DERRUBAR O GOVERNO É OBRIGAÇÃO PATRIÓTICA

O inutil Cavaco Silva deu carta branca ao atrasado mental Passos Coelho para continuar a destruir Portugal e reduzir os portugueses a escravos da ganância dos donos do dinheiro.
Um governo cuja missão é roubar recursos e dinheiro às pessoas, às empresas, ao país em geral, para os entregar de mão beijada aos bancos e aos especuladores é um governo que não defende o interesse nacional e, por isso, tem de ser corrido o mais depressa possivel.
Se de Cavaco nada podemos esperar, resta a luta directa para o conseguirmos.
Na rua, nas empresas, nas redes sociais, há que fomentar a revolta, a rebelião, a desobediência, mostrar bem que o povo está contra Passos Coelho, Portas e os outros imbecis que o acompanham e tudo fazer para ajudar à sua queda.
REVOLTEM-SE!

sábado, 29 de setembro de 2012

Os imbecis não se enxergam

Foto Rádio Renascença
António Borges chamou hoje, publicamente, ignorantes aos empresários portugueses que não compreenderam a medida “extraordinariamente inteligente” da baixa da TSU.

“Que a medida é extraordinariamente inteligente, acho que é. Que os nossos empresários, que se apresentaram contra a medida, são completamente ignorantes, não passariam no primeiro ano do meu curso da faculdade, isso não tenham dúvida”, afirmou António Borges perante uma plateia de empresários no Fórum Empresarial Algarve, em Vilamoura.

Naturalmente que as infelizes declarações de Borges provocaram reacções de muita gente pelo que já não vale a pena dizer nada.

A verdade é que os imbecis não se enxergam mesmo e é por isso que temos de os correr rapidamente a pontapé antes que destruam o que resta de Portugal.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O nó que se aperta à volta do nosso pescoço

Texto de João Miguel Tavares  hoje publicado no Correio da Manhã

"Há um nó na nossa sociedade que ninguém está a ser capaz de desatar: as pessoas que deviam domar o monstro são as pessoas que o monstro alimenta há décadas.

Do PSD ao PS, do CDS ao Bloco e ao PCP, cada partido e cada deputado desempenha as mesmas coreografias de sempre, seja de apoio ou de oposição, mesmo quando tudo parece desabar à sua volta. Não há imagem mais emblemática desse estado de coisas do que Catarina Martins a protestar contra o governo à porta do Palácio de Belém, enquanto uma manifestante lhe gritava aos ouvidos "gatunos, gatunos, é tudo igual".
Este "é tudo igual" é absolutamente terrível porque, no fundo, é também absolutamente verdadeiro. Claro que dissolver a individualidade de cada político numa massa indistinta é o melhor convite para o aparecimento dos iluminados anti-sistema, que habitualmente são mais perigosos do que aqueles que lá estão. Só que o afundanço de Portugal é também o afundanço de um sistema que não está a ser capaz de dar respostas aos problemas do país, na medida em que essa resposta passa por uma modificação pro-funda das suas regras defuncionamento.
Mas quem tem, neste momento, a coragem, a capacidade e a inteligência para matar o pai? Este conflito político-edipiano, chamemos-lhe assim, esteve bem à vista no último Conselho de Estado: os conselheiros que supostamente deviam salvar o país da TSU eram os mesmos que tinham contribuído ao longo de anos e anos para o estado a que o país chegou. O povo quer pureza, novas atitudes e caminhos alternativos, mas é como procurar virgens no meio de um bordel. E à falta de respostas, o nó continua a apertar. Em redor do nosso pescoço."

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Voltar atrás

Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diario Económico"

"Pode um Governo voltar atrás em decisões importantes e anunciadas com solenidade e, ainda assim, sair politicamente incólume? Claro que não.

Qualquer pessoa com um mínimo de experiência já percebeu que o caminho que o actual Governo tem pela frente, se é que tem algum, será sempre inclinado e para baixo. Este diagnóstico nada tem a ver com as preferências ou simpatias políticas de quem o faz. É apenas uma constatação factual da vida política.
No plano nacional, um Governo que assim actua passa a ser percepcionado como fraco e, nessa medida, torna-se o alvo preferencial de todo o tipo de contestações e chantagens. A partir de agora, sempre que o Governo tomar uma decisão que não agrade a algum sector - o que é inevitável - os actores políticos e sociais sabem que vale a pena pressionar até ao fim porque a cedência será sempre possível. No plano internacional, como se constatou já esta semana pelas reacções na imprensa económica anglo-saxónica, esta actuação do Governo é lida como um sinal claro da sua incapacidade para implementar as políticas públicas que decidiu e propôs à troika e, em última instância, para cumprir os compromissos internacionais do país.
Mas o problema não acaba aqui. Um dos ensinamentos mais antigos e permanentes da Teoria Política - vem desde Platão e do seu estudo da sucessão dos regimes políticos... - diz-nos que os Governos acabam não tanto devido à contestação externa, mas antes de mais devido à divisão interna (embora exista uma relação dialéctica entre ambas, claro). Ou seja, são as clivagens no seio do Governo, entre PSD e CDS, mas também entre ministros nomeados pelo PSD, que mais claramente ilustram, para quem quiser ver, o plano descendente em que este Governo se precipitou a si mesmo.
No futuro próximo, aliás, "voltar atrás" será uma espécie de lema deste executivo moribundo. Na política europeia, o único caminho que nos poderá ajudar a superar a crise é contrário àquilo que o Governo e o primeiro-ministro sempre defenderam. Este primeiro-ministro terá de dizer que, afinal, a intervenção do BCE é importante, afinal, o alargamento dos prazos do programa português é necessário, afinal, a ideia de ‘project bonds' e de ‘eurobonds', é mesmo bem-vinda, e por aí adiante.
Na política nacional, o primeiro-ministro terá de reconhecer que, afinal, os resultados do Governo na consolidação das finanças públicas não são os esperados, afinal, o rácio da dívida em relação ao PIB continua a crescer, afinal, a aposta no consumo e no investimento público (com fundos europeus) não pode ser abandonada, etc.
Para o actual Governo, "voltar atrás" é agora a única saída e, ao mesmo tempo, a redução a zero da sua credibilidade política."

Iniquidade política

Texto de Eduardo Dâmaso, Director-Adjunto, hoje publicado no "Correio da Manhã"

"Os lucros que Sócrates e os seus ministros ofereceram nas PPP rodoviárias são o maior símbolo da iniquidade a que chegou a decisão política.

Tais rentabilidades seriam pornográficas em qualquer circunstância, mas quando vivemos asfixiados pelos juros usurários exigidos pelos nossos credores a sua renegociação é um imperativo nacional. Quando milhões de portugueses passam privações não basta encolher os braços e dizer que os contratos estão blindados. Se houver vontade política, a solução para baixar tais lucros há-de surgir. Basta querer! "

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Vacas sagradas

Texto de Paulo Morais hoje publicado no Correio da Manhã.

