Os jornais são hoje pródigos em textos de opinião sobre Passos Coelho e destruição do País.
Não desistir do país!
Carvalho da Silva no Jornal de Noticias
" O grande desafio que se coloca hoje à esmagadora maioria dos portugueses é mesmo o de não desistir do país. Os nossos governantes - Governo, presidente da República e não só -, há muito abandonaram o povo, os seus direitos e interesses, e se entregaram ao triste exercício de serventuários do "governo externo".
Não desistir do país significa, para cada português e portuguesa, tomar consciência da dura realidade em que vivemos e das causas que lhe deram origem; não desistir do combate às injustiças; afirmar o direito a viver com dignidade no seu país; lutar por um projeto de desenvolvimento e uma governação que sirvam os interesses coletivos; exigir o respeito pela soberania da sua pátria e pelos valores da democracia.
Estamos perante um difícil combate. Em resultado da destruição de emprego, da diminuição dos rendimentos, da eliminação da proteção social, dos cortes na educação e na saúde, das brutais políticas fiscais, do acelerado empobrecimento, todos os dias aumentam os riscos nas nossas vidas, crescem os medos, as inseguranças, as instabilidades. Mas, se a desistência se generalizar o país será condenado a um longo retrocesso, comprometendo o futuro de gerações.
De forma criminosa os jovens vêm sendo convidados a emigrar, a perder a esperança de viver uma vida que valha a pena no país que é seu. A eles dizemos não se submetam a essa brutalidade, rebelem-se, mandem "emigrar" os governantes que vos querem tolher o futuro. Afrontem os que procuram parasitar a vossa mocidade. O vosso gesto pode ser decisivo nestes tempos tão delicados que vivemos.
Mas a batalha não diz respeito apenas à juventude. Na semana passada fui contactado por três amigos, prestigiados professores universitários, que me informaram da sua decisão de emigrar para o Brasil. Um deles parte com a perspetiva de por lá ficar, os outros com a intenção de cumprir projetos de um ano e depois logo decidirão. São opções tomadas com dor, mas que para estes cidadãos se tornaram inevitáveis face à falta de perspetivas nas suas carreiras e às dificuldades que familiares enfrentam. Os professores e investigadores deste país não podem submeter-se a estes destinos sem antes travarem forte luta pelos seus direitos e pelo papel que devem desempenhar no desenvolvimento do seu país.
As dezenas de milhar de homens e mulheres, grande parte jovens e qualificados, que o Governo quer despedir na Administração Pública, reduzindo para metade os contratados a termo, veem o seu futuro em causa, mas não podem desistir. Há que resistir e ajudar a despedir o Governo, exigindo ao que lhe suceder políticas de defesa do emprego e uma estrutura da Administração que garanta o Estado Social a que todos temos direito.
Na passada quarta-feira, em Viana do Castelo, uma senhora dizia-me que trabalhou duramente com o seu marido em França, tendo regressado há alguns anos com alegria e esperança, com os seus cinco filhos. Hoje três deles estão no desemprego, os seus rendimentos baixaram drasticamente enquanto se agravaram os problemas de saúde. Desesperada, perguntava-me o que fazer? Digo, os "desesperados" não se podem deixar isolar no seu sofrimento individual. É preciso que venham ao combate, engrossando a construção de um ato soberano de desobediência aos espartilhos e às violências que nos vêm sendo impostos.
Os milhares e milhares de empresários que estão encostados à parede em resultado da destruição do mercado interno, da ausência de políticas financeiras e fiscais que lhes permitam incrementar atividades indispensáveis ao desenvolvimento da sociedade, não podem continuar a isolar-se. Têm de vir ao combate, fazer alianças com outros setores da sociedade com quem partilham interesses e objetivos; têm de ajudar à construção de políticas e de governações alternativas. Há uma atitude patriótica que se impõe no atual contexto.
