Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias
"Ironia do
destino: na mesma semana em que o Governo entregou no Parlamento o
Orçamento que corporiza a sua estratégia de "empobrecer para crescer",
comemorou-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Tenha a
efeméride servido para avivar a consciência de que o País que o Governo
quer empobrecer é um país pobre e desigual; e que o resultado da
estratégia do Governo é torna-lo mais pobre e mais desigual.
Se,
em 2010, quase metade da população portuguesa vivia no limiar da pobreza
e um quinto (cerca de dois milhões de pessoas) era declaradamente
pobre, todos os estudos apontam para a subida rápida para três milhões
de pobres nos próximos meses. Três milhões de pessoas a quem os gurus da
austeridade, como retribuição honrada e dedicada do investimento que o
País fez na sua educação, dizem que viveram acima das suas
possibilidades. Um terço do País. E as contas, como as do FMI e as do
Governo, podem estar mal feitas: a essas cifras não vai o rendimento
disponível mensal das famílias depois de pagos os créditos bancários -
fosse a estatística calculada com esse cuidado e o número de pessoas com
menos de 500 euros por mês seria ainda muito maior.
É um país
assim, com uma mancha de pobreza que alastra como uma mancha de óleo -
incorporando cada vez mais gente com habilitações escolares elevadas,
percurso profissional qualificado e trajetórias de vida consolidadas, é
um país assim que o Governo acha que tem de empobrecer. E para cumprir
esse objetivo letal, o Orçamento agora apresentado ataca em três
frentes. A primeira é a das prestações sociais. Entre 1993 e 2009, a
proporção do rendimento auferido pelos 5% mais pobres da população teve
um aumento assinalável. Mas todo esse aumento ficou a dever-se não a uma
mais justa política de salários, mas, sim, a transferências diretas do
Orçamento através de prestações como o rendimento social de inserção, o
subsídio social de desemprego ou o complemento social para idosos. Não
tivessem sido essas prestações e os números da pobreza em Portugal
seriam já hoje muito mais arrasadores. Ora a radical mudança imposta por
este Governo em matéria de prestações e políticas sociais, substituindo
os princípios da universalidade e da titularidade por uma orientação
sociocaritativa que desonera o Estado da responsabilidade pelo
equilíbrio e pela coesão sociais e que opera cortes brutais nos
montantes destas prestações, está a ter como consequência um agravamento
dramático da intensidade da experiência de pobreza dos mais pobres em
Portugal.
A segunda fonte de agravamento da pobreza neste
Orçamento é a da agressão aos salários. No período referido (1993-2009),
as desigualdades salariais em Portugal aumentaram por força dos
aumentos brutais dos salários e prémios das chefias empresariais. Em
2009, os 10% de portugueses mais pobres tinham um salário médio de 458
euros, enquanto os 10% mais ricos recebiam em média sete vezes mais. A
principal causa da pobreza é esta lógica salarial, que para aumentar
muito uns poucos mantém muitos com pouco demais.
Por fim, o
terceiro suporte orçamental da estratégia de empobrecimento é a política
fiscal. Um Orçamento cujo enorme aumento de impostos se repercute
proporcionalmente mais em quem recebe 800 euros do que em quem recebe
dez mil euros é obviamente um instrumento de agravamento deliberado das
desigualdades e de geração de pobreza.
Três milhões de pobres. Um
milhão e meio de desempregados, mais de metade dos quais sem qualquer
apoio social. Um Governo que olha para esta realidade e decide que a
melhor estratégia é empobrecer não passava de certeza no exame do
primeiro ano de qualquer curso de bom senso e de dignidade."
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Empobrecer os pobres
Etiquetas:
governo,
passos coelho
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário