terça-feira, 26 de março de 2013
Reviravolta
O que haverá entre Miguel Relvas e Passos Coelho (e Seguro)? Um mistério da política portuguesa
Texto de João Lemos Esteves hoje publicado na edição online do "Expresso".
terça-feira, 19 de março de 2013
Abolição das PPP
Texto de Paulo Morais, Professor universitário, hoje publicado no Correio da Manhã
"Os contratos das parcerias público-privadas (PPP) com que o Estado se comprometeu transformaram os cidadãos em servos vitalícios de alguns grupos económicos, ou seja, em escravos.
As PPP representam um compromisso anual de vários milhares de milhões de euros, um verdadeiro cancro para as finanças públicas da atual e das próximas gerações. Em primeiro lugar, geram para os concessionários, em particular das PPP rodoviárias, rentabilidades anuais obscenas, da ordem dos 17%, ou até mais. O rendimento é garantido. Cada troço de autoestrada obriga o Estado a um pagamento diário… independentemente de lá passar um único carro. Por outro lado, o Estado ainda paga prémios pela diminuição da sinistralidade, que representam largos milhões para cada autoestrada. É certo que também há penalização pelo acréscimo de acidentes, mas as multas são incomparavelmente mais baixas do que os prémios, pelo que os privados ficam (como sempre) beneficiados. Favorecidos numa relação de um para cem ou até mais! Por último, os governos têm negociado, ao longo de anos, ruinosos acordos de "reposição de reequilíbrio financeiro". Já no início do século, na Ponte Vasco da Gama, a primeira das PPP, o Estado atribuía uma verba de 42 milhões de euros à Lusoponte, para a compensar por um aumento de taxas de juro, mas nunca a concessionária pagou quando as taxas diminuíam. Estas práticas reiteradas transferiram milhares de milhões para os concessionários. Em 2011, só nas PPP rodoviárias, para despesas correntes de cerca de oitocentos milhões de euros, os pedidos de reequilíbrio financeiro foram de… novecentos milhões. Só há agora uma forma de nos libertarmos deste jugo: abolir o negócio das PPP. Pela via da renegociação dos contratos, reconversão do modelo em concessão ou, pura e simplesmente, expropriação dos equipamentos e infraestruturas. E sem sequer consagrar direitos adquiridos aos concessionários. Em primeiro lugar, porque os contratos são leoninos, os direitos foram obtidos ilegitimamente. Mas sobretudo porque quando se libertam servos, como quando se procedeu à abolição da escravatura, não se podem, nem devem, manter intactos os direitos dos esclavagistas. "
domingo, 17 de março de 2013
Uma colossal crise política
"Restasse um pingo de bom senso, sobrasse uma réstia de vergonha, tivesse ainda o mínimo de respeito pelos cidadãos e Vítor Gaspar não hesitaria um segundo: após a conferência de imprensa de sexta-feira, dirigia-se a São Bento e entregaria a sua carta de demissão ao primeiro-ministro.
Por esta altura, não há português que desconheça a dimensão da incompetência do ministro das Finanças. E não era preciso mais aquela conferência de imprensa: a lista dos erros, das fantasias, dos mais patéticos disparates não cabe neste jornal. Ninguém desconhece a evidente incapacidade do ministro.
No ano passado, foram três orçamentos rectificativos e previsões completamente ao lado. Este ano, em três meses, já se corrigiram todas as previsões duas vezes, quando não havia uma alma que soubesse somar que já não soubesse que os números orçamentados eram absolutamente irreais.
Mas os truques de fraco artista de Gaspar chegam a ofender: há um mês, dizia-nos que a recessão ia passar de 1% para 2%, mais um ponto, perceberam? Pois, o dobro (claro está que anteontem disse que vai ser 2,3% e, como é claro, daqui a umas semanas este número vai piorar) . Sexta-feira, não contente com o cenário que estava a descrever, resolveu voltar a querer aldrabar. Afinal não há um número para o défice para 2012, há três. Quem quiser que escolha o seu. Temos 4,9%, 6% e 6,6%. Pronto, é mesmo 6,6% (alguém se recorda dos insultos aos "profetas da desgraça" que diziam que o número seria aproximadamente deste valor?), mas se mexermos na folha de cálculo e dermos uma pancadinha no computador podemos até ter outros números.
Pensávamos nós que no mundo dos superempreendedores, da gente pouco piegas, dos autênticos novos homens deste extraordinário novo mundo houvesse um bocadinho de exigência, um bocadinho de responsabilidade. Ou seja, não houvesse lugar para incompetentes, não houvesse lugar para quem falha de forma tão clamorosa. O facto é que Gaspar como director financeiro duma PME não durava dois meses.
Mas, convenhamos, é Gaspar o maior culpado? Obviamente que face aos resultados das suas acções não poderia ficar nem mais um segundo no Governo, mas foi ele quem disse que mesmo que não estivéssemos sujeitos a este memorando de entendimento o iríamos aplicar? Foi ele que disse que se devia ir para além da troika? É ele o maior responsável por uma política que o melhor horizonte que tem para nos apresentar é um desemprego de 18% para 2016?
Foi ele quem definiu uma meta que consiste em destruir uma inteira geração através duma austeridade sem perspectivas? Foi ele quem definiu uma política, que agora não há ninguém que não saiba, provocou que todos os sacrifícios, todos os cortes, todas as desgraças provocadas tivessem sido em vão? Foi Gaspar que condenou os nossos filhos, sobrinhos e amigos a emigrar definitivamente pois o País nada lhes terá para oferecer nas próximas décadas?
Não, não foi ele. Foi o primeiro-ministro. E existisse sentido de Estado, conhecesse Passos Coelho o verdadeiro estado do País, entendesse a enormidade das suas opções e o primeiro-ministro pediria uma audiência ao Presidente da República e faria também o evidente: apresentaria a sua imediata demissão.
A dimensão da tragédia que nos foi apresentada é demasiado brutal para que tudo fique na mesma. Nós já a conhecíamos, mas pela primeira vez o Governo deu a entender que finalmente tinha percebido. Convenhamos, era, aliás, impossível, desta vez, não perceber: os números, sobretudo os do desemprego, são demasiado estridentes.
Falhou, falhou tudo. O fracasso é completo e total. Um Governo que precisa de aqui chegar para perceber que errou não pode permanecer em funções. Um Governo que foi o primeiro agente de destruição duma geração, dum tecido económico, de ter criado uma situação social insustentável, um nível de desemprego que destrói uma comunidade, não pode agora vir dizer que vai mudar (nem essa intenção tem, claro está). Um Governo que espalhou e aplaudiu todo o napalm económico e social que vinha da Europa não tem a mais pequena capacidade de negociar uma outra política.
Pois, ai meu Deus, uma crise política. Mas há maior crise política do que manter em funções um Governo que pelas suas próprias decisões políticas nos trouxe até aqui? Há maior crise política do que manter um Governo que ainda pensa que este caminho é o certo? Manter tudo como está, essa, sim, será uma colossal crise política. "
sábado, 16 de março de 2013
O fracasso de Gaspar
Texto de João Marcelino hoje publicado no "Diário de Noticias"
"1
Há um antes e um depois da conferência de ontem do ministro Vítor
Gaspar porque ela marca o falhanço de toda uma estratégia perante o
País. Estamos perante um estrondoso fracasso das políticas financeiras
que arrasou o tecido económico nacional a um nível sem precedentes e
deixa o ministro das finanças numa posição de grande fragilidade
interna, até no governo.
A política do "custe o que custar", o de
"ir mais além da troika", que o ministro engendrou para conquistar os
mercados e Pedro Passos Coelho ratificou, com o incrível silêncio de ano
e meio perante os grandes decisores europeus, só agora timidamente
rompido, teve ontem um dia de revelação.
E os números, não metem:
sobe o desemprego, agrava-se a recessão, é arrasado o défice previsto
para o fecho de 2012 (era de 4,5%, muito celebrado, e acelera agora para
6,6% porque também era evidente que o Eurostat não aceitaria a
habilidade contabilística à volta da ANA), entre outros dados
estatísticos que desaconselham o caminho seguido e no qual Vítor Gaspar
não acerta nunca uma previsão e nem parte para elas com o rigor de
cenários macroeconómicos credíveis.
