreau), mas é seu dever não dar apoio à iniquidade. Muitos dos nossos servidores públicos são assim: caçadores de cargos. Gente iníqua que nos trouxe até aqui não nos tirará daqui. Precisamos de um governo melhor, gente melhor. Sobram cada vez menos cordeiros para a matança. Um dia, então, alguém se levantará.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Assim não

Texto de João Vieira Pereira hoje publicado na edição online do "Expresso".

Dizem que a noite é uma boa conselheira. Foi com essa esperança que deixei para hoje uma primeira análise ao Orçamento do Estado. Infelizmente hoje acordei com a mesma sensação que este não é o orçamento possível, este é o orçamento da incompetência. 

Não me canso de perguntar. Onde está a reforma do Estado? Aquela anunciada como obrigatória por este Governo e entregue a Paulo Portas para a fazer? Onde está o redesenho das funções do Estado, o fecho de institutos, a reestruturação das empresas públicas? Eu procurei, procurei e apenas encontrei um garrote. É como irmos ao médico tratar uma grave doença do coração e sair de lá com uma perna amputada.

Este é o orçamento anti-Função Pública. Dos cortes indiscriminados, da redução cega de prestações e dos novos aumentos de contribuições e de mais impostos. Não existe uma estratégia apenas a necessidade de cortar e cortar. O espelho da incompetência de um Governo, de um vice-primeiro-ministro e no limite de um primeiro-ministro. 

O pior é que este orçamento até poderá servir para o objetivo de Portugal conseguir voltar aos mercados. Porque reduz como nunca a despesa do Estado e mostra que o Governo está empenhado em conseguir. Mas não corrige nada. Assim que volte a haver dinheiro repõem-se os cortes e tudo volta ao mesmo. Ao Estado ineficiente, gordo e sem estratégia. A reforma do Estado que devia estar neste orçamento resumiu-se a usar a Função Pública como saco de porrada do défice. Assim não.

PS. Este ano os encargos com as PPP quase que duplicam. No total o Estado vai pagar 1646 milhões de euros com estes contratos. O aumento é explicado pelas PPP rodoviárias que vão somar este ano 1166 milhões de euros. São as estradas de Sócrates. Aquelas que ele lançou mas que continua a dizer que estava era a poupar dinheiro. Este ano chegou a conta.  

Sem dinheiro e sem esperança

Texto de Armando Esteves Pereira, Diretor-Adjunto, hoje publicado no Correio da Manhã

Os cortes de salários da Função Pública e nas reformas dos beneficiários da Caixa Geral de Aposentações são as medidas mais drásticas de um Orçamento do Estado sem esperança.  

Os funcionários do Estado, penalizados por uma medida à antiga albanesa, são vítimas de não ter havido coragem política para uma verdadeira reforma do Estado. Mas todos os cidadãos continuarão a suportar o peso do brutal aumento de impostos de Vítor Gaspar, agravado com mais ajustamentos da pressão fiscal. O Estado, que este ano volta a não cumprir a meta do défice, continua a levar cada vez mais percentagem do dinheiro dos contribuintes.

O governo, que cria uma lotaria para ajudar na luta contra a fuga aos impostos, mete mão a tributar mais tudo o que mexe, desde os carros a gasóleo, que já são a maioria do parque automóvel, ao tabaco e às bebidas. Só falta mesmo regressar o velho imposto sobre os isqueiros, dos tempos de Salazar.
O Orçamento, que corta salários e pensões, prevê aumentar a receita do IRS acima do crescimento económico. Com mais desempregados, é um verdadeiro mistério saber como é que o Fisco vai arrecadar mais dinheiro de cada vez menos contribuintes reais.
Sobre este Orçamento paira ainda a Espada de Dâmocles do crivo constitucional. Um eventual chumbo pode abrir uma Caixa de Pandora de consequências assustadoras, num país onde a crise financeira do Estado nos empobrece a todos.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Pensem e REVOLTEM-SE


Portas e o preço da vaidade

Texto de Eduardo Oliveira Silva hoje publicado no  jornal "i".

Chegou a vice-primeiro-ministro e assumiu parte do papel de Gaspar mas sem a coragem de chamar os bois pelos nomes

Domingo à noite ficou definitivamente assente que, em circunstâncias que o governo Passos/Portas entender, quem contribuiu para mais tarde receber ou deixar uma pensão a um cônjuge sobrevivo pode ter esse direito limitado arbitrariamente.

O mais estranho desta medida que nem no desvario do PREC os partidos revolucionários da esquerda mais extremista se atreveram a aplicar aos pides, por terem feito descontos, dá ao Estado o direito de determinar quem tem ou não a necessidade de receber. Agora já só falta mesmo dizer a cada um o que deve meter no cabaz das compras.

No ataque reincidente a quem recebe parte da pensão de viuvez (o máximo era 60% do salário ou pensão), Paulo Portas insistiu em negar direitos aos que contribuíram confundindo-os com os que recebem pensões e outros subsídios por via do processo assistencialista, que o Estado também tem. Só por má-fé se pode baralhar assim coisas que não se podem misturar. Além disso incorreu em novas omissões, ao não explicar qual o montante do corte a aplicar para que 25 mil pensionistas, ou seja, 3,5% do total, paguem 100 milhões de euros, o que dá perto de 4 mil euros ano, cerca 285 euros mês em 14 meses.

Cabe lembrar que na própria Alemanha a senhora Merkel chegou a pensar em mexer no direito adquirido dos pensionistas contributivos. Ora o Tribunal Constitucional do país (o qual ninguém lá ou na Europa se atreve a questionar) rejeitou liminarmente a ideia considerando esse direito um património privado e pessoal. No fundo, o que foi dito na Alemanha é que cortar uma pensão é o mesmo que espoliar alguém de um bem material.