Como expressou Max Weber, "o ser humano não teria avançado o possível se, repetidas vezes, não tivesse tentado o impossível".
Não permitamos que se volte ao tempo em que grande parte dos portugueses tinha de perguntar "ao vento que passa notícias do meu país". "
O freio nos dentes
João Marcelino no Diário de Noticias
"1. O Governo tomou o freio fiscal nos dentes. Corre à desfilada. Cá dentro, suscita medo e revolta. E, curiosamente, vindo de fora ouve Durão Barroso afirmar que as políticas nacionais são da responsabilidade dos respetivos governos e Christine Lagarde aconselhar mais dois anos para o ajustamento orçamental português.
Nada que impressione quem se julga imbuído da divina missão de salvar o País, custe o que custar. Doa a quem doer. Acredite quem acreditar. Resista a economia o que resistir. Sofram as pessoas o que sofrerem.
O Governo com este orçamento fiscal está a ir perigosamente longe de mais. Divorcia-se do País e delapida definitivamente o consenso social que nos permitiu percorrer com conformismo os últimos meses.
Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar estão a colocar Portugal à beira de uma revolta social. Podem julgar que isso é coragem e determinismo histórico. Mas não. É apenas autismo e insensibilidade social.
2. Convém relembrar: há um ano havia um amplo consenso na sociedade nacional. O PS, envergonhado, tinha acertado os termos do resgate financeiro. Os portugueses que acreditam na União Europeia e no euro (ou seja, neste projeto político e social que ontem recebeu a bênção do Nobel da Paz num momento particularmente dramático da sua construção) estavam conscientes das dificuldades. Porque são sérios, queriam - e querem - pagar as dívidas. Sabiam que havia que encolher orçamentalmente, apertar o cinto para pagar anos de descontrolo do Estado e roubos como o BPN. Entregaram-se, pois, conscientemente a um período necessariamente longo de austeridade. Partidos, parceiros sociais, patrões e trabalhadores (com a CGTP, o PCP e o BE sempre de fora, como é hábito) comungavam todos a mesma visão de um país honrado.
O governo delapidou este consenso com aquilo que agora se sabe e durante muito tempo se tentou esconder ou subestimar: uma execução orçamental catastrófica. Passos Coelho incumpriu em duas vertentes, indo muito além nos impostos e falhando nos cortes daquilo que - dizia antes - tinha identificado como sendo as famosas "gorduras do Estado".
O desespero, mau conselheiro, por um lado e a troika, desiludida, por outro, desaguaram na TSU e iam voltando a parir outra genialidade: o IMI "à la carte".
3. No final ficou este Orçamento do Estado que tresanda a injustiça, descobriu ainda mais ricos num País cada vez mais pobre, vai aumentar a evasão fiscal, estimular a economia paralela, e vaticina uma espiral inflacionista que agravará a doença que se pretendia curar: o défice e a dívida.
O Governo tem ainda maioria no Parlamento (fragilizada, pronta a apunhalar-se mutuamente) e goza de uma legitimidade formal mas já está em desagregação. Boa parte do PSD e do CDS demarca-se todos os dias deste caminho de austeridade sem sentido que vai matar a frágil economia que temos, e que estava baseada no mercado interno agora arrasado.
Portugal está à beira de uma gravíssima crise social que mete tanto medo aos eleitos do Estado e demais políticos que estes já não têm vergonha de fazer comemorações à porta fechada enquanto se vão pondo de acordo nos caminhos a seguir no pós-Coelhismo.
Já só os fanáticos acreditam. Portugal vai estar a ferro e fogo socialmente e as consequências são imprevisíveis neste momento, colocando enormes problemas às forças de segurança. Não é alarmismo, é a realidade. Não há no Governo quem perceba isto?"
Da impreparação...