Ou seja, quase dois anos
depois, apesar do corte de 13 mil milhões na despesa pública, do
tremendo esforço fiscal dos portugueses, dos direitos ameaçados, das
pensões e reformas confiscadas (sobre o que o Tribunal Constitucional se
terá ainda de pronunciar...), o governo não tem soluções. Repete o
mérito da redução do défice estrutural primário e o excedente da balança
corrente e de capital. O ministro responde honestamente com um "não
sei" sobre o futuro e a eventualidade de mais cortes. Sobra, apenas, a
ladainha de que as reformas estruturais acabarão um dia por repor a
competitividade, assegurando crescimento e emprego. Como estratégia não
chega. Como caminho não existe. Como esperança não é nada.
2 Pedro
Passos Coelho falava ainda há algumas semanas sobre a recuperação
económica que começaria a chegar algures no final deste ano e
seguramente no próximo. Depois de ontem, apesar das metas suavizadas
pela troika, remetendo o atingir de 2,5% no défice para 2015, de mais
tempo para cortar os 4 mil milhões de euros, essa expectativa é uma
utopia. Só um milagre, numa Europa que também não cresce, e onde as
eleições alemãs bloqueiam a capacidade de ação dos líderes europeus,
poderia trazer crescimento e interrupção da destruição de emprego num
mercado interno arrasado por decisões tão desastradas como o imposto que
caiu sobre a restauração. Um exército de desempregados de mais de um
milhão de pessoas (se somarmos os que já desapareceram das estatísticas
oficiais) não consomem - e quem tem emprego pensa em tudo menos em
comprar, investir, gastar.
O que cria emprego é o consumo e essa
dinâmica não vai ser recuperada depressa porque o "bater no fundo",
afinal, ainda estava algo longe.
3 Nesta
conjuntura, os cidadãos não gastam, nenhum empresário tem condições para
investir, ainda falta dinamizar o crédito e ao governo resta o caminho,
estreito, que diabolizou a José Sócrates: obras, investimento público.
Os portos substituem o aeroporto, o TGV não é de pessoas mas será de
mercadorias. Afinal, o que tem de ser tem muita força...
Ir além
da troika e do memorando foi uma imprudência e uma temeridade que agora o
País paga com sofrimento acrescido. Esta violência não era de todo
necessária e até Cavaco Silva vai adaptando o discurso à realidade:
"Portugal precisa que não se tenha a exigência de cumprir a todo o custo
os défices fixados em termos monetários".
Vítor Gaspar é, desde
ontem, por muito que seja considerado lá fora, pelos sacrifícios extra
que impôs ao País, um homem desacreditado internamente. Portugal perdeu a
confiança no ministro das finanças. Também isso não pressagia nada de
bom.
Com absoluta unanimidade, todos os parceiros sociais
rejeitaram a estratégia do governo de negociação mínima com a troika. O
País precisava, vai precisar, de prazos mais largos, de mais tempo, por
muito que o primeiro-ministro insista em não o reconhecer. "
Guerra civil
"O governo sempre desejou o aumento do desemprego de massas que faz com que quem ainda trabalha aceite tanto receber menos como piores condições. Considerando a barbárie e fundamentalismo desta política, o executivo nunca assumiu esse desígnio embora tudo faça para o cumprir.
quinta-feira, 14 de março de 2013
Asnos e crise nos preservativos
Texto de Fernando Santos hoje publicado no "Jornal de Noticias"
"Também conhecidos por empresários ou empreendedores, Portugal tem um
milhão de patrões - a maioria de si próprios, por estarem registados em
nome individual. Dos patrões esperam entretanto 3,6 milhões de
trabalhadores no ativo, incluindo um pouco mais de 500 mil funcionários
públicos, receber todos os meses o seu salário, muito ou pouco.
É
das regras: existem patrões preocupados e apostados no desenvolvimento
das empresas e no bem-estar dos seus funcionários; mas também há os
retrógrados, os sanguessugas, adeptos da escravidão do pessoal. Já os
assalariados, não nos enganemos, são também de vária casta: uns
trabalham, são produtivos, justificam o dinheiro ao fim do mês e outros
caracterizam-se por manguelice da pior espécie - e sempre roídos de
inveja do parceiro do lado.
São raros os patrões dispostos a fazer
marcha atrás, isto é, a passarem à condição de trabalhadores. Já há
muitos trabalhadores a sonhar dispor do estatuto de manda-chuvas,
prontos a criticar o dono da fábrica ou da mercearia por tudo e por
nada, mas sem golpe de asa para o negócio (sério) e incapazes de
arriscar um só cêntimo.
Os paradoxos resultam, apesar de tudo, em excecionais linhas de convergência. É o caso atual do mundo laboral português.
Representados
por confederações ou sindicatos, patrões e trabalhadores coincidem: a
austeridade está a arruiná-los e torcem o nariz a todas as decisões que
não aligeirem o sofrimento das suas vidas.
Patrões e trabalhadores, desta vez, não têm nada de tolos.
Após
o esboço de transferência (falhada) do peso da Taxa Social Única dos
cofres das empresas para o bolso dos trabalhadores - uns a sentirem-se
esbulhados, os outros temendo o fim da pacificação social e a
transferência da turbulência para o interior das empresas - é a
continuidade das políticas troikistas e o ar de bem-comportado do
Governo a criar o uníssono: a obtenção de mais curtas margens do défice
de Portugal carece de uma moratória superior a um ano. É a chamada
posição sensata - ao arrepio de um Governo de gente sem experiência de
vida, sequer do mundo laboral, e até agora atenta e veneranda a todas as
imposições dos credores.
Em linguagem chã: os trabalhadores não
têm dinheiro para mandar cantar um cego e sem o dito cujo não consomem e
os patrões não faturam o que quer que seja, dos pastéis de Belém aos
preservativos - sim, quem vive mal perde o apetite sexual.
Perante
um conluio estratégico tão básico e lógico entre patrões e
trabalhadores, o que mete impressão (ou dó?) é que não seja compreendido
e não implique o imprimir de novas políticas por quem nos (des)governa.
Enganou-se,
enfim, quem achava que uma tal coincidência de posições seria percebida
até pelo mais propenso a comportamentos asnáticos."
quarta-feira, 13 de março de 2013
Não privatizem serviços públicos!
Dois textos hoje publicados no Diário Económico sobre a privatização de serviços públicos.
Desmantelar a martelo
Texto de Luís Bernardo, Politólogo, Humboldt-Universtät zu Berlin
Num dos seus últimos livros, o historiador Tony Judt usava o exemplo do British Rail para explicar por que razão a privatização de linhas ferroviárias (e de transportes públicos em geral) não pretende beneficiar os consumidores.
O objectivo é criar um problema (ineficiência) para lhe aplicar a solução já conhecida (privatização). A privatização dos transportes e o declínio da qualidade de vida das pessoas residentes em Portugal é uma farsa trágica com pouco de cómico. O programa de privatizações acordado, pelo Governo e pelo PS, com a ‘troika' é claro: a privatização dos transportes públicos será uma martelada económica nas contas do Estado.Sabemos, pela experiência, por exemplo, dos caminhos-de-ferro britânicos, que será uma privatização momentânea; sabemos que esbulhará o património público, de acordo com os últimos resultados da TAP; sabemos que a Carris e a CP deixaram de ser financeiramente viáveis devido aos truques (des)orçamentais dos últimos governos. Desmantelar a rede de transportes públicos é um projecto ideológico sem qualquer racionalidade económica.
É, acima de tudo, uma forma de coagir famílias à aquisição de viaturas individuais com uma função simbólica: são símbolos de estatuto que destroem a força simbólica dos transportes públicos. Partilhar um comboio matinal produz igualdade e horizontaliza relações sociais.
A alternativa é clara. Ao invés de se privatizarem transportes públicos com a justificação infundada de que são ineficientes, as políticas públicas devem ajustar-se à realidade e deve proceder-se à nacionalização de todas as empresas privadas de transportes cujas ineficiências, geralmente já subsidiadas pelos contribuintes (pelo que uma nacionalização seria apenas o retorno da propriedade ao seu justo proprietário), resultam em preços altíssimos, no fim dos passes sociais - fundamentais para a manutenção de uma estrutura produtiva baseada em centros urbanos, e na criação de postos de trabalho precários. Qualquer governo com sensibilidade social reconheceria isto. Mas, em Portugal, o primeiro-ministro é Passos Coelho.
