Texto de Fernanda Câncio hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Presidente da República ainda se escreve com maiúsculas. Mas se o novo AO não
mudou isso, o atual detentor do cargo está empenhado em reduzi-lo a
paródia e opróbrio. Após meses de silêncio tão inexplicável que a piada
mais frequente do Twitter era compará-lo ao moribundo Chávez, Cavaco
emergiu à porta de uma fábrica de moagem para, em autêntica conferência
de imprensa, moer-nos o que nos resta de paciência com os habituais e
penosos autoelogios e autorreferenciações, mais as pusilanimidades e
mesquinhices costumeiras.
Que já disse tudo na mensagem de Ano
Novo, que trabalha dez horas por dia (vá lá, não se queixou outra vez de
ganhar pouco), que "tem informação que mais ninguém tem e experiência
que mais ninguém tem", que o Governo finalmente fez o que ele defende
mas que não lhe dá ouvidos como devia, etc. E, finalmente, que "as
pessoas que se manifestam no respeito pelas leis da República devem ser
ouvidas". Cavaco, pelos vistos, não reparou que o que se ouviu mais na
manifestação de 2 de março foi o silêncio. À exceção da Grândola e da
enorme vaia que o teve como destinatário, um silêncio exasperado,
soturno, de quem cerra dentes e punhos, de quem já não sabe o que
gritar. Não reparou, ocupado que está na sua esgotante jornada de
trabalho, que quem saiu à rua no dia 2 foi a maioria silenciosa, a que
nunca ou raramente sai, a que nunca ou raramente se manifesta e nem sabe
bem como se faz. Para dizer que está farta do processo revolucionário
em curso e que exige ao garante de regular funcionamento das
instituições que ponha cobro a este sequestro da vontade popular
expressa no voto. A esta burla perpetrada com o alto patrocínio de um
presidente que, no discurso de tomada de posse, há dois anos, exortou
todos a saírem à rua contra o Governo PS por se ter "ultrapassado o
limite dos sacrifícios" e hoje, perante o décuplo desses sacrifícios,
alega a crise europeia (que antes ignorou) e se refugia no seu palácio
cor-de-rosa, nem já no Facebook dando cavaco.
Sim, este PR sabe
coisas que mais ninguém sabe, vê coisas que mais ninguém vê. Como Gaspar
e Passos, não vê o que todos vemos, mas por razões diferentes - eles
são fanáticos perigosos (como todos os fanáticos), ele é um
desavergonhado taticista que passa as ditas dez horas e todas as outras a
fazer contas de cabeça sobre como tirar o máximo de proveito de cada
situação. E que, no cúmulo da sua não noção, do insulto ao País que
desgraçadamente lhe confiou o último recurso, se entretém a escrever
roteiros "para presidentes em tempo de crise". Que magnífica ideia,
senhor professor, clamaram, em coro, os assessores, a bater palminhas:
"Que lindo testemunho para a história." E é. O livrinho há de expor,
malgré o autor, o roteiro que nos trouxe aqui. Arquitetado por um
presidente de prefácios, que crê ter sido eleito para jogar xadrez com
os portugueses, lixando-se para tudo menos ele."
sexta-feira, 8 de março de 2013
Ele e mais ninguém
Etiquetas:
cavaco silva
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