Filomena Martins no Diário de Noticias
"Do rol das já habituais promessas eleitorais por cumprir em que qualquer Governo é exímio, há uma em que Passos Coelho ultrapassou todos os limites: a que garantia que o PSD estava preparado para governar e sabia qual era a real situação do País. Não estava e não sabia. Melhor: não está e não sabe. Mesmo descontando os buracos escondidos entre a Madeira, a área da saúde e algumas autarquias, ou as consequências da crise europeia, está mais do que provado que não existia um caminho claramente traçado com base em números e factos e muito menos pessoas identificadas e capazes para o executar. Não havia ministros sombra preparados para assumir pastas essenciais. Não havia nada. Foi tudo feito em cima do joelho e agora, na feliz expressão de Belmiro de Azevedo - uma voz sempre insuspeita, tanto mais que saiu da sua habitual posição neutral para apoiar o atual PM -, navega-se à bolina. Vai-se andando e recuando ao sabor dos acontecimentos. Da cartola de Gaspar aparecem e desaparecem por magia não coelhos mas medidas avulsas, da genial TSU ao IMI, que têm objetivos e resultados que depois já não servem para nada. O País sofre assim de dupla experimentação, como se estivesse à mercê de dois cientistas loucos. Por um lado, aplica as ideias falíveis que a Europa vai inventando para acudir aos países periféricos e se safar a si própria da desagregação económica. Por outro, testa ainda novas equações e acrescenta ingredientes inspirados sabe-se lá por quê, por quem e com que intenção. O resultado, como se está a ver, além de absolutamente ineficaz é explosivo. Só que neste caso a criatura há de não só matar o criador como deixar à volta tudo moribundo. E só com direito a metade do subsídio de ajuda para o funeral.
... à desorientação...
Quando o ministro das Finanças de um país fica desacreditado, é grave. Quando isso acontece ao ministro de um país como Portugal, que vive uma das maiores crises de sempre e cujas soluções e medidas passam por esse ministro, é trágico. O anúncio do nome de Vítor Gaspar como o tecnocrata escolhido para a pasta - alegadamente depois das recusas de Vítor Bento e Eduardo Catroga - convenceu pelo domínio dos números, as relações junto das instâncias europeias e o discurso lento e seguro. Apenas quinze meses depois, o ministro está cercado. Errou todos os números - os do défice, do desemprego e das receitas fiscais. Inventou as mais inábeis medidas sociais e políticas - a TSU e o IMI. Foi obrigado a recuos colossais - e a desistir em vez de modelar e mitigar. Há números, como os das dispensas dos contratados do Estado, avançados num dia por um gabinete e desmentidos no dia seguinte por outro. Há versões contraditórias sobre a proposta de Orçamento. Há uma desorientação absoluta no Governo. Ainda gostava de pensar que todo este estardalhaço, mesmo deixando o País à beira de um ataque de nervos, tinha sido pensado, que a intenção era agora fazer que uma leve suavização gerasse um enorme suspiro de alívio. Mas não creio. Nem acredito que queiram tramar politicamente o ministro. Mas Vítor Gaspar chegou a tal ponto que foi possível a Miguel Relvas renascer das cinzas e reaparecer nas tribunas. E tornar-se tão remodelável quanto este.