"Há privilégios em que nenhum governante teve até hoje coragem de tocar. São despesas públicas inatacáveis, sagradas, as mais onerosas das quais são os juros da dívida pública, as rendas das parcerias público-privadas e as regalias da EDP.

Os juros de dívida são actualmente a maior despesa do estado e consomem cerca de nove mil milhões de euros por ano. Representam mais do que todo o serviço nacional de saúde, equivalem ao valor de salários de toda a função pública. Apesar de conseguir hoje financiamentos a taxas inferiores a dois por cento, o governo continua a pagar os juros agiotas contratados na Banca nos tempos negros de Sócrates. Poderia colocar dívida internamente através de certificados de aforro a uma taxa de três por cento, mas prefere pagar ao FMI a cinco.

A esta iniquidade juntam-se as rendas pagas pelas PPP, em particular as rodoviárias. Neste modelo de negócio, garantem-se rentabilidades obscenas às concessionárias, da ordem dos 17%. A renegociação dos contratos constitui uma exigência da Troika, mas os privados mantêm os seus privilégios intactos, até hoje. O governo deveria suspender de imediato os pagamentos e obrigar à redução das rendas. Em alternativa, poderia nacionalizar, pelo seu justo valor, os equipamentos concessionados; ou até alargar os prazos da concessão, desde que passasse a receber rendas, em vez de as pagar.

O terceiro dos roubos institucionalizados consiste na extorsão, através da factura da electricidade, de rendas para financiar negócios na área de energia. Hoje, apenas 60% do valor da factura corresponde a consumos. O remanescente é constituído por impostos e outras alcavalas, pomposamente designadas de serviços de interesse económico geral. Estes tributos enriquecem os parceiros da EDP, subsidiando nomeadamente as eólicas e tornam o preço da energia incomportável. Assim, as famílias mais humildes passarão frio no Inverno, algumas empresas deixam de ser viáveis e encerram.

Impõe-se a redução dos custos energéticos. É também urgente a diminuição dos gastos com as PPP e com os juros de dívida. Mas, por falta de coragem, os governantes preferem deixar o povo à míngua, enquanto alimentam estas autênticas vacas sagradas."

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Gaspar, o ariano

Texto muito FORTE de Manuel Catarino, Subdirector, hoje publicado no Correio da Manhã.

"O rasgado elogio do ministro alemão das Finanças à cega política de austeridade em Portugal faz de Vítor Gaspar um moderno colaboracionista: Gaspar foi assim ungido como fiel instrumento desse sentimento um tanto ariano segundo o qual existem uns povos inferiores a quem nada mais resta senão arrastarem penosamente até ao fim dos seus dias a culpa da dívida.

A frase d’O Capital, "o trabalho liberta" (no sentido em que emancipa), foi colocada à entrada de Auschwitz com um significado diferente: o trabalho (escravo) era ali uma redenção. É nisto que Gaspar quer transformar Portugal: uma espécie de colónia penal onde se trabalha cada vez mais barato como castigo pela culpa da dívida.  "

Passos Coelho, Gaspar, Cristas não são mais do que guardas (a seguir ordens) no Auschwitz em que Portugal corre o risco de se tornar e isso JAMAIS podemos deixar acontecer!

domingo, 23 de setembro de 2012

O estertor

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

"1- Quando ficou claro que o caminho escolhido era o empobrecimento generalizado, quando os portugueses perceberam que todos os sacrifícios foram em vão e que os que se agora pedem também o serão, quando resolveu pôr em causa o equilíbrio social, o Governo perdeu o respeito das pessoas e assinou a sua certidão de óbito. Era, ao menos, desejável que mantivesse a compostura. Que preservasse o mínimo de dignidade institucional. Mas, como em muitas coisas neste Governo, seria pedir demais. O Governo insiste em oferecer-nos o espectáculo do seu estertor.
Assistimos, bastante irritados, a um primeiro-ministro que pára um País para anunciar uma medida que nitidamente não estudou, nem mediu as suas consequências, para uns dias mais tarde vir dizer que afinal a vai modelar, demonstrando que não tinha percebido o que estava em causa. Depois de ver as centenas de milhares de pessoas que desfilaram, na semana passada, começou a perceber a dimensão da sua negligência e o colossal erro que tinha cometido. É bem demonstrativo da quebra de ligação entre um primeiro-ministro e o povo que governa, serem precisas manifestações daquele tamanho para que ele pensasse voltar atrás com a sua decisão - e é no mínimo curioso, para quem dizia que não governava em função de manifestações. Revela bem o seu isolamento ter ficado surpreendido com a reacção de todos os parceiros sociais.
Um homem que toma uma decisão daquela importância e depois recua por não ter estudado, reflectido e ouvido muita gente, pode não ser cego, surdo e mudo, mas falta-lhe obviamente alguma coisa para poder ser primeiro-ministro. Qual será a próxima medida estratégica não pensada a ser apresentada que passado uns dias irá parar ao lixo?
Observamos Passos Coelho a ser publicamente humilhado pelo Presidente da República quando pede a comparência de Vítor Gaspar para que explique ao Conselho de Estado as alterações à TSU. Para a humilhação ser completa, o Conselho de Estado emite um comunicado que é uma espécie de açoite ao primeiro- -ministro: congratula-se com decisões dos países da Zona Euro em relação à disponibilidade do BCE para comprar dívida no mercado secundário e em prosseguir com políticas de emprego e crescimento, ou seja, tudo ao contrário do que Passos Coelho tem defendido. E, claro está, de braço ao pescoço, o primeiro-ministro anuncia ao Conselho de Estado "o estudo de alternativas à alteração da TSU".
Ficamos boquiabertos quando vemos o ministro Portas a dar uma conferência de imprensa em que critica o Governo de que faz parte e fala de medidas que com certeza se esqueceu de sugerir no local próprio. Ou do pormenor de ter dito que foi apenas por razões de emergência nacional que aprovou as alterações à TSU, mas, claro, não quis deixar de partilhar as suas preocupações connosco, quinze dias depois... Quanto a falta de sentido de Estado estamos conversados: o ministro dos Negócios Estrangeiros está no Governo certo.
O estertor nunca é um espectáculo dignificante, mas o que estamos a assistir está para lá do suportável.
2- Surpreendentemente, há quem ache que uma remodelação poderia dar um novo fôlego ao Governo. Esqueçamos, por instantes, que os cadáveres não respiram. Só alguém completamente alheio da realidade pode acreditar que existe um profissional competente que aceite fazer parte dum Governo que tem por estratégia a implementação duma política que vai levar o País ao mais absoluto caos.
E será que alguém crê que um homem ou mulher com capacidade para exercer funções governamentais aceitaria ir para um Governo com uma orgânica que o faz completamente inoperacional? Ou pertencer a um Governo sem o mínimo de coordenação política ou núcleo político forte? Ou aceitar fazer parte dum Governo em que os ministros dos dois partidos não confiam uns nos outros, sobretudo Passos Coelho e Paulo Portas? Ou ter de alinhar com as políticas suicidas de Merkel e Cia.? Ou estar num Executivo em que Relvas e Gaspar põem e dispõem? Claro que não. Mas vamos imaginar que o primeiro-ministro prometia ao tal profissional uma mudança. Que tudo iria ser diferente: nova política, nova coordenação ministerial, boys partidários expulsos, gente competente e conhecedora do País, fim da patetice populista do Governo pequeno, fim do Governo paralelo chefiado por Borges mais comissões e grupos de trabalho. Acreditaria o tal cavalheiro que o primeiro-ministro iria de facto mudar? Obviamente que não.
O responsável por o Governo ter chegado ao estado a que chegou é o primeiro-ministro. Passos Coelho matou o Governo, não será ele a ressuscitá-lo. E nada mudará enquanto ele for o primeiro-ministro."