Ordens mal dadas
Texto de Luís Vilariça, Gestor e Chartered Marketer
É difícil entrar num debate sobre o tema das privatizações sem que as emoções se manifestem. É que há duas ideias que levantam suspeitas: se o negócio é bom, para quê privatizar, porque não fica o Estado com ele? Se o negócio é mau, o que é que há por trás que faz com que os privados se interessam por ele?
Vem isto a propósito do que se prepara para acontecer - a apresentação do modelo de privatização, ou concessão, dos serviços de transportes públicos, feito a mando da ‘troika'. Os transportes públicos, com os custos do seu funcionamento, fazem parte de ser um país. Fazem parte da qualidade de vida, da coesão social, da democracia em sentido lato - coisas que não se medem numa conta de exploração.
Para isto pagam os contribuintes os seus impostos e pagam, com certeza, muito mais alegremente do que para resgatar um banco privado e fraudulento. Mas é justo que também nesta área se exija a maximização do binómio eficácia/eficiência que norteia a boa gestão (eficácia assegurando a mobilidade das pessoas, ou o transporte das mercadorias; eficiência fazendo-o ao custo mais baixo).
A questão é que para isto o Estado não precisa dos privados. Se a boa gestão obriga á redução de custos, maior integração de serviços, diminuição de oferta ou aumento de tarifas para o utilizador, o Estado é perfeitamente capaz de assegurar isto. Mais, os portugueses já perceberam que os sacrifícios são sempre seus - ou se sacrificam com serviços piores ou tarifas mais caras, ou pagam os défices de exploração nos aumentos de impostos. Para quê agravar ainda mais a factura metendo o lucro dos privados na equação?
Por outro lado as linhas de transportes públicos, tal como todas as grandes obras públicas, permanecem inacabadas e é crucial continuar a investir. Daí o Estado ter que estar sempre por perto pois os projectos de investimento exigem muito capital que é financiado, ou pelo menos garantido, pelo dinheiro dos contribuintes. Por tudo isto se desaconselha a privatização. O problema é que a mesma se faz porque a ‘troika' mandou, mas como diz um amigo meu: "ordens mal dadas não são para cumprir". É obrigação dos políticos dizer isto á ‘troika', defendendo os interesses do país custe o que custar.
domingo, 10 de março de 2013
Há sempre o passado
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Passos Coelho,
que no início do seu mandato jurou a pés juntos nunca ir desculpar-se
com o passado, passou o debate parlamentar da última quarta-feira a
fazê-lo.
Nada de muito surpreendente, não sobra mais nada que se
assemelhe, sequer vagamente, a discurso político. O slogan do "vamos
atingir os 4,5% de défice custe o que custar" morreu e a bravata do "nem
mais tempo nem mais dinheiro" soçobrou à realidade. Já não há metas nem
luzes ao fundo do túnel para apontar. Não há reforma digna desse nome,
não há dado que não grite o falhanço absoluto do Governo e do plano
europeu, que era, como foi repetido, o seu próprio. Nada bateu certo,
tudo ficou muito pior.
Com o desaparecimento das narrativas o
discurso, que já não era propriamente fluente nem bem estruturado,
tornou-se errático, sem sentido. Atiram-se simplesmente uns assuntos
para o ar.
Invocam-se os cortes de 4000 milhões de euros que o
Estado francês vai fazer para justificar os cortes do mesmo valor que o
Governo português tenciona realizar. Uma comparação destas, aliás, só
pode ter sido feita por má-fé ou por pura ignorância. Só alguém muito
distraído pode acreditar que cortes deste valor em França e em Portugal
têm os mesmos efeitos. Alguém que ignore que cortar 4000 milhões de
euros no Estado social francês e português não é a mesma coisa. Alguém
que não conheça a extensão do Estado Social português e francês. Alguém
que não saiba a diferença entre os salários, pensões e prestações
sociais em Portugal e em França. De facto, é difícil acreditar que um
primeiro-ministro desconhece estas realidades.
Faz-se um discurso
sobre o valor do salário mínimo que apenas nos recorda o distanciamento
do primeiro-ministro face à realidade das empresas portuguesas e o
desconhecimento sobre as razões dos números do desemprego. Disse Passos
Coelho que, apesar de não o tencionar baixar, acreditava que o
desemprego baixaria se existisse uma redução do salário mínimo.
Não
há empresário que possa dizer com verdade ao primeiro-ministro que a
sua quinquagésima fonte de preocupação é o valor do salário mínimo.
Falarão do custo de electricidade, água, gás; falarão da incomportável
carga fiscal; falarão da burocracia, dos licenciamentos e afins; mas
sobretudo falarão da impossibilidade de se financiarem e da falta de
clientes. Em termos muito simples: não havendo crédito para as empresas
funcionarem nem clientes para se vender os produtos não há postos de
trabalho. Não existirá um único empresário digno desse nome que lhe
diga que se o salário mínimo, com o actual valor, diminuir contratará
mais trabalhadores. Mais, existirão seguramente muitos empresários a
pedir para que se aumente o salário mínimo como forma de aumentar a
procura interna, que, convém recordar, é importante tanto para as
empresas que trabalham para o mercado interno como para as que exportam.
Pode haver uns senhores, que de empresários só terão o nome no
cartão de visita, que digam que uma diminuição do salário mínimo lhes
permitirá manter as suas empresas no mercado. É muito simples: uma
empresa que baseie o seu modelo de negócio em baixos salários, no limite
precise que estes sejam ainda mais baixos do que 485 euros, já está
morta. Como diria o Presidente da Republica, citando talvez La Palisse,
"não é com baixos salários que se garante a competitividade das
empresas". Existirão sempre Chinas. Um país como Portugal se quer
assinar a sua sentença de morte económica basta-lhe apostar num modelo
baseado em baixos salários, em baixas qualificações, em produtos com
pouco valor acrescentado. O empobrecimento é apenas um dos passos para
essa morte.
Já não há discurso. Sobram estes pedaços de coisa nenhuma, desligados de qualquer estratégia ou rumo.
Resta
o passado. Vamos nos próximos tempos ouvir falar muito dos erros do
passado, e, como bem sabemos, é um tema sem fim. Foram muitos. No
passado recente, no menos recente, no ainda menos recente, no início do
processo democrático, no Estado Novo, e por aí fora.
Mas é, no
fundo, a admissão da derrota. Quando se desiste de lutar, quando não se é
capaz de encontrar soluções, há sempre o passado para culpar. O
passado, em política, é o último refúgio do fracasso."
Maratona dolorosa
"Gaspar já comparou o processo de ajustamento em curso provocado pelo resgate da troika a uma maratona. Agora, na sétima avaliação, o País está a sofrer a dor dos 30 quilómetros e com poucas energias para concluir a meta nos 42 mil metros.
sábado, 9 de março de 2013
Três textos sobre a estupidez de Passos Coelho
"O salário mínimo nacional e incompetência máxima nacional de Passos Coelho!"
