Texto de Helena Cristina Coelho hoje publicado no Diário Económico.
"Ao revelar no Parlamento, mesmo sem grandes revelações, o
Documento de Estratégia Orçamental para os próximos anos, o ministro
das Finanças deixou dois caminhos à escolha do país que o quis ouvir.
O primeiro, a que ele chamou de "sentido de responsabilidade",
passa por acatar as duras decisões de austeridade para saldar dívidas,
honrar compromissos e seguir em frente, custe o que custar. O segundo, a
que chamamos nós de "ameaça", passa por ignorar essa agenda da
austeridade imposta e as reformas estruturais necessárias, o que irá
resultar, avisa um alarmado Vítor Gaspar, em um de dois destinos
trágicos: na versão radical, os portugueses caem na bancarrota e saem do
euro sem honra nem glória; na versão mais mitigada, resta-lhes o penoso
caminho das pedras e a penitência de verem a sua soberania encolhida e
vergada durante longos e indefinidos anos.
Vítor Gaspar, que aqui se mostrou na versão ‘bicho papão', na
verdade, não apresentou dois caminhos, mas apenas um. E também não
revelou o caminho que espera os portugueses, mas sim aquele que já
começaram a fazer há algum tempo - ou o ministro andará tão concentrado
nos seus ficheiros excel que se esqueceu de olhar pela janela do
Terreiro do Paço e ver o que se passa nas ruas do país e tudo o que os
portugueses andam a sacrificar desde o dia em que a ‘troika' entrou nas
suas vidas?
Essa via de sentido único em que Portugal entrou forçado há dois anos
já inclui todas essas realidades: o ajustamento orçamental à custa de
medidas de austeridade, carga fiscal e cortes de despesa, a reforma do
Estado (ou vestígios disso) à conta de mudanças (ainda escassas) nas
administrações públicas, e até o enfraquecimento da sua autonomia
política e económica por causa da dívida que carrega e que o tornou
refém de poderosos e intransigentes credores. Arriscar este caminho já
não é uma ameaça, é a realidade dos portugueses desde, pelo menos, o
primeiro dia do memorando.
Vítor Gaspar escusa, por isso, de tratar os portugueses como crianças
mal comportadas, a quem é preciso assustar com a ameaça de que a Europa
deixa de ser amiga ou de que podem ser expulsos do recreio do euro,
apenas para garantir que fazem tudo que se lhes pede sem questionarem
nada. E escusa de o fazer por duas razões. Primeiro, porque os
portugueses já deram mais do que uma prova de que são responsáveis e
que, mesmo contrariados, são capazes de honrar os seus compromissos e
sacrificar-se até para lá do que é razoável.
Segundo, porque talvez já seja altura de o Governo falar mais para
dentro (e menos para fora) do país e comprometer-se com verdadeiras
medidas para reformar (a sério) a máquina pública, acabar com as
dependências injustificadas do Estado e acertar de vez as contas que,
dizia ontem Passos Coelho, andam desacertadas desde o primeiro dia da
democracia.
Daqui a um ano, o país vai acordar sem ‘troika' e aí Vítor Gaspar já
não terá esse ‘bicho papão' para se proteger - mas vai ter ainda os
mesmos problemas monstruosos a assombrá-lo, como a dívida e o défice e a
recessão e o desemprego. O Governo sabe disso, os portugueses também.
Por isso, em vez de se preocupar em inquietar o país com o pior que pode
acontecer, devia preocupar-se em fazer o melhor para o evitar. Para
susto, já chegam as contas e os salários no final do mês, a falta de
emprego, a carga de impostos - e cada novo anúncio de austeridade."
quinta-feira, 2 de maio de 2013
Gaspar, o papão
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