sábado, 22 de setembro de 2012

Pregos no caixão de Passos

Governo a prazo
Texto de Medeiros Ferreira publicado no Correio da Manhã

"O governo acabou asfixiado, sem oxigénio suficiente. Minado internamente pela sofreguidão de futuro de Paulo Portas, e cercado externamente pelas necessidades presentes do povo, Passos Coelho enfrenta um teste decisivo às suas reais capacidades políticas.

E as capacidades políticas requeridas ultrapassam os arrimos clássicos da ética da convicção e da ética da responsabilidade. Nem sequer me refiro a qualquer dimensão extraordinária como estadista, pois que os países europeus terão de resolver os problemas do dia com dirigentes normais em democracia. Refiro--me, sim, a uma inteligência aguda da situação, para além das ideias feitas com que chegou ao poder.

Ora a inteligência da situação passa por não considerar a proposta sobre a TSU como a única questão que a coligação terá de rever. O governo terá ainda de recuar no seu perigoso afrontamento com o Tribunal Constitucional quanto aos salários da função pública e às pensões de reforma. Ou seja, o governo terá de refazer o já anunciado para a proposta de orçamento. O afunilamento do governo para resolver unicamente as iníquas percentagens da TSU será um erro que não abafará o clamor que se levanta em toda a nação.

O principal problema de qualquer governo em Portugal nos próximos tempos é o de conseguir alterar os termos da sua relação negocial com a troika. Da atitude passiva actual de bom aluno mesmo de maus mestres, qualquer outro governo deverá evoluir para uma atitude de negociador capaz, responsável e transparente, quer perante o seu povo quer perante os organismos internacionais envolvidos. Neste aspecto, como noutros, o executivo de Passos Coelho falhou redondamente. Essa falta de sentido negocial com a troika é mesmo a grande crítica que endereço a Vítor Gaspar, cuja meritória trajectória institucional é conhecida. A ida ao Conselho de Estado para explicar esse quadro negocial perante o PR deve ter sido um exercício potencialmente virtuoso…

Este governo acabou por razões internas e exteriores como o levantamento popular de sábado. O PR tudo fará para lhe adiar a certidão de óbito até à apresentação de uma modelada proposta orçamental. A partir daí, o caminho estará traçado. Só faltarão o tempo e o modo. "

Salvação nacional 
Texto de Nuno Saraiva publicado no Diário de Noticias
" Ontem, na Assembleia da República, assistimos a mais um episódio da novela em que se transformou a relação entre Pedro Passos Coelho e Paulo Portas.

Depois de, na quinta-feira, pela manhã, se terem alegadamente reunido em São Bento - não há registo fotográfico do encontro - para acertarem os últimos pormenores da reconciliação entre os partidos que dirigem e compõem a coligação, "afetada" pelas declarações públicas do presidente do CDS, voltaram a estar juntos no Parlamento. Esteve, aliás, a família toda. Relvas e Gaspar, Mota Soares e Santos Pereira, Cristas e Teixeira da Cruz. Todos estes e mais alguns a testemunhar o fim do arrufo, num exercício de total hipocrisia política.

A aliança governativa, assinada a 15 de junho de 2011, chegou obviamente ao fim. Se assim não fosse "os generais", Pedro e Paulo, ter--se-iam juntado aos seus tenentes no armistício do Tivoli. Mas não se juntaram. Agora há que aguentar o casamento, "custe o que custar", para manter as aparências. Pelo menos até que haja Orçamento aprovado e que a troika disponibilize nova tranche de dinheiro.

E a prova maior de que assim é foi a coreografia parlamentar do debate quinzenal. Passos Coelho jura, ao CDS, que não é cego nem surdo face aos acontecimentos das últimas semanas. E nem tão pouco ficará mudo. Ao dizê-lo, não está a referir-se apenas às manifestações de 15 de setembro, que praticamente ignorou. Mais do que o quase milhão de pessoas nas ruas a chamar "gatunos" a todos os políticos sem exceção, o primeiro-ministro jamais esquecerá o dia seguinte, 16 de setembro. A data em que Paulo Portas, a pretexto da TSU, se dirigiu ao País, qual líder da oposição, para apresentar uma moção de censura ao Governo de que faz parte. A traição "inacreditável" não será esquecida nem perdoada.

Ontem, encenada que estava a coesão governativa e a solidariedade institucional entre os partidos da coligação, vimos um ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros a esforçar-se por municiar de argumentos um primeiro-ministro. E este, dando razão àqueles que defendem que a química acabou, nem fazia o esforço de olhar para o seu 'aliado' ali mesmo ao lado. Eis a prova fatal da desconfiança. Eis a demonstração pública, se dúvidas houvesse, de que o casamento chegou ao fim.

Dito isto, não faltou quem nos últimos dias tivesse sugerido ao Presidente da República que a solução para os nossos males passa pela nomeação de um governo de salvação nacional, do tipo Monti, sem recurso a eleições. Os mesmos que o defendem são os que decretam que a atual maioria vive desfasada da realidade. Tão longe estão também estes do povo da rua, isto já para não falar da ignorância em matéria constitucional. Sim, porque a Constituição da República Portuguesa deixou de permitir a nomeação de governos de iniciativa presidencial.

Mas o mais chocante é concluir que estas pessoas, as nossas elites, não perceberam nada do que se passou a 15 de setembro nem as suas consequências. A maioria que suporta o Governo já não é sociológica. É apenas parlamentar e de circunstância. Julgar que a tecnocracia, seja lá o que isso for, se sobrepõe à vontade democrática e popular é manifestação de ignorância.

