Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
"1-
Acreditar nas palavras do primeiro-ministro é, já o aprendemos, um
exercício arriscado. Poucos meses bastaram para percebermos que sempre
que Passos Coelho apresenta uma medida há uma enorme possibilidade de
esta nunca chegar a ser aplicada ou ser pura e simplesmente esquecida,
como se o primeiro-ministro pensasse em voz alta perante todos os
portugueses. Os exemplos da TSU e agora o da taxa sobre os pensionistas
são os mais gritantes - não faltariam, infelizmente, muitos outros -,
não só pela pompa e circunstância com que foram anunciadas as medidas
mas sobretudo pela importância determinante para a vida das pessoas.
A
descontração com que se anunciam disposições para depois se voltar
atrás, ignorando olimpicamente as expectativas das pessoas, semeando o
pânico e a insegurança na população, faz com que os cidadãos percam
qualquer tipo de confiança em quem os governa. Neste Governo não são só
algumas das normas acordadas com a troika que são facultativas, é tudo
facultativo. Tudo pode acontecer, nada é previsível, tudo pode ser
alterado dois minutos depois de ser anunciado. Nada parece ser
minimamente estudado, tudo parece ser decidido na base dum qualquer
achar ou baseado num compêndio mal estudado.
A falta de sentido
de Estado e sobretudo o desrespeito pelos cidadãos, que cada vez mais se
sentem governados por aprendizes de feiticeiro que tratam as pessoas
como se fossem cobaias, não se restringem, muito longe disso, ao
primeiro-ministro. Temos o ministro Portas, que traça linhas vermelhas
para depois, pendurado pelas orelhas por Passos Coelho e Cavaco Silva,
ser obrigado a traçá-las noutro lado qualquer, qual rapazinho da escola
primária de antigamente; temos o secretário de Estado Rosalino, que num
dia despede os funcionários públicos sem direito a subsídio de
desemprego e no outro vem dizer que afinal o que tinha dito não era bem
aquilo...; temos Miguel Maduro, que em Florença, como professor,
imagino, defende uma política para a Europa, e aqui em Lisboa é o
ministro que coordena politicamente um Governo que defende o oposto do
que proclamou em Itália.
Nunca um Governo fez tanto pelo
desprestígio da política e dos políticos. O cidadão pode não concordar
com uma decisão, pode até discordar de toda uma linha política. Outra
coisa é não ter a mínima confiança em quem lidera o País, não poder
acreditar naquilo que o Governo anuncia, porque o mais certo será ser
desdito no dia seguinte. O que faz o cidadão perder a confiança nos
políticos é ver um ministro, que fez grande parte da sua carreira a
denunciar as falhas dos políticos, a fazer uma declaração ao País num
dia dizendo que não aceita uma norma, vinte e quatro horas depois dá o
dito pelo não dito e passados três dias volta à primeira opinião . O que
destrói o prestígio da política e dos políticos é assistirmos a um
primeiro-ministro a dizer que os cortes, a semana passada designados
como poupanças, não atingem a generalidade dos cidadãos, só os
pensionistas, reformados e funcionários públicos, como se estes fossem
cidadãos de segunda ou tivessem alguma culpa especial pelo actual estado
de coisas ou como se estes cortes não tivessem um profundo impacto
económico e social na comunidade. O que mina a relação entre
representantes e representados é um primeiro-ministro dizer que tem uma
folga de 800 milhões no plano de cortes (como se já não fosse lamentável
deixar uma folga deste valor num qualquer plano) e depois ser corrigido
pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental que demonstra claramente que
essa margem não existe.
Um Governo em que não se pode confiar, um
Governo completamente descredibilizado e que descredibiliza a política e
os políticos , um Governo que luta mais internamente do que com a troika ou
a crise, um Governo manifestamente incompetente. Este Governo é em si
mesmo uma crise política. Mantê-lo é agravar essa crise.
Valha-nos
nossa senhora de Fátima, já que o seu devoto Cavaco Silva prefere ver o
País a afundar-se a ter de assumir as suas responsabilidades. "
Nota: Transcrição parcial do artigo publicado
domingo, 19 de maio de 2013
Nem a fé nos salva
Etiquetas:
governo,
passos coelho
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário