Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso".
terça-feira, 7 de maio de 2013
E o massacre continua
"Já toda a gente séria percebeu que a sustentabilidade do Estado depende do crescimento económico e do emprego. Não há contas públicas em ordem com mais de 20% de desempregados e em recessão permanente. Podem continuar a cortar que nunca será suficiente. E, no entanto, quase
todas as medidas que Passos Coelho anunciou na sexta-feira aumentam o
desemprego, adiam o crescimento económico e destroem mais um pouco o
mercado interno.
Os despedimentos na função pública (que
Passos mascarou de "requalificação" e de "rescisão por mútuo acordo") é o
caso mais evidente. Como os funcionários públicos não recebem subsídio
de desemprego, suspeito que depois de ficarem dois anos na gaveta a
perderem salário e a sofrerem pressões para irem embora (sobretudo os
sem cartão partidário ou com o cartão errado) até desistirem, vão para
miséria. Se assim não for, são mais 30 mil a receber da subsídio sem
estrarem a trabalhar. Seja como for, em plena crise e sem postos de
trabalho disponíveis no privado, são mais desempregados, menos
rendimento, menos pagamento de impostos, menos descontos para a
segurança social, Estado mais pobre e menos sustentável.
A fusão da Caixa Geral de Aposentações com a Segurança Social,
podendo ou não ser correta do ponto de vista dos princípios, para ter
como resultado a poupança estimada pelo governo só pode resultar no corte de pensões já existentes.
O que, para além de um rude golpe na credibilidade do Estado junto dos
cidadãos, é menos rendimento disponível, menos consumo, mais crise.
O aumento da idade da reforma adia a
substituição dos trabalhadores ativos mais velhos, sem folga para se
puderem dar ao luxo de não receber magra reforma completa. Assim, aumenta o desemprego jovem,
que anda pelos 40%. Mais desempregados, menos rendimento, menos
pagamento de impostos, menos descontos para a segurança social, Estado
mais pobre e menos sustentável.
O aumento dos descontos para a ADSE e
restantes subsistemas públicos é a única medida proposta que não tem
efeitos recessivos e que, já o defendi várias vezes, me parece justa.
Sendo a ADSE facultativa, quem não puder ou não quiser descontar para
ela pode usar, como todos os restantes cidadãos, o Serviço Nacional de
Saúde. Não perde, assim, rendimento. E o Estado, garantindo a
autossustentabilidade deste subsistema, deixa de transferir para a medicina privada recursos públicos fundamentais para o SNS, que a todos deve servir.
A criação do novo imposto, este definitivo, sobre as reformas, a que Passos eufemisticamente chamou Contribuição Extraordinária de Sustentabilidade, é mais um machadada nos massacrados reformados. Que vive de uma estranha convicção de que quem
descontou a vida toda em função dos rendimentos que recebia não pode
nem deve ser de classe média. Nem sequer remediado. Tem de ser pobre. Vale
a pena recordar que os reformados que não são miseráveis têm sido a
verdadeira segurança social de filhos e netos. Deixarão de poder cumprir
esta função. Junte-se a estas sucessivas medidas de redução dos
rendimentos dos reformados o aumento das rendas de casa e temos tragédia
completa. É possível que este imposto venha a cair para permitir que
Paulo Portas cante vitória por uma medida quem nem um décimo do total
deste novo pacote de austeridade representa.
Por fim, temos a redução em 10% com o que, nas habilidosas palavras de Paulo Portas, "o Estado gasta consigo próprio".
Para chegar a estes 10% não se pode cortar apenas em despesas
administrativas (que todas as atividades precisam). Tem de se cortar em
salários e despesas fundamentais para o seu funcionamento. Ou seja, tem
de se cortar nos hospitais, centros de saúde, escolas, universidades, esquadras de polícia... São menos tarefas desempenhadas pelo Estado que, sendo fundamentais para a vida das pessoas, terão de ser compensadas por encargos dos cidadãos. Ou seja, perda rendimento,
queda no consumo, mais falências, mais desemprego, mais crise, menos
receitas fiscais, um Estado que será cada vez mais insustentável.
Onde o governo não vai buscar dinheiro é no que realmente dispensávamos: os fabulosos lucros das concessionárias das PPP, o dinheiro que a banca está a ir buscar ao ovo de Colombo que foram as swap, nos benefícios fiscais
às grandes empresas e banca que o autêntico queijo suíço que é o nosso
sistema fiscal garante, na extraordinária fortuna que meia dúzia deve ao BPN. Aqui, o pântano mantem-se igual, como antes.
Não é preciso ser adivinho para perceber que este massacre não será o último. Como aconteceu com os anteriores, os seus efeitos serão os opostos aos pretendidos.
Seguindo a perversidade da política de austeridade, a crise irá
aprofundar-se, o mercado interno continuará a minguar, o desemprego
continuará a aumentar, o Estado continuará a perder receitas fiscais, a
nossa dívida pública continuará a subir. Estaremos cada vez mais longe
do fim da crise. Mesmo que o milagroso momento da ida aos mercados
aconteça, chegaremos lá em austeridade e crise, bem piores do que de
quando lá saímos. E aí perguntaremos: tudo isto foi exatamente para quê?"
Etiquetas:
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