Depois do que aconteceu em Portugal no passado fim de semana, em que um executivo maioritário perdeu irremediavelmente a tolerância popular, nenhum governo que não seja saído de eleições terá força política e legitimidade democrática para mobilizar o País em torno dos sacrifícios e das dificuldades que ainda temos pela frente. Sim, porque o caminho continuará a ser duro, muito duro, e cheio de escolhos. E mesmo com as sondagens a dizerem que as oposições não são alternativa ou a indiciarem uma subida trágica das abstenções, ninguém pode ignorar a obrigatoriedade da legitimação pelo voto de uma solução, seja ela qual for.

A única condição é que, de uma vez por todas, se fale verdade. Se diga exatamente o que se vai fazer e não aquilo que o povo quer ouvir. Que se assuma onde se corta na despesa em vez do chavão, insuportável e mentiroso, das gorduras do Estado ou do desperdício. E, se tiver de ser, que os impostos vão ter de subir ainda mais - vade retro - ou que os subsídios de férias e de Natal vão desaparecer, em vez das falsas garantias de que as medidas que estão a ser executadas são suficientes.

Só assim, falando verdade, as nossas escolhas serão livres e conscientes. Só assim haverá legitimidade política e democrática para fazer o que, por incompetência, ainda não foi feito. Em suma, só assim haverá salvação nacional. "

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Passos está morto, agora vamos enterrá-lo!

A dignidade reencontrada
Baptista Bastos, Jornal de Negócios

"Corre uma anedota na Internet, cuja substância não só faz sorrir: dá que pensar. "Qual é o sogro do ano?", pergunta-se. E a resposta: "Passos Coelho porque deixou tudo à nora." Os acontecimentos dos últimos dias fornecem-nos a ideia de que o primeiro-ministro não sabe o que faz. E, como já foi referido no "Negócios", a impressionante manifestação de 15 de Setembro, suscita reflexões não só sobre o futuro da coligação como sobre o nosso destino colectivo. Alguma coisa mudou. E se este ciclo político está encerrado, a verdade é que se não vislumbra, no actual estado das coisas, saída de emergência.

Comentadores apressados e impreparados, ou somente preparados para sustentar o insustentável, escrevem que a opinião pública tem de sopesar as consequências dos seus protestos. O equívoco é deliberado e profundamente desonesto. A responsabilidade do que tem acontecido ao nosso pobre país é, unicamente e exclusivamente, atribuível a um governo desorientado, incapaz e sem objectivos, um governo de garotos, como lhe chamou Medina Carreira.

Eles não sabem o que fazem. Mas o Senhor não lhe pode nem deve perdoar. Os resultados desta política malfazeja somam-se por uma onda de miséria, desespero e angústia. A ameaça de imposição da Taxa Social Única foi o pretexto para o vendaval de indignação. Porque, no fundo, o que um milhão de pessoas, nas ruas de quarenta cidades do País, pôs em causa, foi o desastre em que nos encontramos, acentuadamente alargado por Passos Coelho e os seus.

Não queremos estes. Mas a pergunta seguinte é dilemática: quem os irá substituir? Seguro, apavorado, já disse que nem pensar nisso; sem eleições não vai lá nem empurrado. Penso que o secretário-geral do PS não dispõe de estofo para funções de tal natureza. Tal como Passos Coelho. Não possuem mundo; nasceram da pepineira das "jotas"; nunca conheceram o pão que o diabo amassou; foram moldados por uma conjunção de circunstâncias históricas favoráveis à mediania, ao respeitinho, à reverência. Chateia-me dizer isto. Mas eles não servem. Praticam políticas paralelas, sem grandeza nem projecto; não são muito dados á leitura e à reflexão do que lêem; demonstradamente incapazes dar um golpe d’asa, de corporizar o espírito do 25 de Abril, a cuja natureza não atribuem importância de maior.

A indisposição cívica de vários sectores da vida portuguesa encontra numerosos reflexos. As manifestações foram um deles. E os decepcionantes e cobardes silêncios da "inteligência" portuguesa foram estilhaçados pela nobilíssima atitude de Maria Teresa Horta. A grande poetisa recusa-se receber das mãos de Pedro Passos Coelho, como é da praxe, o Prémio D. Diniz, atribuído pelos seus pares, apoiando-se numa forte e admirável posição moral. Diz-se emocionada e feliz com o prémio, que aceita, mas não de Passos Coelho, causador do projecto deliberado de empobrecimento do País. As vozes dos corvos começaram a ouvir-se. Mas a grandeza da poetisa, a importância da sua obra, a índole indomável do seu carácter ficam a marcar, com letras de ouro, uma atitude que a honra, nos nobilita e resgata o mutismo humilhante dos nossos meios intelectuais.

Estes sinais significam que, muitas vezes, o protesto moral sobreleva as indignações políticas, por muito impositivas que sejam. Algo de muito forte está a mover-se na sociedade portuguesa. As pessoas estão fatigadas do jogo malabar de mentiras e substituições de poder que nada alteram e tudo diminuem. A "remodelação", apregoada como necessária por sectores de Direita, não resolve coisíssima nenhuma. A alternância sem alternativa, que se regista há quase quarenta anos, apenas tem servido para operações de cosmética e, acaso, para enriquecimento de uns e de alguns.

O espírito de missão, que deveria motivar os políticos, perdeu-se nas manobras de interesses. Vemos os rostos dos que têm dirigido o País; o desfile cadaveroso daquela gente no Parlamento; os lugares de empréstimo partidário que desempenham, logo-assim deixam o Governo ou a Assembleia – e ficamos estarrecidos com a monstruosidade.

Dizem que não bom atacar o Parlamento e que é preciso muito cuidado quando se critica os partidos. Porquê?, se são eles que provocam as anomalias no nosso viver; se são eles, afinal de contas (como no caso deste Governo e do seu primeiro-ministro) que mentem, não cumprem as promessas, tripudiam sobre a Constituição – e nada lhes acontece.

Temos de os aguentar em silêncio por muito mais tempo? As manifestações de 15 de Setembro, e a repulsa de Maria Teresa Horta em apertar a mão a Pedro Passos Coelho não só nos servem de lenitivo: são declarados valores de uma dignidade que muitos julgavam perdida."


A questão não é essa
José Manuel Pureza, Diário de Noticias

" Não, não foi um problema de comunicação. Quando a política é errada, quando ela gera resistência popular forte, os responsáveis costumam atirar para canto dizendo: "É preciso explicar melhor estas medidas." Pois bem, tudo nos foi muito bem explicado. Que tínhamos de fazer enormes sacrifícios para diminuir a dívida e o défice e para darmos saúde a uma economia obesa. Que os nossos sacrifícios iam começar a diminuir em 2013 porque, entretanto, graças a eles, já começaríamos a ter uma economia regenerada, tonificada disciplinada. Tudo tão bem contado e com tanta certeza que, quando a diferença entre o discurso e a realidade ficou evidente, toda a explicação ruiu e se tornou caderno de encargos insuportável para os explicadores governamentais e troikistas. Não precisam de nos explicar melhor, obrigado. Já sabemos que, apesar dos sacrifícios dos sacrificados de sempre, o desemprego continuará a subir exponencialmente, a dívida em vez de diminuir crescerá, a nossa capacidade de a pagar será cada vez menor e os que sempre ganharam com as crises não deixarão de o fazer, e muito, também desta vez.