Seja muito seja pouco, o valor de uma pensão oriunda de um sistema contributivo deve ser sagrado e a condição de recurso não pode ser utilizada para o avaliar, ao contrário do que acontece e bem no caso de pensões e subsídios assistencialistas. Para repartir o esforço, o Estado tem na mão um instrumento chamado imposto que chega muito bem para fazer justiça social.

É por aí que se deve ir, em vez de optar pelo confisco e pela intromissão ditatorial na vida de cada um para saber se aquilo a que tem direito é suficiente ou não para viver. O precedente é perigoso e ultrapassa limites civilizacionais. Após tantas piruetas políticas do seu líder, já nem espanta é ser o CDS/PP de Paulo Portas a patrocinar abusos destes, porque seguramente o CDS original de Freitas do Amaral jamais o faria.

Diz-se que a curiosidade matou o gato. Na política é a vaidade que leva à perda. Paulo Portas chegou a vice-primeiro-ministro depois da crise do Verão. Alegou que havia linhas que não se passava aquando da TSU, mas depois voltou atrás para agora ultrapassar claramente todas as marcas.
No regaço do Banco de Portugal quem se deve rir muito é Vítor Gaspar, que vê Portas num papel de arauto que até há pouco era o seu. Mas verdade se diga que Gaspar assumia as coisas sem hipocrisia política.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Estado ladrão e os métodos dissimulados

Texto de Tomás Vasques hoje publicado no jornal I-online

O carácter deste governo não se avalia só pelos alvos que escolhe, mas também pelos métodos dissimulados que utiliza

A encenação montada à volta dos cortes sobre as pensões de sobrevivência constitui mais um dos muitos exemplos que definem o carácter deste governo. Começou pela ocultação do assunto, pelo vice-primeiro-ministro e pela ministra das Finanças, na conferência de imprensa sobre as avaliações da troika. Esta destinava-se apenas, na lógica de uma total falta de frontalidade e transparência, a revelar o contentamento dos nossos credores pelo "cumprimento do programa de ajustamento", sem denunciar que essa "apreciação positiva" correspondia a lançar mais sofrimento e mais miséria sobre a maioria dos portugueses e mais incerteza sobre o futuro do país. Dias depois, deliberadamente, o governo colocou na praça pública, através da comunicação social, essa pretensão envolta em contornos indefinidos, dando a ideia que ainda não tinha preparado bem o alcance da medida proposta. Ainda estavam a estudar a "condição de recurso", para usar a língua-de-pau atrás da qual escondem os seus propósitos, o que significa que estavam a testar as reacções a mais este saque de modo a "calibrar" a medida. O carácter deste governo não se avalia só pelos alvos que escolhe, mas também pelos métodos dissimulados que utiliza.

Estes cortes nas pensões de sobrevivência deixa muito claro que, apesar de peripécias várias, como a inenarrável crise política de Julho passado, e muita incompetência e mentira à mistura, o rumo deste governo para a "resolução da crise" permanece inalterável desde o primeiro momento: 1) redução substancial dos custos do trabalho, empobrecendo e lançando na miséria muitos milhares de portugueses, enquanto provocam o crescimento do desemprego, de modo a facilitar a criação de um "mercado de trabalho" com mão-de-obra barata; 2) destruição das obrigações sociais do Estado, nomeadamente nas áreas da Saúde, da Educação e da Segurança Social, com o rol de dramas pessoais que isso acarreta, desde doentes com cancro e HIV que são recusados pelos hospitais, até aos cortes, sem dó, nem piedade, nas pensões e reformas. A fúria predadora do Estado-ladrão sobre os cidadãos, sobretudo os mais frágeis, que este governo trata como um bando de "feios, porcos e maus", é tal que até um relatório da OCDE, publicado este ano, constata que a "contenção da despesa no sector da saúde fez com que Portugal acabasse por cortar o dobro do que era exigido no memorando de entendimento com a troika"; 3) fazer da democracia uma paródia, sem ética, nem estética, sem decência, nem moral, em que se exige diariamente a revisão da Constituição da República. Ainda esta semana o presidente da Associação Industrial Portuguesa, que não precisa de usar as dissimulações do governo, exigiu a "revisão da Constituição", de modo a permitir "o embaratecimento dos custos unitários de trabalho, através da diminuição dos custos laborais e permitir os despedimentos."

E não se diga que este rumo do governo se deve à situação de "emergência nacional" em que o resgate colocou o país. O "programa" executado é o programa do PSD, pensado pelas luminárias neoliberais, o qual, em 2010, muito antes da troika cá chegar, foi explicado no congresso que entronizou Passos Coelho. É uma opção ideológica, ao mesmo tempo que representa uma opção colaboracionista com os históricos interesses hegemónicos da Alemanha que, desta vez, assumem a forma de domínio económico, usando a moeda única e as dívidas soberanas como instrumentos desse domínio.

O Portugal solidário e democrático desfaz-se, ao mesmo tempo que a Europa sonhada por muitos desde o final da segunda guerra mundial também se desfaz. É altura de recordar o poema "Europa" de Adolfo Casais Monteiro, escrito em 1945: "O sangue ensinará/ - ou nova escravidão/maior há-de enlutar/teus campos semeados/de forcas e tiranos."

sábado, 12 de outubro de 2013

Um animal ferido

Texto de Filomena Martins hoje publicado no "Diário de Notícias"

Pior que um animal feroz é um animal ferido. O feroz, como se auto intitulou José Sócrates, agia por impulsos, achava-se o único dono da razão e nunca admitia o erro. Conhecemos os resultados. O ferido, situação em que se encontra agora Passos Coelho, como já nada mais tem a perder, age em desespero, esbraceja aleatória e automaticamente apenas para tentar sobreviver. Não sabemos o que fará a seguir e temos de temer o pior.

