Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Ficámos ontem a
saber, através do insuspeito Eurostat, que a taxa de desemprego em
Portugal voltou a subir em janeiro, cifrando-se agora nos 17,6%. Isto é,
quase um milhão de portugueses contabilizados sem trabalho, o que
significa mais de milhão e meio de desempregados reais. A evidência é
tal que o ministro da Economia já admitiu o falhanço. Paulo Portas foi
mais longe e assegurou que "só uma pessoa que não está no seu são juízo é
que diz que está tudo bem". Porém, há precisamente uma semana, o
primeiro-ministro garantia em Viena estarmos "na direção correta" e não
existir "necessidade de alterar a trajetória".
Se outros motivos
não existissem, o autismo e a obstinação que conduzem Pedro Passos
Coelho à negação permanente da realidade seriam razões de sobra para que
um mar de gente saísse à rua, no exercício legítimo de "um sobressalto
cívico". Ontem como hoje, as palavras de Cavaco Silva a 9 de março de
2011 em que incentivava à indignação da sociedade civil e desafiava os
jovens para que fizessem "ouvir a vossa voz porque este é o vosso tempo"
não podiam ser mais adequadas. A diferença é que hoje, além de estar
sitiado em Belém (de onde não sai há um mês), o Presidente da República,
cujo maior poder é o da palavra, mantem o silêncio preferindo
entreter-se a distribuir medalhas ou com questões de semântica jurídica.
A
Grândola voltou pois à rua num tempo assim. Em que o desemprego
continua a aumentar, em que os portugueses são acusados de pieguice e em
que os jovens são convidados a emigrar, em que o confisco e o assalto
fiscal são a receita de quem está no poder, em que se faz no Governo
exatamente o contrário daquilo que se havia prometido na oposição de
forma impune, em que a economia está feita em cacos, em que as previsões
são corrigidas à velocidade meteórica de quem muda de camisa mostrando
cada vez mais que os brutais sacrifícios exigidos não valem a pena, em
que dentro dos próprios partidos da maioria são cada vez mais os que
acusam o ministro das Finanças de estar a levar o País à ruína.
Perante
os factos, o primeiro--ministro responde com apelos à "serenidade" e
classifica como "radicalização" a indignação legítima de quem protesta
seguindo a máxima de que "a cantiga é uma arma". Uma espécie de variação
em "Pedro menor" do "nós ou o caos" cavaquista.
As reações aos
protestos dos últimos dias têm revelado, aliás, uma estranha comunhão de
pontos de vista entre sociais-democratas, centristas e... socialistas.
Todos, ou quase todos, saíram em defesa de Miguel Relvas após a
grandolada no ISCTE falando em "atentados à liberdade de expressão" e à
"democracia". Mas então a democracia esgota-se no momento em que
votamos? O protesto, a expressão pública do descontentamento, o
"sobressalto cívico" defendido em tempos por Cavaco não são também um
exercício democrático? E alguém "no seu são juízo" acredita mesmo que se
atentou contra a liberdade de expressão? Mas não pode um ministro falar
quando quer, como quer e onde quer? É evidente que pode e é óbvio que a
democracia é tudo isto. Ou será que preferiam umas boas pedradas ou
montras partidas à la grega em vez das manifestações pacíficas
enquadradas pela Grândola, vila morena de Zeca Afonso? Aí, sim, estariam
em causa as liberdades democráticas.
E de uma coisa tenhamos
todos a certeza. É impossível governar, com ou sem memorando de
entendimento para cumprir, contra a vontade e a revolta de um povo quase
inteiro. Como defenderam esta semana Jorge Coelho e António Pires de
Lima, numa conferência promovida pela TSF, é chegado o tempo de dizer à
troika que a receita da austeridade falhou, que após quase 20 meses de
sacrifícios brutais os portugueses não aguentam mais e de impor ao FMI,
ao BCE e à Comissão Europeia um "memorando para o crescimento e o
emprego" e o fim da escravatura fiscal a que estamos sujeitos.
Não
o fazer é ignorar o sentimento do País. E é bom que o Presidente da
República, a quem compete também ler os sinais, esteja atento e os saiba
interpretar. Sob pena de, um dia destes, as grandoladas darem lugar ao
caos social e à rutura. E o descontentamento e desencanto com os
políticos e as políticas conduzam, como em Itália, ao voto maciço num
palhaço."
sábado, 2 de março de 2013
Muitas razões para 'grandolar'
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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