Não, o problema não é a taxa social única. Como se tudo o mais fosse menos mau e aceitável... Dar hipervisibilidade a uma coisa é uma estratégia hábil para pôr tudo o resto na penumbra. Ora, o "tudo o resto", no caso da política que nos governa, é o mais importante. A operação montada, em acordo entre o Governo e a troika, para a taxa social única, destacou-se por exibir sem rodeios um propósito de transferir rendimento dos trabalhadores para os empresários. Mas o que ali ficou sintetizado em estado puro foi o programa geral e a fixação ideológica do Governo e da troika com uma estratégia de embaratecimento do trabalho, tendo em vista um suposto aumento da competitividade da economia portuguesa à custa de salários baixos. Não nos iludamos, pois: a engenharia na taxa social única é apenas mais um - e mais desavergonhado - passo de uma política que não tem feito - e não quer fazer - outra coisa senão transferir rendimento dos trabalhadores para os donos de Portugal.

Não, não é uma questão de modulação da austeridade. Na aflição que a evidência da ruína da sua cartilha política lhe causa, o bloco de apoio à troika está a ensaiar uma retórica de salvação: "O povo é paciente e percebe a necessidade de austeridade; não aceita é exageros." Esperteza saloia: porque exagero inaceitável é estragar a vida de milhões de pessoas para a facilitar a umas poucas dezenas. O povo é paciente mas não é tonto e já percebeu perfeitamente que não há austeridade boa e austeridade má, porque ambas visam o mesmo: concretizar um programa ideológico de desajustamento social.

Não, não é uma questão de fórmula governativa. O apodrecimento da coligação de direita não é fruto de desaguisados pessoais nem de mal-entendidos interpartidários. Simplesmente porque o que falhou não foram os atores mas, sim, o seu programa político. Por isso, aventar cenários como manter a coligação com novos rostos no Governo ou um governo de "salvação nacional" de largo espectro dentro do bloco de apoio à troika, com participação direta dos seus partidos de suporte ou dissimulado sob uma capa de tecnocracia à la Monti, são tudo invenções que procuram apenas manter vivos os já cadáveres políticos e conter mais danos para o seu lado da política.

A questão é, como sempre foi, a da democracia. A democracia que inclui e que resolve. A democracia feita de escolhas claras e corajosas. Esse é o único caminho que importa percorrer, agora como sempre. Essa é a responsabilidade de quem não suporta mais este pântano económico, social e político em que o memorando da troika nos meteu. "


A síndrome de Relvas
Leonel Moura, Jornalde Negócios

"O PSD tem um grande talento. Quando conquista o poder logo trata de gerar tanta barafunda, desagrado e acrimónia que o assunto deixa de ser a governação para passar a ser a demissão. Sucedeu com Durão Barroso quando alinhou com uma guerra que os portugueses não apoiaram, com Santana Lopes que detém o recorde das trapalhadas, não resistindo mais do que poucos meses, e agora com Passos Coelho.

O atual governo tem pouco mais de um ano e já conseguiu encher as ruas do país com manifestações que recordam o 25 de Abril. Só que agora, em vez dos vivas à liberdade, chovem insultos e indignação. Milhares e milhares de cidadãos irados chamaram gatuno ao primeiro-ministro e querem que ele se vá embora, numa ação espontânea sem qualquer controle partidário ou sindical. É obra em tão curto espaço de tempo.

Em consequência, a síndrome de Relvas alastrou a todo o governo. Este ministro que não pode sair à rua, nem falar em público sem ser vaiado e levar com o cartaz "vai estudar Relvas", contaminou os restantes membros do governo e o próprio primeiro-ministro. Acabou-se a pompa e a circunstância. Agora só com forte proteção policial. Até a Cristas já levou com um ovo podre.

Isto que parece divertido não tem piada nenhuma. Vivemos num tempo de intensa exposição pública. A política dos nossos dias não se concebe sem permanente interação com as populações. A tão proclamada estabilidade política não se mede pelo apoio parlamentar, mas pela constante adesão da maioria. Por isso se fazem sondagens semanais. Há muito que nas sociedades democráticas o voto é um mero instante de um processo de avaliação contínua. Aliás, é também por isso que os governos, até com maioria, por vezes caem.

E este governo já caiu. Nas hostes, a começar pelo PP que nestas coisas está sempre com um pé dentro e outro fora, ainda há quem imagine que se consegue dar volta à situação. Não é possível. Uma vez criado o descrédito generalizado não se consegue atenuar a revolta. Basta pensar no caso da TSU. Não há nada a fazer. A ficar como está, a indignação aumenta. Se se inventar outra coisa para substituir a medida cai-lhes de novo tudo em cima. E, no pior dos piores cenários, se se pretender "modelar" temos mesmo TSUnami.

Mas, não se iludam os partidos da oposição parlamentar. A síndrome de Relvas também os afeta. A recente manifestação também foi contra eles. A começar pelo PS que tenta resolver a equação impossível de querer ao mesmo tempo a estabilidade e o derrube do governo. Aliás, ninguém percebeu o alcance de uma moção de censura cujo objetivo é garantir a manutenção da coligação e o prosseguimento das políticas de austeridade exigidas pela Troika. A manobra é demasiado complexa e excede a capacidade de raciocínio de qualquer mente normal.

Quanto aos outros, da esquerda mais radical, o ambiente ainda lhes é menos favorável. À custa de repetirem "ad náusea" os mesmos trocadilhos de sempre, sem oferecerem qualquer alternativa credível, já só convencem os seus próprios militantes. Os portugueses não querem sair do euro nem da Europa. E também não querem, de todo, mais impostos e mais estado. Pelo contrário, querem que se corte na despesa do estado que afoga a economia e as suas vidas.

O país está portanto maduro para a emergência de um novo PRD. Para os mais novos ou mais distraídos recorde-se que o PRD surgiu em 1985, precisamente para "moralizar a vida pública", na sequência da austeridade imposta por um governo do bloco central PS/PSD. Teve cerca de 18% dos votos logo nas primeiras eleições a que concorreu. Mas depressa dececionou ao não conseguir escapar à "porca da política".