José Sócrates, conforme o espirro que desse ou o movimento que fizesse, tinha um comité de acólitos formado que pronta e imediatamente saltava para o terreno para o aplaudir. E, com a maior ou a menor gritaria que o assunto justificasse, de Silva Pereira a José Lello, alguém vinha fazer odes ao chefe.

Passos Coelho, pelo contrário, está cada vez mais sozinho, isolado. Sabe que o partido, do qual Marcelo o considera o pior líder de sempre, já só aguarda pelo seu sacrifício. Sabe que no Governo, ao permitir o adeus de Relvas acusando-o de ingratidão, a carta de Gaspar revelando a sua falta de liderança, e a subida de Portas a vice, cedendo à sua chantagem, perdeu toda a legitimidade. Dos ministros ditos políticos, que deveriam ser os seus guarda-costas, apenas já se ouve, e em murmúrio, Paula Teixeira da Cruz. Ficou sem apoios, não há quem não o critique e o futuro é um vazio completo.

Passos não tem futuro em nenhuma grande instituição europeia, como Durão ou Guterres. Não tem a arrogância disfarçada de carisma que permitiu a Sócrates o exílio filosófico em Paris e o regresso pela porta da RTP onde todas as semanas faz uma lavagem de cérebro ao passado. Nem sequer os dotes oratórios que lhe possam dar o palco do comentário político, onde proliferam os seus antecessores à frente do partido. Passos não tem nada. Passos sabe que está no corredor da morte política.

O que lhe resta então? Na sua bipolaridade cada vez mais evidente, que num dia o põe a alimentar todas as expectativas sobre o nosso crescimento económico e no outro a avisar para o choque de expectativas que teremos com o Orçamento, Passos é o tal animal ferido na sua dignidade. Fisicamente envelheceu séculos e é a imagem de alguém que parece carregar aos ombros todo o peso do mundo. Está verdadeiramente convencido de que está a salvar o país, apesar de todos sabermos que o País, tal como o conhecemos, pode não lhe sobreviver. De um líder assim, que sabe que perdido por cem, perdido por mil, pode esperar-se tudo. Há por isso que ter medo. Muito medo.

Artigo Parcial

Más razões

Texto de Joana Amaral Dias hoje publicado no "Correio da Manhã".

 Mais um equilibrismo trôpego de um governo que pensa que somos todos palermas.

Justo e populista. 

É assim que se pode caraterizar o corte nas subvenções dos políticos, criadas nos anos 80 por Rui Machete (esse), apesar da zanga do CDS que achava que era pouco. Em 2005, Sócrates alterou o regime, com a oposição do PSD e sem retroatividade. Agora, no rescaldo das eleições e da constatação de que os portugueses não querem estes políticos nem dados, o governo PSD/CDS quer cortar nessas pensões.

Que conveniente. Faz ressonância do ódio à classe e ainda tenta camuflar os últimos golpes, nomeadamente o abjeto nas pensões de sobrevivência. Toma-se esta decisão certa, ainda que sem impacto no bolso dos contribuintes, pelos piores motivos.

Se o executivo pretendia responder às angústias dos cidadãos sobre governantes e quejandos teria permitido que os ‘seus’ deputados estivessem abertos a ponderar listas de independentes. Mas não, e isso foi das poucas coisas em que Passos Coelho foi claro no seu big brother desta semana. Enfim, mais um equilibrismo trôpego de um governo que pensa que somos todos palermas, mostrando assim e até à náusea a sua mais completa imbecilidade.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Dr. Passos Coelho: os seus falhanços, são os seus falhanços (não de Portugal!)

Texto de João Lemos Esteves hoje publicado na edição online do "Expresso".

Passos Coelho tem de ser responsabilizado politicamente pelos militantes do PSD, sob pena de o partido rapidamente se descaracterizar. Tal como prometido, desenvolverei este tema em próximo artigo. Hoje, porém, julgo pertinente comentar aqui no POLITICOESFERA o serão de pura propaganda política (objectivamente, não estou a insinuar que tenha sido essa a intenção dos responsáveis da estação pública) que a RTP concedeu a Passos Coelho. Repito: propaganda política. As perguntas foram objecto de apertado escrutínio por parte da produção, os convidados estavam sujeitos a apertadas regras (nomeadamente, a de não poderem contradizer ou voltar a direccionar o discurso do Primeiro-Ministro para uma resposta efectiva à questão colocada) e os assessores de Passos Coelho elaboraram previamente as respostas. E este é precisamente o formato de entrevista/questionário/tempo de antena que melhor se ajusta ao perfil de Passos Coelho: Passos Coelho não é emotivo, é excessivamente analítico, muito longo nas suas respostas, muito redondo, nada concreto. Ora, como a pergunta do cidadão escolhido pela RTP era apenas o mote para a intervenção do Primeiro-Ministro, este podia discorrer longamente sobre uma matéria (claro que, nos termos que mais lhe conviesse) sem qualquer contraditório ou interrupções. Qual foi o valor jornalístico do programa? Pouco ou nenhum: para Passos Coelho é muito, muito mais fácil ser questionado nos termos deste formato da RTP do que ser confrontado com questões de jornalistas especialistas em matérias de economia, finanças ou política pura. Devo dizer, aliás, que não obstante o muito apreço pessoal e profissional que tenho por Carlos Daniel, ele foi mais apresentador de um formato de entretenimento do que jornalista: tirando a parte final, limitou-se a apresentar os cidadãos e deixava Passos Coelho responder como lhe aprouvesse. Nem sequer se diga que este formato corresponde ao modelo muito popular nos EUA das Town Hall Meetings: primeiro, nos EUA, são utilizados em debates presidenciais, em que os contendores presidenciais apresentam ideias alternativas respondendo a questões de cidadãos - portanto, nos EUA, há contraditório; em segundo lugar, o moderador tem um papel mais activo, não descurando o follow up das intervenções dos candidatos. Isto já para não dizer que nos Estados Unidos da América, o tempo concedido aos candidatos para responder às questões não é tão extenso como o que foi dado ontem a Passos Coelho. Portanto, como as audiências mostram, muitos portugueses sintonizaram a RTP para ver Passos Coelho ser confrontado com questões difíceis, a dar explicações aos portugueses sobre os insucessos das suas políticas, mas, afinal, foram presenteados com o mesmo discurso vazio, sem qualquer ideia nova e com um discurso cinzento que impressiona pela negativa. 