João Lemos Esteves - Expresso
"1. Quando li a notícia ontem nos jornais, fiquei perplexo: Passos Coelho afirmara, no dia anterior, na Assembleia da República, que o mais sensato seria descer o salário mínimo nacional. Fiquei absolutamente estarrecido: Passos Coelho, desta feita, ultrapassara todos os limites do bom senso e do decoro político. E da lucidez. Assim, resolvi ver o debate parlamentar na íntegra para confirmar as afirmações do Primeiro-Ministro. Minha conclusão: houve, nesta oportunidade, um excesso de zelo de boa parte da comunicação social. De facto, a forma como os jornais citaram Passos Coelho dava a entender que este havia defendido ferozmente a descida do salário mínimo nacional. Mas não: Passos Coelho afirmou, em rigor, que o mais sensato até poderia ser a descida do salário mínimo nacional para facilitar a criação de emprego, invocando o exemplo da Irlanda. Contudo - acrescentou Passos Coelho - o Governo já afastou esse cenário, pois entendeu que o valor do salário mínimo já é tão baixo, que dificilmente consegue garantir o mínimo imposto pela dignidade da pessoa humana (atenção: esta frase é da minha autoria, não estou a reproduzir ipsis verbis as declarações de Passos Coelho - o nosso Primeiro-Ministro não consegue invocar ou sequer compreender o que seja tal coisa como a "dignidade da pessoa humana" - o humanismo, para ele, é algo fora de moda, algo ridículo). Para já, os portugueses podem ficar mais descansados: o Governo de Passos Coelho não irá descer o valor do salário mínimo nacional, não constando tal medida das intenções políticas do Governo. Por conseguinte, as manchetes alarmistas de alguns jornais tiveram como efeito, em primeira linha, alarmar sem razão os portugueses, já tão fatigados com aquilo que o Governo, de facto, propõe e aplica - que não têm já paciência para medidas desastrosas que o Governo ponderou e, felizmente, já afastou. Prova-se, assim, que há um clima geral de enorme suspeita e irritação face ao executivo Passos Coelho: qualquer declaração de Passos Coelho é interpretada no pior sentido possível, criando ruído que objectivamente desgasta o Governo. É que tais declarações, mesmo descontextualizadas ou citadas enviesadamente, já obrigaram Passos Coelho, mesmo no estrangeiro, a desdobrar-se em declarações para explicar aquilo que não disse! O que é uma originalidade - e naturalmente acaba por retirar credibilidade e força política a Passos Coelho!
2. Posto isto, independentemente de a redução do salário mínimo não constar da agenda do Governo, este episódio é eloquente na demonstração da ingenuidade política - direi mesmo amadorismo político! - de Passos Coelho. Então o Primeiro-Ministro, numa altura em que sabe que o Governo está descredibilizado e é o alvo (muitas vezes, com razão) dos jornalistas, vai afirmar no Parlamento que o "mais sensato seria a descida do salário mínimo"? Mesmo ressalvando que o Governo já afastou tal medida, era evidente que uma afirmação deste iria provocar polémica! E para quê? Parece que o Governo está a provocar os portugueses, está a esticar a corda para aferir até onde vai a paciência dos portugueses! Um membro da JSD que tenha acabado de participar na Universidade de Verão em Castelo Vide percebe que, em política, não importa só o que se diz - mas também (ou sobretudo?) a forma como se diz. Ora, Passos Coelho deveria voltar aos tempos de jota e ter umas lições na Universidade de Verão: a sua ingenuidade política é algo que surpreende pela negativa. É que tudo isto parece pura inconsciência política: parece que temos um aventureiro como Primeiro-Ministro. Ora, a situação de Portugal não se compadece com brincadeiras, nem com Governos que pretendem desafiar o limite da saturação dos portugueses!
3. Por outro lado, mais uma vez, evidenciou-se que falta ao Governo coordenação política. Repare-se: depois desta frase desastrosa de Passos Coelho, foi o próprio Primeiro-ministro que, no estrangeiro, teve de dar explicações sobre o que pretendia dizer. Passos Coelho a explicar e a comentar Passos Coelho. Quem se fragiliza politicamente? Passos Coelho, o chefe de Governo. Como é que um Governo pode ter sucesso assim? Fácil: não pode! Este Governo resume-se a Passos Coelho: ninguém se entende -Paula Teixeira da Cruz dá recados aos seus colegas de Governo publicamente, os ministros dão informações contraditórias sobre a mesma matéria - , todos dão os seus palpites pessoais e ninguém aparece para explicar as medidas do Governo. Só mesmo Passos Coelho - e mal. Um Governo assim aguenta até 2015? Bem pode vir Luís Marques Mendes proclamar que o Governo tem todas as condições para ganhar as legislativas - só mesmo alguém que se dá muito bem com Miguel Relvas (que é a sua fonte para os seus comentários) pode acreditar em tal coisa..."
"Cegueira e insensatez"
Carvalho da Silva - Jornal de Noticias
"Passos Coelho ao afirmar, em plena Assembleia da República, que "aumentar o salário mínimo geraria mais desemprego neste momento", pôs a nu toda a dimensão de cegueira neoliberal, de incompetência e de disparate que marca o rumo e as práticas da sua governação. Mas é dramático que isto seja assumido como uma estratégia, confirmada, aliás, pelas afirmações de António Borges dois dias depois.
A brutal e injusta austeridade faz sofrer as pessoas, mas parece que também cega e estupidifica quem as impõe.
A afirmação do primeiro-ministro (PM) situa-se para além dos limites do bom senso e da decência política. É caso para lhe dizer: abre os olhos, obcecado! Não vês a queda da procura? Não vês a situação das empresas? Não vês a vida concreta das pessoas?
O problema de fundo é que estamos perante alguém que não cumpre os requisitos mínimos para se manter nas funções efetivas de primeiro-ministro de Portugal. Passos Coelho chegou a PM através de um ato eleitoral, isso é um facto, mas ele não governa de acordo com os compromissos que assumiu e não é um intérprete fiável dos interesses dos portugueses. Comporta-se simplesmente como executor das medidas que vão traçando os tecnocratas indigitados pelos nossos credores e agiotas (incluindo os Borges), com vista a explorar, até ao limite, o povo português.
Infelizmente, pelo menos três gerações de portugueses - aquelas que hoje sofrem com este desastroso rumo - vão dolorosamente lembrar-se por muito tempo deste roubo organizado, com dimensões externas e internas, feito ao seu país. E vão recordar-se das traições que estes governantes de ocasião e da mentira cometeram.
O que se está a passar nestes tempos em Portugal é uma proliferação de atos de insensibilidade social e humana, de malvadez mesquinha, de atentados à liberdade das pessoas e à soberania do povo.
Múltiplas personalidades com conhecimentos económicos, sociais e políticos, vários economistas, sindicalistas e até dirigentes empresariais já vieram explicar que, na situação que o país vive, mais do que em qualquer outra, o aumento do salário mínimo nacional (SMN) é um sinal social e económico necessário e gerador de emprego a prazo curto. Claro que se trata de uma opção contra o empobrecimento e a favor do Estado social.
O SMN (485 euros ilíquidos) está hoje abaixo do limiar da pobreza, é o mais baixo da Zona Euro, atinge diretamente mais de 11,3% dos trabalhadores ativos, mas há centenas de milhares de trabalhadores que ganham apenas uns euros acima e, como sabemos, o sinal dado pelo aumento do SMN tem repercussões naturais em toda a política salarial.
Face às carências de quem ganha o SMN ou pouco mais, todos os cêntimos que este puder melhorar desaguam de imediato no consumo, na dinamização das atividades económicas.
É imprescindível que não se deixe cair esta exigência de aumento imediato do SMN. Saúdo todos os esforços dos partidos políticos à esquerda e de movimentos sociais nesse sentido e saúdo a persistência da CGTP-IN que forçou o agendamento do seu debate na concertação social para o próximo dia 19. Entretanto, não posso deixar de fazer um comentário crítico à atitude da CIP. É positivo que não embarque na loucura do Governo de reduzir, reduzir os salários e que, embora de forma ténue, vá olhando para alguns problemas reais da economia e da maioria das empresas. Mas é inadmissível e maldoso o seu ato de aproveitar o drama do desemprego para tentar precarizar ainda mais as relações de trabalho.
Os dirigentes da CIP, como a generalidade dos empresários com uma formação mínima, sabem que reduzir os salários e precarizar o trabalho bloqueia o desenvolvimento e desencoraja o trabalho. Muitas vezes basta um indivíduo fazer contas para rapidamente concluir que a remuneração que lhe é atribuída não cobre os custos necessários para ir trabalhar.
Haja bom senso, verdadeiro e sério patriotismo.
A insanidade dos governantes resolve-se demitindo-os. E o povo está a dar sinais claros de que não se demite da responsabilidade de o exigir."
"O 'conselheiro' Borges"
João Marcelino - Diário de Noticias
"1. Tenho por certo que António Borges, nesta fase da sua vida, está muito pouco interessado em fazer concessões em relação a tudo aquilo em que acredita, e a tudo aquilo que julga saber.
Isso tem sido evidente nos últimos meses.
Cada vez que António Borges dá uma entrevista, e desdobra-se como nunca nessa cruzada, o que diz produz efeito.
