Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
"Vinte mil,
trinta mil, cinquenta mil. Não passa um dia sem que apareça uma nova
versão sobre quantos serão os funcionários públicos a despedir. E não
vale a pena lembrar as palavras enfaticamente proferidas pelo ministro
Portas sobre "as rescisões serem de mútuo acordo". São pura e
simplesmente despedimentos, como todos sabemos, inclusive o líder do
CDS. Não há necessidade de lhes chamar requalificações e convinha mesmo
não insultar a inteligência das pessoas dizendo que essas pessoas não
receberão salário mas mantêm o vínculo ao Estado, logo não são
despedidas - esta mania governamental da mentirinha, da meia verdade,
dos eufemismos, chega a causar quase tanta indignação como as políticas
propriamente ditas.
Porém, ninguém do Governo foi ainda capaz
de explicar qual a razão para estarmos a falar de vinte ou cinquenta
mil despedimentos na função pública.
Salvo melhor opinião,
despede-se esta gente toda porque há necessidade de fazer cortes. Como
agora já sabemos que a história dos custos intermédios era uma versão da
da carochinha e os ditos serão em salários e pensões, saca-se da
máquina calculadora e zás: têm de ir estes para a rua. Depois põe-se um
ar sério e diz-se que é uma reforma.
Eu também sou daqueles que
instintivamente diriam que há funcionários públicos a mais, mas antes
gostava de saber que tipo de funções se quer para o Estado, que tipo de
organização e métodos existem e que soluções se defendem para os
melhorar. Até aí estes milhares de despedimentos não passam de medidas
avulsas, sem racionalidade, sem estratégia e em que se corre o sério
risco de estar a fragilizar ainda mais o já fraco Estado.
Em
primeiro lugar, que Estado se quer? Quais as funções, qual o papel que
deve desempenhar na comunidade? Só a partir deste ponto é que podemos
saber se há funcionários públicos a mais ou a menos. E é preciso dizê-lo
com clareza: este Governo ou não sabe o que quer do Estado ou
esqueceu-se de nos explicar.
O Estado, ao mesmo ritmo que foi
crescendo, foi esquecendo as suas funções essenciais. A justiça é um
excelente exemplo dessa realidade, bem como a outro nível a regulação -
que pouco mais é do que uma emanação das empresas que dominam o mercado -
e outras funções se poderiam acrescentar. Tanto a dispersão de verbas
como a de enfoque fez que as funções-chave se deteriorassem tanto ao
nível dos profissionais que conseguem muito melhores compensações no
sector privado, como no investimento em meios.
Em segundo lugar, é
fundamental olhar para o actual funcionamento do Estado. Não é possível
aos serviços do Estado funcionarem de forma aceitável quando há um
emaranhado de leis e regulamentos que entopem qualquer tipo de processo.
O Estado funciona demasiadas vezes como se o seu papel fosse dificultar
a vida às pessoas e às empresas de modo que sejam precisos ainda mais
funcionários para tentar desenrolar o novelo. E nesta situação tanto há
responsabilidades dos que foram entupindo o Estado em legislação como
dos que não modernizam a sua estrutura, quer simplificando a organização
e os métodos de gestão quer ao nível da formação.
E importa fazer
uma nota. Ouve-se muito a comparação dos métodos de gestão e
organização entre o Estado e as empresas: digamos apenas que a falta de
organização e de competências de gestão em Portugal está longe de ser
monopólio do Estado, basta ver os nossos índices de produtividade.
Não
será baixando sistematicamente os salários dos funcionários públicos ou
tratá--los como se eles fossem os culpados de todos os males no
funcionamento do Estado que se vai melhorar o desempenho da máquina
estatal Longe disso. Esse tipo de medidas e de atitude perante os
funcionários públicos afasta os melhores quadros da órbita do Estado
prejudicando toda a comunidade.
Reformar exige que se saiba
exactamente o caminho que se quer tomar, impõe uma enorme dose de
negociação e outra igual de firmeza, obriga a uma preparação aturada de
todos os passos, a uma permanente avaliação dos sucessos e insucessos e,
já agora, que não se destrua o que os nossos antecessores foram
fazendo. Exige sobretudo tempo. E, aí sim, são precisos consensos que
ultrapassem legislaturas.
Grande ou pequeno, independentemente da
opção política e ideológica, um Estado fraco não é opção. Mas despedindo
indiscriminadamente e cortando cegamente é isso que irá acontecer. Só
que há um problema: a democracia e o Estado de direito não se dão bem
com Estados fracos."
domingo, 12 de maio de 2013
Apenas despedimentos
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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