Dito isto, é evidente que o sistema político português se encontra num processo de dissolução acelerada. Daqui para a frente as coisas só podem piorar. Porque não temos massa crítica capaz de reformar radicalmente a gestão da sociedade. A partir do momento em que o poder político se reduz a um mecanismo de facilitação do capitalismo, perde-se crédito junto das populações que são na verdade a origem e deviam ser o destino da sua ação. O corte é brutal e definitivo."


Passos, TSU e Social-Democracia
Filipe Neto Brandão, Diário Económico

"á muito se escreveu sobre o propósito do PM fazer diminuir a contribuição das entidades empregadoras para a Segurança Social, substituindo-a por um aumento de igual valor a suportar pelos trabalhadores.

Deixando, por ora, aos economistas a denúncia da inanidade da medida e do seu efeito potenciador no desemprego, pretenderíamos nestas breves linhas abordar a questão de um ponto de vista preponderantemente ideológico. Na verdade, se de um ponto de vista fiscal essa medida poderia ser encarada como neutra (o que uns deixariam de pagar outros o suportariam), do que aqui gostaríamos de cuidar é do carácter marcadamente neoliberal da proposta, isto é, daquilo que verdadeiramente a identifica como contrária a princípios basilares da social-democracia.

Desde logo, a imediata consequência dessa impúdica transferência de custos/rendimentos do trabalho para o capital não poderá ser outra senão o agravamento da assimetria social em Portugal. O contrário, pois, do reforço da coesão social desejavelmente pretendido por um social-democrata...

A opção de Passos Coelho é assim uma opção coerente... mas para um neoliberal.

Como nos ensina Raymond Plant - (professor de filosofia política em King`s College, Londres) -, para o (pensamento) neoliberal, os desfavorecidos não estarão verdadeiramente preocupados com a resposta à questão de saber se estão, ou não, mais próximos dos níveis dos mais favorecidos, mas sim em saber se estão (pelos seus próprios padrões) em melhor condição do que já estiveram? Acreditamos que Passos acredite (ainda que os economistas nos digam que esta medida não é, sequer, idónea a produzir esse efeito) que, diminuindo o encargo do empregador, a sua empresa prospere e aquele contratará mais trabalhadores; e que acredite também, piamente, que o "efeito gotejante" do mercado se traduzirá, no longo prazo, numa melhoria da posição absoluta dos pobres. Só que se é verdade que, por um lado, como ironizava Keynes, "no longo prazo estaremos todos mortos", também não deixa de ser verdade que, nesse ínterim, em Portugal terá inelutavelmente aumentado o fosso entre ricos e pobres. O contrário, pois, da coesão social que um social-democrata deveria almejar.

Retornando a Raymond Plant, uma das formas de assinalarmos o contraste entre sociais-democratas e neoliberais seria a de salientar que enquanto "para o social-democrata o mais importante é melhorar a posição relativa dos mais desfavorecidos, mantendo ao mesmo tempo a posição dos mais favorecidos [...]; para o neoliberal o mais importante é melhorar a posição absoluta dos mais desfavorecidos sem nunca procurar limitar a melhoria relativa dos mais favorecidos."

Depois de ter comunicado ao país que quer que sejam os trabalhadores a pagar a TSU que os seus patrões deixarão de suportar, Pedro Passos Coelho poderá (transitoriamente) continuar a intitular-se primeiro-ministro. Não poderá, porém, nunca mais intitular-se social-democrata."

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Governo vai sacrificar-nos lá fora

Texto de Daniel Deusdado hoje publicado no Jornal de Noticias.

"Recapitulando: o homem que chumbou o PEC IV de Sócrates por não haver um limite para os sacrifícios, acha hoje que os sacrifícios não têm limite. É sempre desagradável ser-se traído por uma verdade nas palavras que corresponde, afinal, à mais pura ignorância sobre as coisas. Porque se Pedro Passos Coelho conhecesse realmente a situação do país em 2011, não teria feito a campanha eleitoral que fez. Bastaria dizer: sou mais sério que Sócrates. E os apoiantes votavam nele na mesma porque já não podiam ver o outro nem pintado.
Frio e profundamente mal informado, Passos Coelho deitou o anterior Governo abaixo, num momento em que a fraqueza da Europa se agudizava ainda mais com esse gesto. E assim se assumiu a troika como inevitável.
Provavelmente não escaparíamos a um apoio "tipo troika" mas importa neste caso recordar o desejo clarificador de Passos há pouco mais de um ano: eleições, porque não adiantava perdermos tempo. E é exatamente esta lógica que faz sentido relembrar agora: manter este primeiro-ministro é perder tempo. Passos Coelho acentuou uma cruzada ultraliberal que não se julgaria possível ao PSD. Percebe-se cada vez melhor que não pretende salvar o país, mas sim vender o país sem precaver o futuro - na energia, nos aeroportos, na água, etc.. Pretende aumentar o emprego através de uma sistemática degradação dos salários como se este fosse o caminho para atrair investidores. E repare-se: os portugueses até aceitaram menos feriados, mais impostos sobre o trabalho e cada vez menos indemnizações por despedimento. Só não imaginavam que também seria necessário perderem uma parte do salário a favor das empresas.
Um empresário tem o dever/obrigação de tentar vender melhores produtos, procurar novos mercados, inovar, motivar as suas equipas e, dessa forma, evitar a falência. Uma empresa tem, em geral, recurso ao crédito e ativos para dar como garantia. Um trabalhador, sozinho, não pode dizer aos filhos para comerem só amanhã, não pode deixar de pagar a casa ou a luz. Não perceber a diferença entre a capacidade das empresas e a dos trabalhadores não é o grau zero, é mesmo abaixo de zero.
No fundo, precisávamos que o primeiro-ministro, o ideólogo Borges, o executor Gaspar, e depois a troika, o FMI e todos os que nos querem ameaçar com o cancelamento dos empréstimos, respondessem a uma coisa simples: os 7% de aumento na taxa social única são essenciais para abater o défice ou não? Se sim - com a famosa modelação que proteja os salários mais baixos - estou disponível para ficar sem eles (desde que sejam metidos onde devem, ou seja, na Segurança Social). Salvar Portugal exige muitos sacrifícios, não haja ilusões. Mas se não servem para essa recuperação (como é a proposta original da TSU), então não nos venham dizer que finalmente encontraram a fórmula mágica para criar empregos e reanimar a economia. Fazem-no à custa dos trabalhadores com menores salários da Zona Euro?
Esta tragédia é ainda maior porque não se vê como é que alguém vai explicar aos "mercados", ao comissário Rehn, ou aos senhores do FMI em Washington, que os portugueses afinal estão a virar "à grega". Obviamente ficam "gregos" se os empurram para uma medida absolutamente estúpida e ainda por cima têm um Governo que, em vez de os proteger, vai fazer queixinha deles... Querem submeter um país inteiro por causa da TSU? O mesmo país que ia aguentando tudo, estoicamente, em nome da responsabilidade e do futuro dos filhos e netos? O mesmo povo que até sábado era "extraordinário" e compreendia tudo?
Infelizmente a Espanha vai estoirar, a Grécia não se aguenta em pé, e quando a Europa estiver com estes países quase-cadáveres nas mãos, talvez perceba que tem de nos dar mais tempo para o ajustamento, a juros mais baixos através da garantia do Banco Central Europeu. Porque Portugal tem de ser responsável pelas suas dívidas e ter a coesão necessária para sair desta emergência. Só não tem é de aturar gente que, em vez de reconhecer os seus erros, nos vai denunciar internacionalmente para salvar a carreira política. Sempre, claro, em nome do "interesse de país". No sábado percebeu-se que desta vez não vai ser assim."