Em junho defendeu que os salários dos portugueses deviam baixar. Obrigou o primeiro-ministro a vir esclarecer que o Governo não tinha nenhum plano para descer nominalmente os salários.
Em agosto, numa incursão sobre a RTP, lançou a ideia de concessionar a estação a privados que tinham, dizia ele, melhores condições para gerir a empresa - e despedir quem houvesse a despedir a seguir. Mesmo quando, já no início deste ano, Miguel Relvas anunciou que a privatização estava cancelada e se iria seguir a restruturação da RTP mantendo-a na órbita do Estado, o conselheiro Borges entendeu que não seria bem assim. E disse-o.
Em setembro, na mais bruta das polémicas, tinha decidido chamar ignorantes aos empresários que rejeitaram as alterações à taxa social única, que Pedro Passos Coelho, pressionado pelo País, foi obrigado a meter na gaveta.
2. Agora, retomando o tema que lhe é tão caro da baixa de salários, António Borges acha que até o ordenado mínimo (485 no Continente e um pouco mais nos Açores e na Madeira) deveria diminuir, como aconteceu noutros países, como a Irlanda. Que o salário mínimo português seja um terço do irlandês será, com certeza, um pormenor; e que os patrões portugueses, numa perspetiva mais inteligente de reanimação do mercado interno, estejam até disponíveis para negociar esse salário mínimo nacional, deve ser - é - absolutamente irrelevante para o "conselheiro" Borges.
Pelo meio disto, a avença de 300 mil euros que recebe para o grupo de trabalho que lidera dar conselhos ao Governo sobre as privatizações não o impediu de assumir funções num grupo privado, a Jerónimo Martins.
3. É um mistério que o Governo continue a precisar dos doutos conselhos do antigo vice-governador do Banco de Portugal e alto funcionário da Goldman Sachs.
Por um lado, cada vez que o homem fala - e já se percebeu que não se sente limitado neste campo da comunicação - o Governo abana. Leva com os protestos e críticas de empresários, trabalhadores e partidos da oposição, quando não mesmo com as de relevantes militantes dos próprios PSD e CDS.
A irresistível lógica teórica defendida por Borges de que baixos salários são um passo para promover o emprego no futuro seria, aliás, sempre um excelente argumento para Pedro Passos Coelho fazer aquilo que há muito se impõe: despedi-lo com justa causa, retirar ao "conselheiro" a possibilidade de continuar a massacrar os seus compatriotas com a dureza de quem parece que já nada espera da vida.
Há momentos em que é preciso dizer basta aos dislates, mesmo que travestidos de alguma lógica académica ultraliberal.
Não há nenhum motivo de natureza racional que, tantos disparates depois, aconselhe a manter este homem na órbita do Governo - pago, e bem pago, com o dinheiro de todos os contribuintes. Se há limites para a arrogância intelectual paga pelo Estado, António Borges ultrapassou-os todos.
Se todos os portugueses trabalhassem de borla haveria pleno emprego e todas as empresas do mundo quereriam estabelecer-se no nosso país - será que António Borges já pensou nisto? É uma bela ideia, não é?"
sexta-feira, 8 de março de 2013
Gerações unidas
Texto de José Manuel Pureza hoje publicado no "Diário de Noticias"
Pôr os mais novos a lutar contra os mais velhos e pôr os pobres a lutar contra os muito pobres é a estratégia ardilosa que o Governo usa para desqualificar socialmente uma organização social fundada em direitos. Dizem o Governo e os seus ideólogos aos jovens precários e desempregados: a culpa da vossa situação é dos vossos pais, que se instalaram comodamente nos seus empregos para a vida e vos bloqueiam a entrada no mundo profissional com direitos. E acrescentam: se eles aceitassem prescindir de alguns direitos, vocês veriam como se abriam logo as portas do vosso futuro. Dizem o Governo e os seus ideólogos aos pobres: a culpa da vossa situação é dos desempregados a quem temos de pagar subsídio e dos que recebem rendimento mínimo; o dinheiro que lhes pagamos sem que eles trabalhem dava para aumentar, pouco que fosse, os vossos ordenados de trabalhadores. A obscenidade desta mentira é total: a precarização da vida dos pais não substituirá a precarização da vida dos filhos, somar-se-á a ela; a desproteção dos mais pobres não trará os pobres para cima, sugá-los-á para o buraco negro da miséria.
Que sejam jovens precários e adultos reformados a protagonizar o protesto social crescente no País é a prova de que este é o espaço central da disputa que decidirá o futuro do País. O ganho maior da manifestação multitudinária de 2 deste mês foi esse: a estratégia da guerra de gerações não passará. O Governo perdeu clamorosamente essa batalha, central para o seu projeto político. Que o ativismo da APRE! - um caso notável de afirmação de mobilização e de força de movimento social - se conjugue com o ativismo dos Precários Inflexíveis - idem, idem, aspas, aspas - para trazer para a rua mais de um milhão de pessoas unidas em torno da denúncia da rutura do contrato de confiança que qualquer governo tem de honrar com a população que é suposto servir, eis o maior dos sinais de que o Governo falhou mais na previsão de que seria capaz de pôr filhos contra pais do que nas previsões de crescimento, de recessão e de números do desemprego.
Era grisalha a manifestação de 2 de março? Era grisalha e era também adolescente e quarentona. Isso é um bom sinal. Mostra que a luta das pessoas não é contra "os políticos" mas contra políticas concretas que se materializam em folhas de vencimentos e de pensões, em call centres e em empresas de trabalho temporário e em recibos de renda de casa. As pessoas, novas e velhas, que vieram à rua no passado sábado disseram que quem acha que descer o salário mínimo é bom para combater o desemprego e que os pensionistas descontaram para ter reformas mas não estas reformas não tem dignidade para governar o País. Mas, mais que tudo, vieram dizer que não é em nome de regalias corporativas ou geracionais que lutam. É em nome de uma sociedade regulada por direitos que se adquirem e se honram. Vieram dizer algo de essencial: que um país civilizado estima os direitos. E assume o seu cumprimento como a única verdadeira prioridade. "
Ele e mais ninguém
Texto de Fernanda Câncio hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Presidente da República ainda se escreve com maiúsculas. Mas se o novo AO não
mudou isso, o atual detentor do cargo está empenhado em reduzi-lo a
paródia e opróbrio. Após meses de silêncio tão inexplicável que a piada
mais frequente do Twitter era compará-lo ao moribundo Chávez, Cavaco
emergiu à porta de uma fábrica de moagem para, em autêntica conferência
de imprensa, moer-nos o que nos resta de paciência com os habituais e
penosos autoelogios e autorreferenciações, mais as pusilanimidades e
mesquinhices costumeiras.
Que já disse tudo na mensagem de Ano
Novo, que trabalha dez horas por dia (vá lá, não se queixou outra vez de
ganhar pouco), que "tem informação que mais ninguém tem e experiência
que mais ninguém tem", que o Governo finalmente fez o que ele defende
mas que não lhe dá ouvidos como devia, etc. E, finalmente, que "as
pessoas que se manifestam no respeito pelas leis da República devem ser
ouvidas". Cavaco, pelos vistos, não reparou que o que se ouviu mais na
manifestação de 2 de março foi o silêncio. À exceção da Grândola e da
enorme vaia que o teve como destinatário, um silêncio exasperado,
soturno, de quem cerra dentes e punhos, de quem já não sabe o que
gritar. Não reparou, ocupado que está na sua esgotante jornada de
trabalho, que quem saiu à rua no dia 2 foi a maioria silenciosa, a que
nunca ou raramente sai, a que nunca ou raramente se manifesta e nem sabe
bem como se faz. Para dizer que está farta do processo revolucionário
em curso e que exige ao garante de regular funcionamento das
instituições que ponha cobro a este sequestro da vontade popular
expressa no voto. A esta burla perpetrada com o alto patrocínio de um
presidente que, no discurso de tomada de posse, há dois anos, exortou
todos a saírem à rua contra o Governo PS por se ter "ultrapassado o
limite dos sacrifícios" e hoje, perante o décuplo desses sacrifícios,
alega a crise europeia (que antes ignorou) e se refugia no seu palácio
cor-de-rosa, nem já no Facebook dando cavaco.
