Texto de Nuno Saraiva publicado no Diário de Noticias
"Em 1999, salvo
erro, Paulo Portas - então "Paulinho das Feiras" - recitava à exaustão
uma ladainha de campanha eleitoral que era, no fundo, a sua cartilha
contra "o esbulho" fiscal com que o Ministério das Finanças de então
massacrava os contribuintes. Rezava mais ou menos assim: "Se bebo um
café, pago IVA; se trabalho, pago IRS; se tenho uma empresa, pago IRC;
se compro um carro, pago imposto automóvel; se fumo um cigarro, pago
imposto sobre o tabaco; se morro, pago imposto sucessório, a mais
criminosa das taxas, em que o Estado, depois de nos tirar tudo o que
pode em vida, vem buscar o resto depois da morte..." E seguia por aí
adiante.
Treze anos passados, o CDS - que à época era PP - entra
para a história como cúmplice do maior assalto fiscal de que há memória
na história recente de Portugal. E, Paulo Portas, queira ou não, será
recordado como um dos principais rostos do "esbulho"e do "bombardeamento
fiscal" praticados pelo atual Governo.
O mesmo Paulo Portas que,
bruscamente no verão passado, escreveu uma carta aos militantes do seu
partido garantindo que não autorizaria mais aumentos de impostos porque o
País atingiu "o limite" em matéria fiscal. O mesmo Paulo Portas que, na
última campanha eleitoral, se assumia como uma espécie de provedor do
contribuinte que recusaria qualquer agravamento fiscal.
Em suma, o
mesmo Paulo Portas que jurara a pés juntos que só iria para o Governo
caso tivesse força. Ora o que o novo pacote de austeridade, melhor dito,
brutalidade, veio demonstrar foi a inutilidade deste CDS. A sua
incapacidade e falta de força para influenciar ou condicionar a
governação.
Dito isto, aqueles que pensavam que as notícias do
fim da coligação PSD-CDS eram manifestamente exageradas, enganaram--se. O
casamento de conveniên- cia chegou ao fim e os dois partidos, como
disse Miguel Sousa Tavares, limitam-se agora a dormir em quartos
separados até que o divórcio seja consumado.
Quinta-feira, na
Assembleia da República, findo o debate das moções de censura, Paulo
Portas voltou a vestir o fato de líder da oposição ao Governo de que faz
parte, e demarcou-se do "enorme" aumento de impostos anunciado na
véspera por Vítor Gaspar. E, ficou a saber-se no dia seguinte, o CDS
prepara uma "bateria de alterações" ao Orçamento do Estado - como se,
estando no Governo, não fosse corresponsável pela elaboração do
documento original - e equaciona mesmo a possibilidade de abandonar o
barco.
Como se percebe, continuamos em ambiente de crise
política. E Cavaco Silva, ao fazer questão de recordar os poderes
presidenciais como "moderador em caso de conflitos" institucionais,
mostrou estar consciente de que a rutura está iminente. O mesmo
Presidente da República que, no discurso do 5 de Outubro, fez questão de
ignorar o "melhor povo do mundo" que desespera por uma palavra de
esperança. O mesmo Presidente da República que, por muito menos do que
isto - por ventura terá mudado de opinião -, denunciou que "há limites
para os sacrifícios que se podem pedir ao comum dos cidadãos". Enfim, o
mesmo Presidente da República que hasteou a bandeira nacional de pernas
para o ar, na metáfora perfeita de um País em sobressalto que não
vislumbra o limite para os sacrifícios que podem ser-lhe pedidos, por
uma coligação que agoniza ligada ao ventilador, e com políticos que
fogem e se escondem do povo.
É evidente que a consolidação
orçamental tem de ser feita. As nossas dívidas têm de ser pagas. Os
nossos compromissos têm de ser honrados. Por ventura, a austeridade é
inevitável. Mas por que carga de água não nos disseram tudo? Porque
diabo nos prometeram, há pouco mais de um ano, que as medidas que
estavam em execução eram suficientes? Por que que raio não nos contaram
que o objetivo era empobrecer, matar a classe média e liquidar a
economia? Por que razão nos querem agora sacar seis vezes mais do que é
oficialmente necessário, alcandorando os remediados à categoria de
ricos? Porquê?
Como diz o povo, seguramente o melhor do mundo, pela boca morre o peixe."
sábado, 6 de outubro de 2012
Pela boca morre o peixe
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