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A consciência da rua

Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias".

"As imponentes manifestações que chamaram, às ruas de quarenta cidades portuguesas, um milhão de pessoas, possuem um significado que se não exprime, apenas, pela grandeza dos números. Elas são um despertar da consciência cívica nacional e um rebate contra os perigos que este Governo corporiza. Não foi, somente, como alguns pretendem fazer crer, um desagrado ante a anunciada taxa social única. Essa propositada intenção pretende minimizar a extensão do protesto. Os que foram para as ruas demonstraram a sua repulsa por Pedro Passos Coelho e pela inexcedível incompetência maléfica da ideologia que representa. O homem empurra o País para o abismo, e é urgente impedi-lo de o fazer.

António Capucho veio a terreiro advertir-nos. Habitualmente reservado e cuidadoso, as circunstâncias levaram-no, na televisão e no jornal I, a propor a necessidade de "um Governo de salvação nacional, mas sem Passos Coelho". Classificando os propósitos do primeiro-ministro de "ultraneoliberais", afirma: "O Governo não está com falta de apoio das pessoas; o Governo está com o ódio das pessoas."

Capucho é a ponta do icebergue de descontentamento e fúria que lavram e alastram no PSD, onde numerosos dirigentes e outros se interrogam sobre a legitimidade dos actos governamentais. A aplicação deste sistema de domínio, sem regras e sem limites morais, requer um método de respostas de que a natureza dos protestos de 15 de Setembro foi, unicamente, uma expressão serena. Porém, não deixou de ser a exposição de um outro poder, o popular, enfrentando e contestando o outro, por injusto e agressivo.

É preciso não esquecer de que, por vezes, a legalidade, ao exceder- -se, se inscreve na ordem de uma violência que a coloca fora da lei. É o que tem acontecido. Um preopinante anunciou, enfaticamente, ter Passos Coelho perdido o País. Não se perde o que se não tem, e se houvesse dúvidas acerca da impossibilidade de qualquer Governo deter a afeição de um país, as manifestações que chamaram às ruas um milhão de portugueses dariam que reflectir.

Como escrevi, nesta coluna, na última quarta-feira, o ciclo fechou-se sobre Passos e a sua obstinada soberba. E ainda não se registara a explosão ética de cidadania. Depois, surgiram as declarações de Paulo Portas. As características de uma coligação já trémula na essência assinalaram a proximidade da ruptura. Portas é uma personalidade cuja dualidade se conhece. As exigências de uma generalidade governamental não lhe calham bem. E Passos Coelho é suficientemente sobranceiro e autoritário para ceder a vez e desaproveitar a voz. Os dados estão lançados. Mas a alternativa é inexistente. A não ser que a consciência cívica se erga, de novo, e exija que esta nefasta indigência entre o PS e o PSD seja substituída por outras possibilidades. Que as há."

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Corrupção

Texto de Paulo Morais hoje publicado no Correio da Manhã.

"A corrupção é a principal causa da crise em que estamos mergulhados. É este fenómeno que está na origem de sucessivos negócios ruinosos, verdadeiros roubos, que conduziram ao descalabro das contas públicas. Nas últimas décadas, assistimos a um regabofe sem limite com os dinheiros públicos.

A Expo 98 transformou um perímetro industrial degradado numa zona urbanizável, gerou mais-valias urbanísticas milionárias, através da construção de hotéis, equipamentos e apartamentos de luxo. E, apesar disso, no final deu prejuízo. As acusações de corrupção foram tíbias e até hoje ninguém foi condenado. Mas foi assim também o Euro 2004, cujos estádios tiveram derrapagens de custo colossais. Também aqui o processo Apito Dourado borregou e a culpa morreu solteira. E foi ainda a compra dos submarinos, com pagamento de luvas a portugueses. A corrupção foi provada na Alemanha, os corruptores foram julgados e presos. Em Portugal, o Ministério Público não sabe de nada.
Mas os exemplos não acabam nunca. Nos últimos anos, os mais criminosos de todos os negócios públicos são os contratos de parceiras público-privadas (PPP), nomeadamente as rodoviárias. Através deste modelo de negócio, garantem-se aos privados rentabilidades de capital superiores a 17%, haja ou não trânsito. O Estado assume todos os riscos e cede todos os potenciais lucros. A primeira de todas as PPP foi a Ponte Vasco da Gama. Os privados financiaram apenas um quarto do valor da ponte e, com isso, ganharam o direito às receitas com portagens da Ponte Vasco da Gama, da ‘25 de Abril’ e ainda o exclusivo das travessias rodoviárias do Tejo por toda uma geração. O governante que concebeu este calamitoso negócio, Ferreira do Amaral, preside hoje à empresa concessionária, a Lusoponte. Os seus sucessores seguiram-lhe o triste exemplo. Jorge Coelho e Valente de Oliveira, ministros das Obras Públicas de Guterres e Barroso, são administradores na maior concessionária de PPP, a Mota-Engil. Todos estes negócios ruinosos para o Estado têm responsáveis, que a Justiça portuguesa jamais pune. E têm como consequência os sacrifícios por que hoje passamos. E continuaremos a passar se não for erradicada a causa que está na origem desta situação a que chegámos: a corrupção."

Os remédios do poder contra o vírus da revolta

Texto de Pedro Tadeu, hoje publicado no Diário de Noticias

"O primeiro antídoto administrado para combater o vírus da revolta foi uma vacina semântica: a rejeição que a população deu nas manifestações de sábado às medidas de austeridade está a ser transformada numa plácida "incompreensão".

A tese é esta: o milhão de pessoas que saiu à rua "não compreende" as medidas de Passos Coelho, em especial as alterações à taxa social única. Porquê? Porque o primeiro-ministro e o ministro das Finanças não as explicaram bem; porque Passos Coelho deixou-se fotografar a cantarolar, feliz, a Nini de Paulo de Carvalho; porque ninguém percebe o objetivo de uma medida que tira dinheiro aos trabalhadores para o dar ao patronato.

A verdade é outra. Depois de um primeiro ano de fortes sacrifícios, aceites pelo povo, Passos falhou em todos os seus objetivos - a começar no acerto ao seu (e da troika) alvo principal, a redução real do défice.