Sim, este PR sabe
coisas que mais ninguém sabe, vê coisas que mais ninguém vê. Como Gaspar
e Passos, não vê o que todos vemos, mas por razões diferentes - eles
são fanáticos perigosos (como todos os fanáticos), ele é um
desavergonhado taticista que passa as ditas dez horas e todas as outras a
fazer contas de cabeça sobre como tirar o máximo de proveito de cada
situação. E que, no cúmulo da sua não noção, do insulto ao País que
desgraçadamente lhe confiou o último recurso, se entretém a escrever
roteiros "para presidentes em tempo de crise". Que magnífica ideia,
senhor professor, clamaram, em coro, os assessores, a bater palminhas:
"Que lindo testemunho para a história." E é. O livrinho há de expor,
malgré o autor, o roteiro que nos trouxe aqui. Arquitetado por um
presidente de prefácios, que crê ter sido eleito para jogar xadrez com
os portugueses, lixando-se para tudo menos ele."
Aníbal Escavacado Silva
Texto de Tiago Mesquita, publicado no seu blogue "100 reféns" no "Expresso"
quinta-feira, 7 de março de 2013
O inconcebível Gaspar
Texto de André Macedo hoje publicado no "Diário de Noticias"
"O
ministro das Finanças acha inconcebível o desemprego a caminho dos 18%?
Acha inconcebível as falências em série? Acha inconcebível o nível de
impostos? O IVA galopante? A queda de investimento? O risco de motim
entre os militares? A fuga dos mais novos? O desespero dos reformados? A
desconfiança que se abate sobre partidos e instituições? Acha
inconcebível aprovar orçamentos que falham previsões e chegam a
fevereiro esmagados pela realidade?
Não. Para todos estes detalhes
pueris Gaspar não guarda espanto nenhum. Já para a hipótese de
Portugal, como a Irlanda, pedir a extensão, por mais 15 anos, do
pagamento do empréstimo aos fundos europeus que socorreram o País...
para isso o ministro escolhe palavras musculadas: inconcebível!, diz
ele. Haja moderação, acrescenta. Eu nunca tinha visto uma coisa destas. A
Irlanda tem menos necessidades do que Portugal - tem um empréstimo mais
pequeno -, até cresce alguma coisa, mas pede mais tempo. O que faz
Gaspar? Gaspar distancia--se do aliado (que gesto nobre...) e pede
cinco, dez anos no máximo. Alguém compreende?
Talvez seja a
vontade de ficar fora do radar de Berlim para não indispor ninguém.
Talvez seja a determinação em estar sempre alinhado com o ortodoxo e
fraquíssimo Olli Rehn. Há argumentos a favor desta tese: os juros já não
baixaram para 3%? Não houve tolerância para a derrapagem do défice em
2012 e não pode ser adiada a meta dos 3% em 2014? Devagar -
incrementalmente, como dizem os burocratas de Bruxelas - lá vão chegando
algumas concessões e borlas.
É seguramente uma maneira de olhar
para o problema. Podemos até imaginar que Gaspar se agiganta à porta
fechada, convertendo-se num tenaz defensor dos endividados. Será? Na
verdade, só saberemos quando saírem as memórias do ministro; mas sei que
há aqui um grave problema de oportunidade. O Wall Sreet Journal
informava ontem que a zona euro caminha para o quarto trimestre
consecutivo de contração. Ou seja, a receita é má e em Portugal é pior. A
estratégia de 100% pura austeridade não resolve. Para se ter uma ideia,
os enviados de Bruxelas a Atenas são aconselhados pela Comissão a
mentir aos taxistas para não levarem uns cascudos: jamais lhes digam
quem são, inventem. É isso mesmo: a ideia é mentir. Fazer-nos crer que
não há alternativa ou que a alternativa é rasgar contratos, não fazer
reformas nenhumas. Oito ou oitenta. Não é verdade. Há alternativa:
negociar mais, colocar limites... como faz a Irlanda (que recusou subir o
IRC) e como fez Espanha, que evitou o resgate. Infelizmente, Gaspar
jamais o fará. Isso, sim, é inconcebível.
P.S. No auge da crise,
alguns bancos centrais da Europa disseram às suas instituições
financeiras nacionais para não comprarem dívida dos países em
dificuldade. Com isso, extremaram a crise. São estes os parceiros
europeus a quem Gaspar se entrega com diligência."
quarta-feira, 6 de março de 2013
Silêncios
Texto de Rita Lello, actriz, hoje publicado no "Diário Económico"
Sabemos que o Executivo PSD/CDS dá neste momento contas à ‘troika’, que vai na sua 7ª avaliação;
Sabemos que o líder do parceiro da coligação anda pela Índia a
inaugurar ginásios e a fazer discursos que falam da necessidade de
muscular a economia portuguesa; sabemos que o Eurogrupo avalia o pedido
de extensão do prazo de pagamento da dívida de Portugal feito pelo
Governo no início do ano.
O que não sabemos é o que o Governo tem a dizer sobre a manifestação do dia 2 de Março.
Sabemos que nas ruas estiveram cerca de um milhão e meio de pessoas
pelos números da organização, números que ainda não foram desmentidos
formalmente; sabemos que o desemprego, a carga fiscal, os cortes na
Saúde e na Educação e o desmantelamento do Estado Social são o que levou
as pessoas ás ruas; sabemos que aquilo que a maioria dos manifestantes
exige é que Governo se vá embora.
Não sabemos é o que é que o Governo
pensa sobre o assunto, muito menos o que fará acerca disso.
Sabemos que por enquanto a expressão do descontentamento se tem feito
a cantar, que há carrinhos de bebé e crianças pequenas entre os
manifestantes e que os reformados vieram juntar-se ao coro em número
significativo. Mas, apesar da pacificidade dos protestos, o Governo
teima em, arrogante e desnorteado, não dar cavaco a quem o questiona.
Sabemos que somos a cada dia um povo mais informado, consciente e
revoltado com o que se passa no seu País e que o silêncio do Governo é
mais uma afronta à nossa inteligência, à nossa maturidade, aos nossos
direitos elementares e à Democracia.
Sabemos, pois, quais as exigências de quem tem o dever de fazer as
perguntas mas não fazemos ideia do que pensam aqueles que têm a
obrigação de lhes dar respostas.
Quanto ao Governo, se não sabe
devia saber que uma manifestação como a do dia 2 de Março "silenciosa" e
"triste" não significa ausência de discurso ou de coragem, significa
que o povo está, concentrado, a pensar."
terça-feira, 5 de março de 2013
Marginais de sábado
Texto de Paulo Morais, Professor universitário, hoje publicado no Correio da Manhã
"Os verdadeiros marginais no sábado foram os partidos, a classe política, os sindicatos e outras estruturas do regime.domingo, 3 de março de 2013
Indignação não é parvoíce
Texto de Fernando Santos hoje publicado no "Jornal de Noticias"
"A indignação de milhares e milhares de cidadãos polvilhou ontem ruas e
praças de dezenas de cidades portuguesas. Palavras de ordem incisivas e
cartazes tão originais quanto críticos das políticas de austeridade em
curso deram o colorido a manifestações de desagrado pelo modo como os
credores internacionais estão a impor um plano inclinado na qualidade de
vida nacional, acolitados por um governo e uma maioria parlamentar
agradecidos, obedientes - e ideologicamente identificados.
O
protesto sob o lema "Que se lixe a troika" fez a retoma da iniciativa de
15 de setembro do ano passado. Então como agora, a chamada sociedade
civil mandou às malvas o enquadramento político-partidário ou, até,
sindical - e deu asas a um sentimento genuíno de mal-estar e repulsa
pela orientação geral do país. Uma parte substancial do país já percebeu
não ter futuro, vive afetada pela pobreza e a degradação das condições
de vida dos seus próprios - ou próximos - núcleos familiares e tem,
pois, razões bastantes para pressionar a reorientação das políticas em
curso.
