Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
"1 Eu percebo que uma visita a Lisboa é sempre
agradável. Está um sol bonito, é fácil arranjar mesa nos restaurantes e
há pouco trânsito nas estradas.
Não admira que os elementos da troika aterrem com um ar alegre e bem
disposto na Portela. Qual de nós desprezaria uns dias de férias? Está
bem. Há umas reuniões com uns tipos não muito contentes com o memorando
que está a ser seguido e umas manifestações na rua, mas a maioria das
conversas é com a rapaziada do Governo que gosta mais do dito memorando
do que os próprios senhores da troika.
Agora, é capaz de ser um bocado despesista trazer a equipa troikista a
Portugal. Dizem que é para avaliar o plano, ver como as coisas estão a
correr. Para isso não era preciso darem-se ao trabalho de cá vir: está
tudo a correr de acordo com o plano.
O plano, o plano que era tão bom, tão bom que mesmo que a troika não o
tivesse sugerido Passos Coelho o tinha imposto. Melhor, o plano era
genial, mas era preciso mais. Mais dureza, mais austeridade, mais
revolução. A malandragem que tinha vivido entre taças de champanhe e
viagens a Cancun tinha de ser castigada, os sectores que alguém decidiu
serem obsoletos tinham de ser rapidamente extintos. O homem ou se
transformava em homem novo, em herói do trabalho (nada de profissões
supérfluas tipo pedreiro ou historiador) ou seria dispensável.
Não era preciso incomodarem--se a vir cá: o processo está em curso.
Podíamos mandar uma folhinha de Excel com os dados da recessão, com os
números do desemprego, com os volumes de investimento, com as falências,
com a quantidade de portugueses a emigrar. Pois, são os resultados do
plano. A realidade, a realidade que tantas vezes tem sido confrontada
com planos revolucionários e que teima em ganhar-lhes sempre.
Dizem-nos que esta avaliação é a mais importante.
Qual avaliação? Isto não é avaliação nenhuma. A avaliação está aí,
para toda a gente ver. Vê-se nas ruas, ouve-se nos telefonemas dos
amigos desesperados, sente-se nos rostos com medo, mede-se nas filas dos
institutos de emprego e nas das embaixadas dos novos eldorados.
Qual avaliação? Isto é como ir fazer um exame e nem se ter lido o
manual. Até pode ser que o professor passe o aluno, mas aí percebemos
logo que não é o aluno que está a ser avaliado: é o professor que sabe
que não ensinou a matéria.
Não é de agora, mas já percebemos que a troika não avalia o programa,
avalia-se a si própria. O pior é que as boas notas que dá a si própria
reflectem-se na vida de milhões de homens e mulheres. Uma coisa do
género: a minha boa figura é mais importante do que umas centenas de
milhares de desempregados.
Éramos a última esperança, não era? Podia ser que as outras cobaias
não fossem as cobaias certas. Nós até tínhamos fama de calmos, de
sofredores calados, de pau para toda a obra. Nem assim. Pois, não há
cobaia que consiga sobreviver quando lhe dão com uma marreta de duas
toneladas na cabeça.
Qual avaliação? Isto é gozar com a nossa cara. Mas a falta de
vergonha não tem limites. Que ninguém fique surpreendido se o ministro
das Finanças acompanhado dum funcionário troikista nos vier dizer que
passamos em mais este exame. Num acto de incomensurável modéstia, pode
aceitar uns pequenos ajustamentos no plano, nada de substancial, uns
detalhes. Até pode ser que nos dê os parabéns, que nos congratule pelo
facto de o nosso esforço estar a dar resultados. Pode ser mesmo que nos
ache assim tão estúpidos, tão cegos, tão incapazes duma reacção.
2 Segundo alguns, o facto de termos na lei de limitação
de mandatos um "de" ou um "da" atrás da presidência da câmara ou da
junta faz toda a diferença. Ou seja, parece que sendo "da" câmara já não
há problema nenhum: já não é preciso renovação nenhuma da classe
política, já não há problema nenhum com as cumplicidades inevitavelmente
geradas com longos períodos no poder. Fica tudo bem.
Um presidente pode ser doze anos presidente "da" Câmara de Oeiras,
mais doze anos presidente "da" Câmara de Sintra, mais doze anos
presidente "da" Câmara da Amadora, mais doze "da" de Cascais e mais doze
"da" de Lisboa.
Claro que sim. Não há problema nenhum. E nós comemos gelados com a
testa e vamos votar em gente que nos quer aldrabar desta maneira.
Continuem assim e até aqui, em Portugal, Grillos com dois eles cantarão.
3 O maior inimigo da democracia não são as más escolhas
populares, são as não escolhas. O maior perigo para uma comunidade é a
indiferença, a apatia, a resignação. Uma comunidade que não protesta,
que não se manifesta, está morta, já nem de escolher é capaz. Uma
comunidade que protesta, que se indigna, pode estar cheia de problemas,
mas ainda está viva."
domingo, 3 de março de 2013
Avaliação? Que avaliação?
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