Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Passos Coelho,
que no início do seu mandato jurou a pés juntos nunca ir desculpar-se
com o passado, passou o debate parlamentar da última quarta-feira a
fazê-lo.
Nada de muito surpreendente, não sobra mais nada que se
assemelhe, sequer vagamente, a discurso político. O slogan do "vamos
atingir os 4,5% de défice custe o que custar" morreu e a bravata do "nem
mais tempo nem mais dinheiro" soçobrou à realidade. Já não há metas nem
luzes ao fundo do túnel para apontar. Não há reforma digna desse nome,
não há dado que não grite o falhanço absoluto do Governo e do plano
europeu, que era, como foi repetido, o seu próprio. Nada bateu certo,
tudo ficou muito pior.
Com o desaparecimento das narrativas o
discurso, que já não era propriamente fluente nem bem estruturado,
tornou-se errático, sem sentido. Atiram-se simplesmente uns assuntos
para o ar.
Invocam-se os cortes de 4000 milhões de euros que o
Estado francês vai fazer para justificar os cortes do mesmo valor que o
Governo português tenciona realizar. Uma comparação destas, aliás, só
pode ter sido feita por má-fé ou por pura ignorância. Só alguém muito
distraído pode acreditar que cortes deste valor em França e em Portugal
têm os mesmos efeitos. Alguém que ignore que cortar 4000 milhões de
euros no Estado social francês e português não é a mesma coisa. Alguém
que não conheça a extensão do Estado Social português e francês. Alguém
que não saiba a diferença entre os salários, pensões e prestações
sociais em Portugal e em França. De facto, é difícil acreditar que um
primeiro-ministro desconhece estas realidades.
Faz-se um discurso
sobre o valor do salário mínimo que apenas nos recorda o distanciamento
do primeiro-ministro face à realidade das empresas portuguesas e o
desconhecimento sobre as razões dos números do desemprego. Disse Passos
Coelho que, apesar de não o tencionar baixar, acreditava que o
desemprego baixaria se existisse uma redução do salário mínimo.
Não
há empresário que possa dizer com verdade ao primeiro-ministro que a
sua quinquagésima fonte de preocupação é o valor do salário mínimo.
Falarão do custo de electricidade, água, gás; falarão da incomportável
carga fiscal; falarão da burocracia, dos licenciamentos e afins; mas
sobretudo falarão da impossibilidade de se financiarem e da falta de
clientes. Em termos muito simples: não havendo crédito para as empresas
funcionarem nem clientes para se vender os produtos não há postos de
trabalho. Não existirá um único empresário digno desse nome que lhe
diga que se o salário mínimo, com o actual valor, diminuir contratará
mais trabalhadores. Mais, existirão seguramente muitos empresários a
pedir para que se aumente o salário mínimo como forma de aumentar a
procura interna, que, convém recordar, é importante tanto para as
empresas que trabalham para o mercado interno como para as que exportam.
Pode haver uns senhores, que de empresários só terão o nome no
cartão de visita, que digam que uma diminuição do salário mínimo lhes
permitirá manter as suas empresas no mercado. É muito simples: uma
empresa que baseie o seu modelo de negócio em baixos salários, no limite
precise que estes sejam ainda mais baixos do que 485 euros, já está
morta. Como diria o Presidente da Republica, citando talvez La Palisse,
"não é com baixos salários que se garante a competitividade das
empresas". Existirão sempre Chinas. Um país como Portugal se quer
assinar a sua sentença de morte económica basta-lhe apostar num modelo
baseado em baixos salários, em baixas qualificações, em produtos com
pouco valor acrescentado. O empobrecimento é apenas um dos passos para
essa morte.
Já não há discurso. Sobram estes pedaços de coisa nenhuma, desligados de qualquer estratégia ou rumo.
Resta
o passado. Vamos nos próximos tempos ouvir falar muito dos erros do
passado, e, como bem sabemos, é um tema sem fim. Foram muitos. No
passado recente, no menos recente, no ainda menos recente, no início do
processo democrático, no Estado Novo, e por aí fora.
Mas é, no
fundo, a admissão da derrota. Quando se desiste de lutar, quando não se é
capaz de encontrar soluções, há sempre o passado para culpar. O
passado, em política, é o último refúgio do fracasso."
domingo, 10 de março de 2013
Há sempre o passado
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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