Pois bem, este é o único ponto que fica do programa feito por encomenda para Passos Coelho: é que o Primeiro-Ministro em vez de estar a salvar o País, está a tentar salvar a sua pele. No fundo, Passos Coelho, no seu íntimo, já atirou a toalha ao chão: sabe que perderá as legislativas, sejam elas para o ano ou em 2015, restando-lhe tentar ficar bem na História. Daí aquele argumento surreal, que revela no limite uma visão totalitária do poder ao reconduzir o sucesso ou insucesso de Portugal ao sucesso ou insucesso de Passos Coelho. Ou seja, eu, Passos Coelho, sou Portugal; e Portugal sou eu, Passos Coelho. Tudo pelo Passos Coelho; nada contra o Passos Coelho. Mais uma vez, Passos Coelho não sabe o que é democracia - não sabe quais são os fins e o métodos de legitimação dos Governos num Estado Constitucional.
 
Como já aqui defendi, Passos Coelho julga que poderá ganhar eleições pelo medo, criando um falso dilema entre ou a política que o Governo está a seguir ou o caos. É um erro crasso com implicações negativas para o interesse de Portugal: é que sem confiança dos cidadãos na política, sem motivação não há política de austeridade ou contenção (reparem que o Governo já mudou o léxico!) que possa resultar. Há gente que é teimosa, mas como é tão competente consegue ter êxito; há gente que é muito incompetente, mas como é humilde consegue rectificar os seus erros. Pois bem, Passos Coelho consegue o pior de dois mundos: é teimoso e é incompetente politicamente. Resultado: o desastre nacional em que vivemos
 
Mas outra implicação que importa salientar, com reflexos no funcionamento interno do Governo. Qual? Veremos no próximo texto.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Missão impossivel

Texto de Eduardo Oliveira Silva hoje publicado no  jornal "i"

Ao impor metas inatingíveis, o governo arrisca-se a que o seu fracasso seja ainda mais rotundo

O plano que o governo de Pedro Passos Coelho traçou desde o início é uma tentativa de chegar à quadratura do círculo, que se sabe ser geometricamente impossível.

Ir além da troika para fazer um ajustamento em cerca de dois anos era suicida, uma vez que se baseava numa busca imediata de recursos através de um aumento brutal e insensível de impostos, e não de um corte na despesa. Este foi sendo sucessivamente adiado, pelo menos naquilo que era a sua substância, uma vez que não se puseram verdadeiramente em causa os grandes contratos, os custos redundantes, os fornecimentos de terceiros duvidosos, antes se procurando uma racionalização com sacrifício dos cidadãos comuns.

O fracasso do plano está hoje à vista e não há melhor prova disso que a própria deserção de Vítor Gaspar, cuja política foi um autêntico flop, qualquer que seja o ângulo de que a analisemos.

O grande problema é que o legado que deixou já não permite grandes alternativas a Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, que de economia e finanças públicas pouco ou nada sabem além da produção de sound bites pontuais, ora optimistas ora catastrofistas. E assim sendo vamos confrontar-nos com uma fase ainda mais complicada e sem expectativas de uma verdadeira retoma.

Pelo contrário. Os dados que vão chegando ao conhecimento público apontam que o célebre corte na despesa se faça através do sacrifício, seja diminuindo remunerações, seja eliminando postos de trabalho ou cortando ainda mais nos apoios sociais e nos direitos dos reformados.

Um percurso desta natureza vai fatalmente atirar Portugal para um clima de completa e absoluta depressão, que é bem expressa pelo facto de o fosso que nos separa da Europa se ter agravado 10% desde que entrámos para o euro.

Nas actuais circunstâncias, fica-se entretanto com a sensação, ou melhor, a certeza, de que o governo se precipitou quando fechou a negociação das duas últimas avaliações sem esperar pelos resultados eleitorais das autárquicas.

Foi uma oportunidade perdida, porque o resultado globalmente negativo da coligação poderia ter sido explorado no sentido de impor uma flexibilização do défice, exactamente como a circunstância de existir um Tribunal Constitucional não deve ser diabolizada, mas apresentada como uma realidade incontornável e factor de uma democracia consolidada.

Assim sendo, a tentativa voluntarista a que assistimos de forçar todas as portas para impor uma meta inatingível apenas contribui para que, dentro de alguns meses, o fracasso dos propósitos seja mais evidente, inviabilizando de vez toda e qualquer perspectiva de entendimento com o Partido Socialista sem recurso prévio a legislativas.

