Texto de Bruno Proença hoje publicado no "Diário Económico"
"O primeiro-ministro fala hoje ao País para apresentar as
medidas que vão garantir os cortes de 4,7 mil milhões de euros entre o
próximo ano e 2016.
O primeiro-ministro fala hoje ao País para apresentar as medidas
que vão garantir os cortes de 4,7 mil milhões de euros entre o próximo
ano e 2016. O Diário Económico já antecipou algumas das medidas e os
alvos são óbvios: funcionários públicos e pensionistas. Será que poderia
ser de outra forma? Nos alvos, não. Na metodologia, sim. O problema não
está no onde, está no como. Provavelmente, vai-se perder uma
oportunidade histórica para fazer a reforma que o Estado necessita.
O sector privado já fez grande parte do ajustamento. O excedente
no saldo externo, alcançado em 2012 e que se deve prolongar nos próximos
anos, é a prova disso. A recessão profunda, as múltiplas falências e o
desemprego recorde são a factura do ajustamento à bruta que as
empresas e os trabalhadores do privado foram obrigados a fazer. Com a
chegada da ‘troika' fechou-se o crédito bancário e a carga fiscal
disparou nos últimos dois anos - primeiro o IVA e depois IRS, IRC e
IMI.
No sector público ainda há muito por fazer. Desde logo, o défice
orçamental continua acima dos 6% do PIB e a dívida pública está nos 200
mil milhões de euros, mais de 120% do produto. O grande desequilíbrio da
economia nacional ainda está no Estado. Sem a possibilidade de
continuar a subir os impostos - a receita favorita de Vítor Gaspar -,
resta atacar a despesa pública. E isto, implica afectar funcionários
públicos e prestações sociais, que correspondem a mais de três quartos
dos gastos da Administração Pública.
Até agora, o Governo tem seguido uma estratégia para a despesa
pública: atacar tudo por igual. Os funcionários públicos já sofreram
cortes nos seus rendimentos de forma transversal. Não há distinção entre
quem é necessário e quem está a mais. Esqueceram a meritocracia. O
Executivo argumenta que os funcionários públicos têm mais direitos e
ganham mais do que o equivalente no privado, pelo que há que acelerar o
processo de convergência. Não faz muito sentido. O Estado não é igual ao
sector privado. Funções como a Justiça, a segurança interna e externa, a
cobrança de impostos, a representação externa do País não são
privatizáveis. Logicamente, estes funcionários públicos devem ter um
estatuto especial e provavelmente um salário superior. Mesmo em áreas
como a educação e a saúde, o Estado quer continuar a ter uma palavra
pelas externalidades positivas que trazem para o País.
Pedro Passos Coelho e o seu Governo preparam-se para perpetuar o
erro. Hoje, o primeiro-ministro deve anunciar mais medidas transversais
para os funcionários públicos: mais horas de trabalho e menos férias,
mais gente empurrada para a mobilidade especial e menos rendimento. Não é
o caminho certo. Desta forma, desvaloriza-se toda a Administração
Pública. Os bons e os maus, os esforçados e os preguiçosos, os
dedicados e os conformados.
O Executivo está a seguir a estratégia mais fácil porque perdeu
dois anos cruciais para fazer uma reforma do Estado com pés e cabeça.
Primeiro, há que definir as áreas prioritárias, modernizando os
serviços, apostando nas pessoas, dando mais formação e melhores
remunerações. Segundo, escolher as áreas onde o Estado não deve estar e
privatizar. Sair, ponto final.
Só a avaliação dos funcionários e a meritocracia devia ser
transversal à Administração Pública. Gerir é escolher. A política deve
ser tomar decisões, mesmo que difíceis.
Pedro Passos Coelho perde uma oportunidade histórica porque,
perante a crise profunda, os portugueses estavam dispostos a debater e a
aceitar uma reforma profunda do Estado. O Governo perdeu tempo e
desperdiçou o seu crédito político. Agora vai propor um conjunto de
medidas que vão provocar muita dor mas que não mudam o paradigma.
Provavelmente, vai sofrer muita contestação e muitas medidas vão morrer
pelo caminho. O primeiro-ministro não esteve à altura das
circunstâncias."
sexta-feira, 3 de maio de 2013
A estratégia errada para a reforma do Estado
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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