... até à falta de alternativa
Mas há alternativa? Nem Mário Soares já acredita nisso. E não é para menos. Se existissem eleições proximamente, algum dos partidos estaria preparado para ser Governo? O PCP não o quer, nunca o quis; o Bloco talvez possa começar a querer, mas dificilmente o conseguirá senão em coligação, e aí a conversa é outra; e do PS, a habitual alternância de poder, não se conhece quem esteja a estudar o que existe e o que fazer. Aliás, o que há é revelador. Temos o rol enorme de medidas que António José Seguro elenca mas não especifica, como se a quantidade bastasse. Temos essa inovadora proposta para a redução de deputados, como se tal nunca tivesse sido discutido e fosse a prioridade do momento. Temos um grupo parlamentar a decidir comprar novos automóveis na mesma altura em que o Governo apresenta o mais duro Orçamento de sempre e alegar que isso são custos da democracia. E até temos a promessa de voltar a ter o feriado do 5 de Outubro. Mas quem seria o ministro das Finanças socialista? E o da Economia? E qual é o projeto governamental do PS? Nada. Tal como Passos, se e quando esse momento chegar, Seguro fechará um qualquer notável do partido por umas semanas e encomendar-lhe-á o programa eleitoral e o governamental. Depois fará uns telefonemas até encontrar quem queira assumir as pastas mais importantes. E a história repetir-se-á : o PS surgirá tão ou mais dividido como o PSD está agora e ao sabor das ambições de António Costa na altura; e os Eduardos Catrogas, Ângelos Correias ou Motas Amarais socialistas criticarão Seguro por não ter estudado tanto como devia o estado do País e dirão que só um golpe de rins lhe permitirá cumprir a legislatura ou outras coisas que tais. Todos voltaremos então a perguntar: o País não tem bons governantes, bons políticos, bons administradores? Tem, claro que tem. O problema é que tem também muitos muito maus. Impreparados. E costumam ser esses que nos governam."*
* Artigo Parcial
Pobre social-democracia!
Manuel Tavares no Jornal de Noticias
" A social-democracia que ajudou a fundar o modelo social europeu e a garantir o seu sucesso através da efetiva redistribuição da riqueza produzida deixou de ser salvaguarda de ética contra o capitalismo selvagem? Contra os mercados negros? Contra as máfias organizadas que fogem aos impostos e falseiam o valor do próprio dinheiro?
Estas perguntas teriam óbvias respostas até aqui, apesar da austeridade ter vindo a ser aplicada forçando o embaratecimento do trabalho até termos socialmente intoleráveis, como no ensaio para modificar a taxa social única no sentido de ir buscar ao bolso dos trabalhadores o bónus a dar aos patrões.
Ontem, porém, o PSD, ou parte do PSD que acredita na bondade e fiabilidade do Excel do ministro das Finanças, deixou de poder dar a óbvia resposta às dúvidas sobre os termos da austeridade que nos está a impor: estamos em estado de emergência.
Porque em qualquer estado, de emergência ou não, os políticos sociais-democratas não podem deixar de honrar o seu compromisso com o modelo redistributivo que obriga os mais ricos a pagarem pelos mais pobres. O que não está assegurado pelos novos escalões de IRS e os aumentos que lhes estão associados.
Nesta edição do JN apresentamos algumas simulações que não carecem de adjetivação e mostram claramente como vai ser acelerado o processo de embaratecimento do trabalho e de empobrecimento das famílias de rendimentos mais fracos.
Um casal, dois titulares, ganhando cada um 820 euros por mês e tendo dois filhos, que pagou 694 euros de IRS em 2012, vai pagar 1431 euros em 2013. Ou seja: um aumento de 106 por cento.
Casal idêntico, mas auferindo cada titular um salário de dois mil euros, terá um aumento de IRS apenas de 26 por cento: de 10 120 para 12 712 euros.
Um casal de pensionistas, dois titulares, sem dependentes, dispondo cada de um rendimento mensal de 1200 euros, irá pagar em 2013 4639 euros, ou seja, mais 86 por cento que os 2496 euros que pagou em 2012.
Casal idêntico, mas dispondo cada de um rendimento mensal de 1400 euros, terá um aumento menor: pagará, em 2013, 5924 euros, 61 por cento acima dos 3672 euros que pagou em 2012.
Não, isto já não é só consequência inelutável da situação de emergência. É a tentativa ideológica de criar um exército de trabalhadores baratos. Muito baratos.
Mas enganam-se os mentores deste plano: quando tiverem trabalho escravo, deixarão de ter empresas competitivas segundo os critérios europeus. E ficarão na história do nosso capitalismo como uns estranhíssimos seres que quiseram inventar a riqueza a partir do empobrecimento. "