A tirania à espreita

Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"

O ataque ao Tribunal Constitucional atingiu aspectos indecorosos. Dos sectores da Direita mais radical e asinina, até à colaboração de articulistas indignos, ou ao silêncio ordenado da maioria da "comunicação social", a execração ultrapassa tudo o que seria previsível. Até a troika, agora, em comunicado tão absurdo como abusivo, alude às decisões do Tribunal, interferindo, gravíssimamente, na estrutura jurídica de um Estado, apesar de tudo ainda soberano e democrático. O dr. Cavaco, ante esta acometida, calou-se de modo abjecto. E o enfadonho Durão Barroso também não se eximiu de admoestar os juízes do Constitucional, com aquela leveza paquidérmica habitual no seu estilo.

Parafraseando um velho amigo meu, Rui Cunha, socialista e homem de bem, não se dera o facto de aquele Tribunal se portar à altura dos legados morais, a ditadura já estaria aí, "reorganizada" em moldes "democráticos" e actualizada pelas circunstâncias europeias.

Há algo de podre e de dissoluto num Governo que estabelece leis e impõe métodos ilegítimos e se apoia numa falsa legalidade do voto. Na realidade, o voto permite ir até certo ponto, e impede que esse ponto seja tripudiado pelos caprichos de um grupo. Neste caso, de um grupo celerado. A partir da altura em que a lei é atolada, a rebelião patriótica torna-se exigência suprema.

Assisti, há dias, entre indignado e colérico, às declarações de Passos Coelho, num fórum de patrões. Foi muito aplaudido, porque se deslocara ao Algarve unicamente para fazer genuflexões de servilismo. O rol de iniquidades que aí vem, entre as quais a diminuição do subsídio de viuvez, torna as leis de Salazar uma piedosa litografia. Pior ainda: o tirano apoiava-se na repressão; este que tal, agora, sustenta-se na falsa "legitimidade" do voto "democrático." Ao patronato foi garantir a intocabilidade dos seus processos e o apoio político aos seus rumos. Aos outros, a nós, caucionou e parafraseou a frase sinistra do banqueiro Ulrich: aguentam, aguentam.

Temos necessidade de que os grandes problemas portugueses sejam estudados e dilucidados por homens que possuam e defendam valores morais partilhados. A partilha desses valores não me parece seja comum, não só entre os governantes como naqueles que se esticam para os substituir. A doença é endémica, e o paradigma que se nos pretende impor simplifica ou rejeita os princípios e os padrões de solidariedade e de compaixão que construíram a Europa do pós-guerra.

A questão central é a de que o capitalismo não tem emenda nem reforma, e de que estamos a ser apanhados por uma pertença de egoísmo e de violência sem paralelo, aliás, na génese do sistema. E quase sem possibilidade de nos defendermos. O desaparecimento da relação social é um projecto imperial de novo tipo, escorado na desagregação do próprio conceito de condição humana. 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Os inimputáveis

Texto de Nuno Ramos de Almeida, Editor-executivo, hoje publicado no jornal "i"

Esta crise demonstrou que Passos Coelho pode fazer o que quiser, violar qualquer lei, perder todas as eleições, que contará sempre com o apoio de Cavaco Silva 

No dia das eleições autárquicas, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, sossegou o governo dizendo que a sua permanência não estava dependente da votação do povo.

Para dizer a verdade, mesmo que o primeiro-ministro fosse apanhado em flagrante a cometer um crime de delito comum (entenda-se com um enquadramento jurídico diferente dos desmandos que pratica habitualmente contra a população portuguesa), só haveria uma certeza: o Presidente Aníbal ia fechar os olhos e garantir-lhe a sua total cumplicidade.

Este clima de impunidade contagiou todo o governo. A ministra de Estado e das Finanças garante nunca ter visto um swap, semanas depois prova- -se que participou em pareceres sobre os ditos na sua prévia actividade profissional. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, pede desculpa ao governo de Angola por investigações da justiça portuguesa e garante que estas não vão dar em nada. Quando a procuradora-geral da República relembra ao governo a independência, consagrada na Constituição da República, do Ministério Público e lhe diz que numa democracia, como em Portugal, há separação de poderes e o governo não determina as investigações judiciais, depressa aparece o primeiro-ministro Passos Coelho a falar de um lapso de linguagem do ministro Machete.

Estes lapsos são recorrentes no titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, os mesmos que o levaram a omitir deliberadamente a qualidade de accionista da SLN e o seu papel no BPN. Ao contrário dos contribuintes, que vão pagar cerca de 8 mil milhões de euros por causa das tropelias e das ilegalidades dos gestores da SLN/BPN, Rui Machete ganhou dinheiro com o BPN e foi presidente do Conselho Superior da SLN Valores. Ele é aliás o símbolo da total irresponsabilidade deste governo. Os papéis da embaixada dos Estados Unidos da América revelados pelo Wikileaks mostravam que os responsáveis da diplomacia de Washington consideravam pelo menos controversa, para ser diplomático, a sua gestão dos dinheiros da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). O embaixador dos EUA escrevia de Machete : "Continua a gastar 46% do seu orçamento de funcionamento nos seus gabinetes luxuosos decorados com peças de arte, pessoal supérfluo, uma frota de BMW com motorista e custos administrativos e de pessoal."

Depois de pedir recentemente desculpas diplomáticas por causa das investigações do Ministério Público português, veio a saber-se que o escritório em que esteve Machete faz a defesa de alguns dos investigados, o que torna as declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros mais graves. Apesar desta verdadeira tempestade, o inquilino de Belém continua mudo em relação ao mundo real e passeia- -se na Suécia a pregar a brilhante recuperação da economia nacional. Em qualquer outra função, isso exigiria um imediato controlo para substâncias alucinogénias. Aqui é motivo de bocejo.