A virtude da existência de movimentos genuínos de protesto
não é negligenciável e, em certo ponto, é mesmo um sinal objetivo de
desapoio e desconfiança a quem dispõe da condução política do país, do
Parlamento ao Governo, mas sem ignorar também a Presidência da
República. Ontem, como em anteriores manifestações, dispondo os
contestatários de um acrescido valor: foram capazes de expressar o que
lhes vai na alma sem violência gratuita - houve meros arrufos. O
protesto civilizado, dentro de regras democráticas, bem pode mesmo
servir de fonte inspiradora a criadores de "pins" para uso (orgulhoso)
na lapela dos portugueses.
Há uma tendência natural para
estabelecer paralelismos entre o protesto de ontem e o de 15 de
setembro, inclusive pela apresentação de números. Uma tal propensão fica
entretanto condicionada por ambientes divergentes - mas de resultado
contestatário igual.
O protesto de 15 de setembro estava
alavancado pela patetice e o desastre de uma tentativa de dias antes do
Governo de anunciar a intenção de colocar os trabalhadores a
substituírem-se ao patronato no pagamento da Taxa Social Única. As
consciências abespinharam-se, incluindo a dos patrões, e o protesto foi
marcante no recuo de Passos Coelho. É certo, vingou-se mais tarde pela
apresentação de um enorme aumento de impostos, mas percebeu então a
força da rua.
Se se quiser: o protesto de ontem - agora com a
troika em Lisboa a saber se o Executivo cumpre o infernizar de vida aos
cidadãos como está programado - é uma sequela do saque fiscal iniciado
há dois meses e, por isso, dispôs de menos sangue a ferver. Mas não é
negligenciável e vai - tenhamos todos a certeza - gerar réplicas
próximas.
Só um tolo não acredita estarem "afinadas" decisões para
o famoso corte de quatro mil milhões de euros, e cujo anúncio ficou
congelado pela manifestação de ontem. Troika e Governo não são parvos,
mas estão enganados quando se acham convencidos de que a parvoíce está
alojada nos cidadãos vulgares."
Avaliação? Que avaliação?
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
"1 Eu percebo que uma visita a Lisboa é sempre
agradável. Está um sol bonito, é fácil arranjar mesa nos restaurantes e
há pouco trânsito nas estradas.
Não admira que os elementos da troika aterrem com um ar alegre e bem
disposto na Portela. Qual de nós desprezaria uns dias de férias? Está
bem. Há umas reuniões com uns tipos não muito contentes com o memorando
que está a ser seguido e umas manifestações na rua, mas a maioria das
conversas é com a rapaziada do Governo que gosta mais do dito memorando
do que os próprios senhores da troika.
Agora, é capaz de ser um bocado despesista trazer a equipa troikista a
Portugal. Dizem que é para avaliar o plano, ver como as coisas estão a
correr. Para isso não era preciso darem-se ao trabalho de cá vir: está
tudo a correr de acordo com o plano.
O plano, o plano que era tão bom, tão bom que mesmo que a troika não o
tivesse sugerido Passos Coelho o tinha imposto. Melhor, o plano era
genial, mas era preciso mais. Mais dureza, mais austeridade, mais
revolução. A malandragem que tinha vivido entre taças de champanhe e
viagens a Cancun tinha de ser castigada, os sectores que alguém decidiu
serem obsoletos tinham de ser rapidamente extintos. O homem ou se
transformava em homem novo, em herói do trabalho (nada de profissões
supérfluas tipo pedreiro ou historiador) ou seria dispensável.
Não era preciso incomodarem--se a vir cá: o processo está em curso.
Podíamos mandar uma folhinha de Excel com os dados da recessão, com os
números do desemprego, com os volumes de investimento, com as falências,
com a quantidade de portugueses a emigrar. Pois, são os resultados do
plano. A realidade, a realidade que tantas vezes tem sido confrontada
com planos revolucionários e que teima em ganhar-lhes sempre.
Dizem-nos que esta avaliação é a mais importante.
Qual avaliação? Isto não é avaliação nenhuma. A avaliação está aí,
para toda a gente ver. Vê-se nas ruas, ouve-se nos telefonemas dos
amigos desesperados, sente-se nos rostos com medo, mede-se nas filas dos
institutos de emprego e nas das embaixadas dos novos eldorados.
Qual avaliação? Isto é como ir fazer um exame e nem se ter lido o
manual. Até pode ser que o professor passe o aluno, mas aí percebemos
logo que não é o aluno que está a ser avaliado: é o professor que sabe
que não ensinou a matéria.
Não é de agora, mas já percebemos que a troika não avalia o programa,
avalia-se a si própria. O pior é que as boas notas que dá a si própria
reflectem-se na vida de milhões de homens e mulheres. Uma coisa do
género: a minha boa figura é mais importante do que umas centenas de
milhares de desempregados.
Éramos a última esperança, não era? Podia ser que as outras cobaias
não fossem as cobaias certas. Nós até tínhamos fama de calmos, de
sofredores calados, de pau para toda a obra. Nem assim. Pois, não há
cobaia que consiga sobreviver quando lhe dão com uma marreta de duas
toneladas na cabeça.
Qual avaliação? Isto é gozar com a nossa cara. Mas a falta de
vergonha não tem limites. Que ninguém fique surpreendido se o ministro
das Finanças acompanhado dum funcionário troikista nos vier dizer que
passamos em mais este exame. Num acto de incomensurável modéstia, pode
aceitar uns pequenos ajustamentos no plano, nada de substancial, uns
detalhes. Até pode ser que nos dê os parabéns, que nos congratule pelo
facto de o nosso esforço estar a dar resultados. Pode ser mesmo que nos
ache assim tão estúpidos, tão cegos, tão incapazes duma reacção.
2 Segundo alguns, o facto de termos na lei de limitação
de mandatos um "de" ou um "da" atrás da presidência da câmara ou da
junta faz toda a diferença. Ou seja, parece que sendo "da" câmara já não
há problema nenhum: já não é preciso renovação nenhuma da classe
política, já não há problema nenhum com as cumplicidades inevitavelmente
geradas com longos períodos no poder. Fica tudo bem.
Um presidente pode ser doze anos presidente "da" Câmara de Oeiras,
mais doze anos presidente "da" Câmara de Sintra, mais doze anos
presidente "da" Câmara da Amadora, mais doze "da" de Cascais e mais doze
"da" de Lisboa.
Claro que sim. Não há problema nenhum. E nós comemos gelados com a
testa e vamos votar em gente que nos quer aldrabar desta maneira.
Continuem assim e até aqui, em Portugal, Grillos com dois eles cantarão.
3 O maior inimigo da democracia não são as más escolhas
populares, são as não escolhas. O maior perigo para uma comunidade é a
indiferença, a apatia, a resignação. Uma comunidade que não protesta,
que não se manifesta, está morta, já nem de escolher é capaz. Uma
comunidade que protesta, que se indigna, pode estar cheia de problemas,
mas ainda está viva."
sábado, 2 de março de 2013
Da rua da amargura à avenida da liberdade
Texto de Joana Amaral Dias hoje publicado no "i" online
"Vou à manifestação porque recuso o cada um por si, a dispersão e a
ruptura dos laços que nos tem arruinado, que é o princípio do fim e o
pasto da barbárie
Foto do "i" |
“Porque vais à manifestação?” tem milhares de respostas e mais um dia, é pelo agora e pelo depois, pela Europa, pelo Estado social, pelo emprego, pela dignidade e, claro, pela liberdade. Aliás, hoje, só por ela já valeria a pena, demonstrada que está a tentativa de intimidação. Mas ir é também fazê-lo por todos aqueles que não podem, os esbulhados da luta e todos os desapossados das suas capacidades, os tantos que acreditam que já não acreditam, os omitidos nos lares, os invisíveis pela deficiência, os que estão em recolher obrigatório ou em prisão domiciliária forçada porque o trabalho não dá para mais ou nem lhes dá nada, todos os exilados, os cilindrados pelo tempo extorquido, os que chegam à escola sem pequeno-almoço, os que já nem vão à escola, os que racionam a sua saúde, os que já estão há tanto tempo a viver na rua que não encontram a porta de saída. Vou à manifestação porque recuso o cada um por si, a dispersão e a ruptura dos laços que nos tem arruinado, que é o princípio do fim e o pasto da barbárie. Vou porque um início é isto, um começo é assim - erguer vínculos, gerar parentescos e resgatar a acção. Hoje não tenho nada melhor para fazer."
