Texto de Tiago Mesquita, publicado no seu blogue "100 reféns" no "Expresso"
Desta feita, a intervenção não foi à porta de uma fábrica de moer cereais. Foi através da única coisa que une verdadeiramente o Presidente da República Cavaco Silva à nação: a internet. Ou melhor, a página oficial de facebook do Presidente Emérito. Rezava assim, no dia de ontem:
"No próximo dia 9 de Março, data em que completo o
segundo ano do meu segundo mandato, divulgarei, na página da
Presidência da República na Internet, o texto do Prefácio do livro
"Roteiros VII", que reúne as intervenções mais significativas que
produzi naquele período. Este ano, o Prefácio diz respeito ao modo
como deve actuar um Presidente da República em tempos de grave crise
económica e financeira, como aquela em que Portugal tem estado
mergulhado nos últimos anos."
Em primeiro lugar, percebe-se agora a vida de
reclusão do Presidente - estava a escrever e, provavelmente, não queria
desconcentrar-se. E um país a afundar pode ser inconveniente. Uma
distração à criação literária. De destacar ainda que o Presidente vai finalmente elucidar-nos sobre a forma como deveria ter actuado e não actuou.
Vai explicar-nos como deveria ter limitado a actuação de sucessivos
governos incompetentes, evitando, talvez, o ponto de ruptura financeira,
económica e social a que chegámos. Estou certo de que fará um mea culpa.
Assistiu, impávido e sereno, à destruição de um país graças à livre e
lesiva actuação de fracos políticos, escavacando-se também ele no
processo. É, por isso, corresponsável pelo "escavacanço" generalizado.
Das instituições, da política, dos valores, da vida das pessoas.
Majestaticamente aninhado no seu palácio, viu muitos
dos seus acólitos, alguns amigos pessoais, destruírem uma nação. Nunca
lhe ouvimos uma palavra sobre o assunto. Fez exactamente o contrário. Há
sarcófagos, espalhados em museus por esse mundo fora, com "intervenções
[bem] mais significativas" do que as produz Cavaco Silva.
Cavaco praticou uma magistratura passiva. A
actividade presidencial pode ser medida pelas aparições sua página
oficial no Facebook. Enquanto o país ardia política e socialmente e este
se encontrava no estrangeiro, dizia que não falava de assuntos de
política interna durante as deslocações ao exterior. Quando, em
Portugal, ia visitar as Minas da Panasqueira, mesmo que no Parlamento
andasse tudo ao estalo, respondia que durante esse dia só falava de
volfrâmio e outros minerais. Enfim...
Na verdade, ninguém está interessado em saber como
Cavaco acha que deve actuar um Presidente em tempos de crise. E pela
simples razão de que ninguém acha que ele actue, tenha actuado ou vá
actuar alguma vez na vida. E quanto maior a crise, mais inanimado fica.
Escavacado que está, mais ou menos escavacado ficará. Conseguiu,
contudo, provar algo aos portugueses: é possível sobrevivermos sem um Presidente da República."
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