Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diário Económico"
"Nos dias que correm não faltam
adjectivos para qualificar este Governo: incompetente, inábil, volúvel,
etc. Eles são inteiramente justificados.
Mas há um adjectivo em particular que qualifica o Governo em
termos ideológicos e que é usado de forma confusa. Assim, alguns
comentadores acusam este Governo de ser neoliberal. Outros, pelo
contrário, dizem que tal acusação não faz qualquer sentido porque não
pode ser neoliberal um Governo que faz um "enorme aumento de impostos".
Quem tem razão?
O neoliberalismo é hoje entendido como um pacote político-ideológico
que engloba uma multiplicidade de aspectos, mas formando um todo
coerente: abertura dos mercados, privatização e desregulamentação,
redução do papel do Estado e da despesa pública, descida dos impostos,
desmantelamento do Estado social com a diminuição dos apoios e o fim da
sua universalidade, e flexibilização - sem segurança - do mercado de
trabalho. Em termos mais gerais, o pacote neoliberal inclui também uma
subordinação do "político" ao "económico" e a tentativa de retirada dos
temas acima referidos da agenda democrática, passando a considerá-los
questões técnicas - em relação às quais "não há alternativa" - e já não
temas susceptíveis de uma opção política em democracia.
Muito haveria para dizer sobre a origem deste pacote ideológico: a
criação da Mont Pèlerin Society, alguns aspectos do pensamento de Hayek e
Friedman, as experiências políticas do tatcherismo e do reaganismo e a
adopção desta visão ideológica não só por partidos políticos e
instituições da economia global, mas também pelo próprio ensino da
Economia, hoje em dia quase totalmente expurgado da dimensão reflexiva e
crítica da Economia Política.
Assim, quando se diz que este Governo não pode ser neoliberal porque
fez um "enorme aumento de impostos" esquece-se que ele o fez a
contragosto - ou melhor, por incompetência, inabilidade, volubilidade - e
que, além do mais, esse é apenas um dos elementos do neoliberalismo.
Todos os outros aspectos acima referidos estão presentes na agenda do
Governo: a subalternização da democracia, a ideia de que nunca há
alternativa, a precarização dos vínculos laborais, a redução dos apoios
sociais e da sua universalidade, os cortes cegos na despesa, as
privatizações a todo o custo, a ausência de política económica, etc.
Foi precisamente por ter, à partida, um projecto neoliberal que este
Governo pôde dizer que o programa da ‘troika', que tem também esse
pendor, era "o seu programa", não apenas uma necessidade contingente, e
que quereria, como tem feito, ir para além dele. Alguns dirão: "pois é,
mas, na nossa situação, não temos alternativa". Isso significa que estão
a pensar dentro do mesmo paradigma neoliberal."
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
O Governo é neoliberal?
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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