Este clima de impunidade só é possível devido à legitimação que estas práticas recebem dos habituais intelectuais orgânicos e comentadores do regime. Eles querem que seja considerado normal que a lei não seja igual para todos. Defendem que a lei e a Constituição só são para cumprir quando isso for do "interesse geral", definindo os poderosos e os seus propagandistas de turno esse interesse, que se confunde sempre com a defesa das suas manigâncias. Não é de surpreender, portanto, que gente como Teresa de Sousa escreva que os juízes do Tribunal Constitucional "vivem fora do mundo e se acham com o direito de interpretar a Constituição como se nada mais existisse à face da Terra". Qual foi uma das duas palavras que ela não entendeu: "Tribunal" ou "Constitucional"? Como em qualquer parte do mundo, os tribunais constitucionais servem para averiguar se as leis respeitam a Constituição. Só isso. E ninguém pode estar acima da lei.

Nem os mortos escapam

Texto de Eduardo Oliveira Silva hoje publicado no  jornal "i"

Nasceu uma TSU para viúvos, viúvas e órfãos. Antes repor o imposto sucessório
O corte nas pensões de viuvez e de orfandade (genericamente chamadas de sobrevivência, e mal) é um atentado à palavra dada, que, aliás, começou pela imprópria escolha do nome.

Ora essas pensões são legados deixados a quem de direito pelos que partiram para que os que ficam tenham amparo e não percam muita qualidade de vida.

O princípio é esse e ponto final. Tanto faz que a pensão seja de quinhentos como de 5 mil euros. É englobada nos rendimentos sujeitos a IRS. Se é baixa paga pouco; se é alta pode atingir o escalão máximo, cerca de 50%. Nada mais justo. Além disso, as pensões que agora se ataca nunca atingem 100% do vencimento do falecido, antes andam normalmente pelos 60% no caso de viuvez, o que é um valor sensato, podendo ser mais no caso de orfandade.

Com o anunciado novo sistema pode dar-se o caso de um pensionista acumular quatro penalizações: o aumento do IRS, a contribuição extraordinária, a convergência das pensões, e agora isto.
Comparar o caso das pensões deixadas a cônjuges e descendentes com outras, como se está a tentar fazer, é misturar só para criar confusão, porque muitas pequenas pensões devem sair do Orçamento do Estado já que se destinam a quem por vezes nunca fez qualquer desconto. São pensões que vêm do regime assistencialista. As que estão agora em causa resultam de contribuições, ou seja, de dinheiro que foi entregue ao Estado. Entre umas e outras não há comparação. Numas o Estado dá, noutras o Estado paga porque recebeu.

Atacar estas pensões tem o mesmo valor simbólico que proibir as heranças ou taxá-las de forma absurda, como acontecia até há alguns anos. Em rigor, herdar até não é propriamente uma resultante de mérito, pelo que em termos de justiça relativa um imposto sucessório alto não era certamente mais injusto. Mas mexer nisso ia gerar um problema com alguns potentados familiares que são os verdadeiros donos de Portugal.

Do ponto de vista constitucional, é provável que uma medida desta natureza seja uma violação do princípio da confiança, pelo que os juízes do Palácio Ratton têm de se preparar para novo rol de pressões.

A semana passada, quando falou ao país, Paulo Portas não teve a hombridade de falar do assunto, arquivando assim para todo o sempre o discurso democrata-cristão dos defensores da família, dos pensionistas e dos contribuintes.

Foi aliás uma estratégia comunicacional já gasta. Primeiro a medida foi escondida. Depois foi posta na imprensa ao fim-de-semana, mas sem pormenores e pontuada com intervenções de dois ministros, Mota Soares e Poiares Maduro, cada qual mais vago e atabalhoado.

Por estes dias os pormenores são ainda escassos para que quem governa possa dizer que quem fala do assunto não tem os dados todos. Pois não. Mas quem está seriamente na política não pode atirar medidas cá para fora para ver o efeito e preparar o ambiente. E também não é lícito tentar baralhar a opinião pública confundindo isto com pensões escandalosas, como as de algumas castas que recebem desproporcionalmente em relação ao tempo e ao montante dos descontos efectivos, ou contar a história dos caçadores de pensões que casam com idosos para ficar com a pensão. São casos extremos e pontuais que vêm à baila para justificar generalizações.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

E agora, a TSU das viúvas

  Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contr ário" no "Expresso".

Na quinta-feira Paulo Portas explicou que, tirando uns cortes aqui e ali, mais nada de fundamental vinha para massacras os portugueses. E que a TSU dos reformados, sua famosa linha vermelha, tinha ficado definitivamente de lado. Não vinha aí qualquer pacote de austeridade. Como escrevi na altura, era evidente que Portas não estava a contar tudo. 48 horas bastaram para que Portas fosse desmentido e para que as suas linhas vermelhas fossem rebentadas. O governo vai cortar nas pensões de sobrevivência. Em vez da TSU dos reformados temos a TSU das viúvas e dos viúvos. Grande parte delas com idades muitíssimo avançadas. Podia haver mais abjeto do que isto?              

Manda saber o ministro de Portas, Mota Soares, que este corte só acontecerá quando a pensão de sobrevivência, acumulada com a pensão da pessoa que está viva, seja superior a um determinado valor. Ou seja, em vez de se tratar de uma compensação pela perda de rendimento com a morte do cônjuge, esta pensão passa a ser tratada como um complemento para sobreviver. Em vez de uma pensão, é um subsídio. A expressão "sobrevivência" passa a ter um sentido literal, imaginando-se que esta pensão serve para quem fica ainda se aguentar mais ou menos vivo. 