Muitas razões para 'grandolar'
Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Ficámos ontem a
saber, através do insuspeito Eurostat, que a taxa de desemprego em
Portugal voltou a subir em janeiro, cifrando-se agora nos 17,6%. Isto é,
quase um milhão de portugueses contabilizados sem trabalho, o que
significa mais de milhão e meio de desempregados reais. A evidência é
tal que o ministro da Economia já admitiu o falhanço. Paulo Portas foi
mais longe e assegurou que "só uma pessoa que não está no seu são juízo é
que diz que está tudo bem". Porém, há precisamente uma semana, o
primeiro-ministro garantia em Viena estarmos "na direção correta" e não
existir "necessidade de alterar a trajetória".
Se outros motivos
não existissem, o autismo e a obstinação que conduzem Pedro Passos
Coelho à negação permanente da realidade seriam razões de sobra para que
um mar de gente saísse à rua, no exercício legítimo de "um sobressalto
cívico". Ontem como hoje, as palavras de Cavaco Silva a 9 de março de
2011 em que incentivava à indignação da sociedade civil e desafiava os
jovens para que fizessem "ouvir a vossa voz porque este é o vosso tempo"
não podiam ser mais adequadas. A diferença é que hoje, além de estar
sitiado em Belém (de onde não sai há um mês), o Presidente da República,
cujo maior poder é o da palavra, mantem o silêncio preferindo
entreter-se a distribuir medalhas ou com questões de semântica jurídica.
A
Grândola voltou pois à rua num tempo assim. Em que o desemprego
continua a aumentar, em que os portugueses são acusados de pieguice e em
que os jovens são convidados a emigrar, em que o confisco e o assalto
fiscal são a receita de quem está no poder, em que se faz no Governo
exatamente o contrário daquilo que se havia prometido na oposição de
forma impune, em que a economia está feita em cacos, em que as previsões
são corrigidas à velocidade meteórica de quem muda de camisa mostrando
cada vez mais que os brutais sacrifícios exigidos não valem a pena, em
que dentro dos próprios partidos da maioria são cada vez mais os que
acusam o ministro das Finanças de estar a levar o País à ruína.
Perante
os factos, o primeiro--ministro responde com apelos à "serenidade" e
classifica como "radicalização" a indignação legítima de quem protesta
seguindo a máxima de que "a cantiga é uma arma". Uma espécie de variação
em "Pedro menor" do "nós ou o caos" cavaquista.
As reações aos
protestos dos últimos dias têm revelado, aliás, uma estranha comunhão de
pontos de vista entre sociais-democratas, centristas e... socialistas.
Todos, ou quase todos, saíram em defesa de Miguel Relvas após a
grandolada no ISCTE falando em "atentados à liberdade de expressão" e à
"democracia". Mas então a democracia esgota-se no momento em que
votamos? O protesto, a expressão pública do descontentamento, o
"sobressalto cívico" defendido em tempos por Cavaco não são também um
exercício democrático? E alguém "no seu são juízo" acredita mesmo que se
atentou contra a liberdade de expressão? Mas não pode um ministro falar
quando quer, como quer e onde quer? É evidente que pode e é óbvio que a
democracia é tudo isto. Ou será que preferiam umas boas pedradas ou
montras partidas à la grega em vez das manifestações pacíficas
enquadradas pela Grândola, vila morena de Zeca Afonso? Aí, sim, estariam
em causa as liberdades democráticas.
E de uma coisa tenhamos
todos a certeza. É impossível governar, com ou sem memorando de
entendimento para cumprir, contra a vontade e a revolta de um povo quase
inteiro. Como defenderam esta semana Jorge Coelho e António Pires de
Lima, numa conferência promovida pela TSF, é chegado o tempo de dizer à
troika que a receita da austeridade falhou, que após quase 20 meses de
sacrifícios brutais os portugueses não aguentam mais e de impor ao FMI,
ao BCE e à Comissão Europeia um "memorando para o crescimento e o
emprego" e o fim da escravatura fiscal a que estamos sujeitos.
Não
o fazer é ignorar o sentimento do País. E é bom que o Presidente da
República, a quem compete também ler os sinais, esteja atento e os saiba
interpretar. Sob pena de, um dia destes, as grandoladas darem lugar ao
caos social e à rutura. E o descontentamento e desencanto com os
políticos e as políticas conduzam, como em Itália, ao voto maciço num
palhaço."
O mistério pós-manif
Texto de Henrique Monteiro hoje publicado na edição online do "Expresso".
"Não tenho dúvidas de que a manifestação de hoje será grande. Enorme! Cada um tem as suas amostragens, mas a minha é surpreendente. Pessoas que nunca imaginei lá porem os pés, vão. Algumas com muita convicção, outras como quem vai a um picnic. Mas vão!
Se tudo correr bem (e entendo por correr bem não haver pequenos grupos provocadores violentos nem exageros policiais) há um enorme mistério que me ocorre: o que vai fazer o Governo? E o que vai fazer o Presidente?
No pós-manif de 15 de setembro do ano passado o Governo recuou na proposta da TSU. As coisas não melhoraram, mas pelo menos acalmaram. E agora? Vai recuar? Em quê? Limita-se a dizer que vai conseguir mais tempo para pagar a dívida (o que deve ficar definido já na segunda feira)? Foi por causa disso que escondeu o corte de quatro mil milhões que devia estar decidido até ao fim de Fevereiro? Poderá haver uma boa (ou menos má) notícia? Não creio.
E se a manifestação for mesmo enorme, como prevejo, será que o Presidente da República sai do torpor em que parece viver para partilhar com os seus concidadãos um pensamento, uma estratégia, um aceno de simpatia, que seja?
Hoje é um dia mau para o Governo. Não que eu espere que saia algo concreto da manifestação, mas porque perante o que deve ser um mar de gente o país voltará a verificar que os seus dirigentes não têm estratégia nem rumo. Estão gastos.
Veremos..."
sexta-feira, 1 de março de 2013
Os empresários portugueses e a "maminha" das tetas sagradas da vaca do Estado
Texto de João Lemos Esteves hoje publicado na edição online do "Expresso".
2. E depois quem paga a factura? Os portugueses, claro. Os cidadãos comuns a quem o Estado não dá "maminha. Pelo contrário: o Estado vive à "mama" do nível brutal de impostos que cobra a todos nós, sem que tenhamos qualquer contrapartida em termos de excelência dos serviços públicos prestados. Não só pagamos impostos, não só somos alvo de um verdadeiro confisco fiscal, como teremos de pagar mais para beneficiar dos serviços estatais de saúde e educação. Ele é impostos, ele é taxas, ele é contribuições especiais. Ao fim e ao resto, em Portugal, quase que se paga para trabalhar! Mas, claro, que vivemos todos à mama do Estado! O culpado da crise somos nós...claro que sim!
3.Claro que para Alexandre Soares dos Santos é muito fácil falar. Perante o confisco fiscal levado a cabo pelo Governo Passos Coelho, Soares dos Santos transfere o seu dinheirinho para uma conta off-shore e vai acumulando a sua riqueza. Muito bem: investiu, ganhou o seu lucro e agora disfruta desse lucro. A maioria dos portugueses também gostaria de ter o ordenado que recebem depois de um mês intenso de trabalho livre de impostos, gostava de acumular numa off-shore para depois viver à grande. Ou o Dr. Alexandre Soares dos Santos acha que os portugueses gostam de ser pobres? Eu próprio gostaria de mamar na mesma teta de Alexandre Soares dos Santos: ganhava o meu dinheiro, dava-me com todos os Governos, pirava-me com o dinheiro antes de pagar impostos. E depois pregava a moral de bom cidadão aos portugueses.
4. Pois, mas este Governo, que se diz liberal, a única política que consegue executar é a de aumento de impostos. Eu é que sou "mamado" pelo Estado. E, no fim do mês", Dr. Alexandre Soares dos Santos, a "vaca" não sou eu? A "vaca" das maminhas económico-financeiras não somos nós, portugueses comuns? Confirma-se: todas as vacas são iguais, mas umas são mais iguais do que outras...Para alguns, as maninhas do Estado dão, apenas, um pingo (muito) doce."