Texto de Paulo Ferreira hoje publicado no "Jornal de Noticias"
"A expressão usada pelos especialistas para retratar o galopante
avanço do número de pessoas que vivem no limiar da dignidade, ou já
abaixo dele, chega a doer. Chamam-lhe "democratização da pobreza",
querendo com isso significar que a quantidade de portugueses em processo
de empobrecimento é assustadora. Já não contam as qualificações, o
facto de se ter habitação própria ou acesso a outros níveis de conforto.
"O pobre já não é o grupo social que gozava de má imagem e a quem todos
os pecados eram atribuídos", diz ao JN Ana Cardoso, do Centro de
Estudos para a Intervenção Social.
Quer dizer: a crescente
austeridade, cria, dia após dia, novos pobres. Pelas contas de Jardim
Moreira, presidente da Rede Europeia Antipobreza, serão já 3 milhões os
pobres em Portugal. Trata-se de uma enormidade que nos interpela a
todos, na exata medida em que nenhum país se constrói desrespeitando
desta forma os mais elementares direitos humanos.
O fenómeno é
grave e tende a crescer. Há dois anos, apenas há dois anos, José
Sócrates, ufano como quase sempre, apontava a redução do número de
pobres (de 2 milhões para 1,8 milhões) como um indicador do sucesso do
seu Governo. Dois anos depois, apenas dois anos depois, estamos
confrontados com este descalabro, que obviamente mina a base social de
qualquer país, que destrói vidas atrás de vidas, que desfaz elos de
solidariedade, porque os tempos de agrura e amargura são sempre fonte de
individualismo: as necessidades dos outros, por mais básicas que sejam,
passam a estar (mais) longe das preocupações de quem, primeiro, quer
garantir a sua própria sobrevivência.
Chegámos já ao ponto mais
alto deste fenómeno? Longe disso. Mais de um terço dos nossos
concidadãos vivem na pobreza, mas, mostram os números do Instituto
Nacional de Estatística relativos ao ano passado, 42,5% (quase 5 milhões
de pessoas!) estariam lá perto se não beneficiassem das transferências
do Estado.
Ora, transferências do Estado há, hoje, cada vez menos e
haverá, no futuro, cada vez menos. Os apoios sociais têm sido
sacrificados em nome do défice, o peso brutal do desemprego faz tremer a
balança da Segurança Social, a capacidade de o Estado acudir aos mais
necessitados recua cada vez que é preciso fazer contas de subtrair para
amealhar mais uns milhões de euros. Ou seja: as transferências do Estado
deixarão de ser, muito em breve, a almofada de muita gente necessitada.
Acresce
que, ultrapassada a barreira da fadiga tributária, para citar Adriano
Moreira, o Estado atacará, de seguida, nas funções sociais que presta.
Está a chegar o tempo em que seremos chamados a pagar mais pelos
cuidados de saúde e pela educação dos nossos filhos. A pobreza caminha
para a total "democratização". Vale o mesmo dizer: o país caminha,
perigosamente, para o caos."
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
A democratização da pobreza
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