Como Pedro Adão e Silva muito bem explicou ontem na SIC Notícias, a existência da pensão de sobrevivência resulta de uma enorme diferença de rendimentos entre homens e mulheres (que se reflete numa enorme diferença nos valores das suas reformas) que se sente ainda muito fortemente nos atuais reformados. Como a longevidade das mulheres é mais alta, a inexistência destas pensões implicava uma enorme perda de rendimentos para quem tinha acabado de perder o seu cônjuge. Não se trata, por isso, de garantir a mera sobrevivência de quem recebe essa reforma, mas de não obrigar alguém com 80 anos a ter de viver, de um dia para o outro, com metade, um terço ou menos do que vivia até então. 

Para simplificar, dou um exemplo. Os meus avós eram o típico casal de classe média baixa da sua geração. Remediados e sem qualquer luxo, poupados e muito pouco gastadores. Depois do meu avô ter morrido, a minha avó só conseguiu manter o seu nível de vida anterior graças à sua pensão de sobrevivência. Sem ela, teria sido obrigada a passar da classe média baixa para a pobreza completa. Percebem o que é exigir isto a uma pessoa de 75 ou 80 anos? É assim tão difícil perceber a selvajaria desta medida? 

O governo diz que serão protegidas as pensões e reformas mais baixas. Mas é importante percebermos do que estamos a falar. A pensão de sobrevivência média é de 180 euros. Muito poucas são superiores a 500 euros. Não é difícil imaginar até onde tem de ir o governo para conseguir o corte anunciado de 100 milhões de euros com esta medida. Ou seja, as pensões e reformas continuam a ser tratadas como uma esmola e não como um direito à dignidade de quem confiou no Estado. A ideia, no futuro, será esta: quem quiser viver decentemente terá de fazer um PPR com os bancos. O Estado lida apenas com os indigentes. 

Por fim, a medida é, mais uma vez, retroativa. Aplica-se a quem já estava a receber a reforma e não às reformas futuras. Se se confirmar que ela é extensível à Caixa Geral de Aposentações (as notícias têm sido contraditórias), estamos perante o terceiro corte consecutivo nas pensões dos funcionários do Estado. 

Não me venham, por favor, defender esta medida com a conversa sobre da insustentabilidade das contas públicas. Este é o mesmo governo que nos anunciou, há poucos meses, uma redução das taxas de IRC que terá, nos próximos cinco anos, um impacto orçamental acumulado de 1,2 mil milhões de euros. Perdas que têm de ser compensadas. Não defendo impostos altos para as empresas. Mas na política fazem-se escolhas. E, na prática, a escolha tem sido tirar a reformados e trabalhadores para garantir uma redução de um imposto que é tudo menos certo que venha a ter um impacto visível no emprego ou no crescimento económico.

O mesmo estilo, o mesmo rumo

Texto de Tomás Vasques hoje publicado no jornal I-online.

O primeiro-ministro ciranda por aí, como um cata-vento, proferindo um discurso aldrabão, sem nesga de brilho, nem réstia de credibilidade
A conferência de imprensa de Paulo Portas na quinta-feira, as várias intervenções do primeiro-ministro esta semana, e o "caso" Rui Machete, ministro dos Negócios Estrangeiros, dão bem a medida de quem, neste momento difícil, governa o nosso país.

Paulo Portas, na apresentação das conclusões das "avaliações" da troika, conseguiu a proeza de, durante mais de uma hora, não dizer nada de relevante, subestimando, como é hábito, a capacidade dos portugueses verem para além do palavreado vazio que lhe despejam em cima. Nas suas quezílias internas, no interior do governo, o vice--primeiro-ministro conseguiu os seus objectivos: primeiro, demonstrar que o substituto de Miguel Relvas, o ministro Poiares Maduro, que vendeu a alma ao diabo para ser ministro, foi remetido à sua insignificância, como ministro da propaganda, depois de sucessivos desaires, protagonizados pelo seu secretário de Estado Pedro Lomba; segundo, demonstrar que a ministra das Finanças é uma subalterna sua, humilhando-a pessoalmente e desvalorizando o cargo que ocupa, como nunca tinha acontecido num governo, nestes quase quarenta anos de democracia (nem sequer na situação mais próxima, quando Mota Pinto era vice--primeiro-ministro e Hernâni Lopes ministro das Finanças, num governo sob a vigilância do FMI); terceiro, demonstrar que é ele, Paulo Portas, quem manda no governo, colocando à sua esquerda Carlos Moedas, secretário-adjunto do primeiro-ministro, que fez o papel de verbo-de-encher, calado, e a fazer acenos de cabeça em sinal de elogio e concordância com as vacuidades que Paulo Portas ia debitando. Um número de mágica para enchimento do ego pessoal e a ambição política de Paulo Portas, mas caricato, senão mesmo sinistro, para quem espera que os seus governantes lhes falem com frontalidade e verdade.

Por sua vez, o primeiro-ministro ciranda por aí, como um cata-vento, proferindo um discurso aldrabão, sem nesga de brilho, nem réstia de credibilidade, ora ameaçando os portugueses e os juízes do tribunal Constitucional com um novo resgate, ora afirmando que não haverá um novo resgate, ora anunciando que a economia está a recuperar e que "tudo está a correr bem", ora dizendo que a troika não sairá daqui tão cedo. Um discurso patético, troca-tintas, que esconde deliberadamente o essencial: a sua "visão" de que empobrecendo a maioria dos portugueses, fazendo-os viver no limiar da pobreza, sem "esses quiméricos direitos" de protecção no Trabalho, na Saúde ou na Educação, que o "Estado socialista" lhes deu, e que a Constituição lhes reconhece, recuperamos a "confiança dos mercados" e, mais cedo ou mais tarde, seremos felizes.

Um retrato fiel deste governo, do seu modo de estar na política e da sua relação com os cidadãos está corporizada no ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete. Esconde no curriculum o papel que desempenhou no banco BPN/SLN, mente descaradamente - são as palavras certas - sobre a sua posição de accionista no dito banco, inventa informações colhidas junto da Procuradora-Geral da República, ajoelha-se, numa subserviência desmedida, perante o dinheiro de Estados estrangeiros, no caso concreto Angola, pedindo "desculpas diplomáticas" pela investigação da Justiça a crimes económicos. Este governo não se deslustra por ter no seu elenco tal ministro. Portugal é que empobrece e se humilha com este governo.

E tudo isto na semana em que os resultados das eleições autárquicas nos deram um facto estruturalmente relevante: para além dos socialistas alcançarem mais votos do que os dois partidos do governo juntos e do Partido Comunista, pela primeira vez em muitos anos, obter uma subida significativa, sendo o único partido a crescer em número de votos, regista-se o sucesso eleitoral de candidatos dissidentes de partidos, como em Matosinhos e Portalegre. Adivinha-se que, se fossem permitidas listas de independentes à Assembleia da República, o actual regime político-partidário desfazer-se-ia como um castelo de cartas. Aguardemos pelas eleições europeias.

domingo, 6 de outubro de 2013

Somos mesmo masoquistas

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

1- Há um clima de embuste, de perda de vergonha, de mentiras, de desprezo absoluto pelos cidadãos que começa a ser asfixiante. Ainda não se tinha acabado de contar os votos das eleições autárquicas e já o Presidente da República, o vice-primeiro-ministro mais a sua assistente Maria Luís e os senhores da troika vinham colaborar na absurda farsa que o País está a viver.

Que o Presidente da República diga tudo e o seu contrário não constitui propriamente uma novidade. Apelidar de masoquistas todos os economistas da esquerda à direita é lá com ele, dizer que os políticos e analistas também o são vá que não vá. Já afirmar com um ar definitivo que o que disse há nove meses é próprio de um masoquista pode perturbar, convenhamos, a confiança que alguns portugueses ainda têm no Presidente da República.

Que Paulo Portas ande a brincar com o primeiro-ministro dizendo desde Fevereiro que vai apresentar um projecto de reforma do Estado e que Passos Coelho lhe chame a atenção em público por ainda não o ter feito são apenas mais umas das garotices com que os dois nos presenteiam habitualmente. Que o vice-primeiro-ministro venha dizer que faltam três avaliações para retomarmos a nossa soberania financeira, quando sabe perfeitamente que nessa altura, com a economia destruída, vamos estar mais dependentes do que nunca, enfim, é só mais uma mentira. Que diga, sem se rir, que não vai existir outro pacote de austeridade, quando ele sabe melhor do que ninguém que um gigantesco pacote que vai ser concretizado no próximo orçamento já foi apresentado dia 3 de Maio, é um teste à nossa paciência. Que ele, a troika, Passos Coelho, Banco de Portugal e qualquer português que saiba somar dois mais dois tenham a certeza de que o limite de quatro por cento de défice para 2014 não vai ser atingido e que vai ser negociado lá para Março e renegociado em Maio e voltar a ser negociado em Setembro, mas prefiram fingir que estão a falar a sério, já estamos habituados. Afinal, é isso que tem acontecido nos últimos anos.

Agora que nos venham dizer que o plano está a correr bem, já é de mais. A não ser que o jogo seja uma espécie de "perdes ganhas". Estão as contas públicas em ordem? Está o endividamento mais baixo? O desemprego desceu? O salvífico regresso aos mercados de dia 23 de Setembro terá acontecido sem que tenhamos dado conta? A reforma do Estado está em marcha?

Mas que raio mede a troika? A capacidade de Portas conseguir falar sem dizer nada durante duas horas ? A falta de vergonha que permite a um país civilizado continuar a ter Rui Machete no Governo apesar de todas as mentiras, faltas de memória e sugestões feitas no estrangeiro de que em Portugal não há uma efectiva separação de poderes?

A troika não quer assumir que o seu plano foi um falhanço completo e prefere continuar a destruir um país a ter de arrepiar caminho. Talvez seja mau para o currículo dos arquitectos do plano admitir que não resultou. Talvez dizendo muitas vezes que o plano está a resultar os mercados acreditem e resolvam baixar as taxas. Talvez não queiram embaraçar o primeiro-ministro que achava o plano tão bom, tão bom que o levaria sempre a cabo e até iria para além dele.

A troika pode querer tudo. Não pode é criticar o nosso Tribunal Constitucional, não pode ameaçar uma instituição fundamental da nossa democracia. E foi o que fez numa carta que em qualquer país que se desse ao respeito produziria uma unânime condenação, um gigantesco coro de indignação. O Governo, o Presidente da Republica, podem concordar com tudo. Ajudar a atirar toda a gente para o desemprego, fazer falir tudo o que é empresa, enviar os portugueses todos para o estrangeiro, atrasar o País quarenta anos. O que os nossos representantes não podem consentir, com o que não podem pactuar é com a interferência nos nossos mais sagrados direitos de soberania, com a nossa independência. O que está em causa é muito mais do que uma opção política ou económica: é a dignidade de uma comunidade inteira, as suas instituições mais relevantes.

O que a troika fez foi humilhar um povo e um dos pilares da democracia. Um Governo e um Presidente que consintam humilhações destas não merecem representar os portugueses. Um povo que não se sinta insultado com esta vergonha só pode ser portador do terrível vírus da apatia. Ou, se calhar, Cavaco Silva tem razão: somos um bando de masoquistas.

2- Ontem, pela primeira vez em muito tempo, o dia da implantação da República não foi feriado. Uma comunidade que não celebra a sua memória colectiva, que não comemora os seus valores fundamentais, definha. É uma comunidade condenada.