Para emendar a mão, o Governo quis tornar permanente uma baixa salarial, no sector privado, equivalente a mais de um salário mensal e insistiu em tirar dois salários à função pública. Toda a gente compreendeu isto muito bem.

A troika, para salvar o seu memorando, foi complacente e deu nota positiva ao Governo, apesar do desastre na execução desse malfadado plano, que falha com estrondo onde quer que se aplique. Os portugueses, que compreenderam mesmo tudo, revelaram-se afinal mais rigorosos do que a troika e fizeram o que se impunha: para já, chumbaram, por incompetência, Passos Coelho, porque nem as suas próprias metas conseguiu atingir, apesar de ter contado muito tempo com o apoio do povo para o fazer.

Mas há mais. Os portugueses sentem-se traídos. Traídos pelos Governos de Sócrates (e seus antecessores), que levaram o Estado à penúria; traídos por Passos Coelho pelo falhanço na redução do défice e pela exigência de um empobrecimento brutal sem horizonte que não seja o de novo falhanço.

O segundo remédio para o vírus da revolta é o antibiótico palaciano: Portas a descartar-se, Seguro a fingir que com ele seria diferente, Cavaco a convocar conselheiros e parceiros sociais. Está em marcha a recomposição do poder, com as alternativas do costume.

E, se tudo falhar para esta classe dirigente, está aí o anestésico da revolta: um "governo de salvação nacional", um executivo de tecnocratas que concretizará coisas como esta: tornar legal e proceder ao despedimento de cem ou 200 mil funcionários públicos - a solução final para a crise, que todos estes senhores sussurram e que arruinará de vez milhares e milhares de famílias... Não acredita? Aposta?"

Já um yesterday man?

Texto de Alberto Castro, hoje publicado no Jornal de Noticias

" A austeridade inerente ao processo de ajustamento, resultante do acordo com o FMI, BCE e União Europeia, dava azo a vários riscos caso a execução se desviasse do previsto. O primeiro, fruto da soberba intelectual, consiste em não admitir o erro, persistindo e aprofundando as medidas, cuja correcção é apenas aferida no plano teórico. A impopularidade das medidas que seria necessário adoptar abriria caminho ao aparecimento de propostas demagógicas, tanto mais populares quanto mais fantasiosas e desligadas da realidade. A Grécia, com todos os seus erros, é um exemplo, com a ortodoxia restritiva a empurrar o país para uma espiral recessiva que os populistas aproveitaram para acenar com soluções irrealistas que, a serem concretizadas, apenas cavariam mais funda a sepultura de um país moribundo. Em ambos os casos, a democracia representativa é vítima. Os tecnocratas da troika e os populistas odeiam tudo o que perturbe os seus modelos ou a sua retórica, povo e democracia incluídos. Por mais peculiar que tivesse sido o comportamento grego, não era de excluir que nos viéssemos a confrontar com dilemas parecidos com os deles.

Numa primeira fase, e bem, o Governo esforçou-se por sublinhar o que nos diferenciava: o peso eleitoral dos partidos subscritores do acordo, a paz social, o carácter ordeiro das manifestações e greves. As sucessivas avaliações da troika e várias declarações de responsáveis internacionais, enfatizando essas diferenças, terão dado força aos que, dentro do Executivo, personificavam a linha mais ortodoxa. Isso que já tinha tido alguns afloramentos antes tornou-se tanto mais patente quanto mais a execução orçamental se afastava do previsto. Em vez de analisar o que falhara, o Governo tentou a fuga em frente. Os resultados estão à vista.

A forma exemplar e estóica como os portugueses vinham aguentando todos os sacrifícios justificava uma atitude diferente, mormente por quem não se queria desviar da linha traçada. Passos Coelho deveria ter admitido que haviam cometido um erro colossal na previsão das receitas, desprezando a experiência anterior que lhes indicava que, em 2009, uma quebra no PIB de 2,5% se havia traduzido numa redução de receitas de 8%. E poderia aproveitar a oportunidade para reconhecer que reformar a Administração Pública, de modo a cortar despesa sem a desmantelar, era algo mais complexo e moroso do que pensavam (palpitavam?) - daí o recurso aos cortes salariais. A honestidade levá-lo-ia a confessar que o mesmo se passava com as PPP (em que o número é, provavelmente, o maior e inultrapassável problema) e com as rendas da energia. Em suma, um governo que não fosse arrogante e presunçoso, que respeitasse o seu povo, que não se deslumbrasse com os encómios dos tutores, tinha a possibilidade de pedir mais sacrifícios. Para além da confissão dos erros cometidos e do enunciado das vantagens em cumprirmos (todos queremos ver-nos livres da troika!), as medidas deveriam ser calibradas de modo a salvaguardar os activos que constituíam a neutralidade do PS e o acordo de concertação social. Tal significava que o instrumento preferencial para a angariação de receitas deveria ser o IRS, cuja progressividade precisaria de ser reforçada. Várias outras medidas, nesta mesma linha, poderiam ser ainda elencadas, tornando claro o propósito de fazer pagar mais a quem mais ganha ou tem, não descurando outros impostos cujas receitas não proviessem directamente da actividade produtiva. E não perdendo a noção de que reduzir o custo do Estado é prioritário.

Ao optar por um seguidismo superlativo da troika e por um chico-espertismo de superdotado ausente da realidade, ao não respeitar o seu povo, o Governo fez o contrário do que devia. E teve a resposta na rua, correndo o risco de atirar os bem-intencionados para os braços do populismo mais perigoso. "Não queremos a troika. Que se lixe a nossa vida" é bem mais provável do que o contrário. Veremos se Passos Coelho tem a humildade para reconhecer o erro e arrepiar caminho. Caso contrário, mais cedo do que seria previsível, também ele passou a ser um yesterday man."

domingo, 16 de setembro de 2012

O povo acordou?

Ontem, 15 de Setembro de 2012, o povo saiu à rua numa das maiores manifestações já realizadas em Portugal.

Foto do Jornal de Noticias

Em Lisboa, Porto e em muitas outras cidades espalhadas pelo País e no estrangeiro, os portugueses vieram dizer, alto e bom som, que estão contra as medidas de austeridade que Passos Coelho quer impor.

Gerações inteiras, novos e "velhos", estudantes, trabalhadores e empresários, desempregados e empregados, precários ou não, é este o retrato dos manifestantes, independentes dos partidos e dos sindicatos.

Só não vê a indignação e o desprezo quem não quer mesmo ver e se refugia atrás do formalismo eleitoral para reclamar uma legitimidade que, obviamente, não tem.

Passos Coelho tem de tirar conclusões do que ontem se passou e perceber que o povo não o quer a governar o País.

A atitude correcta seria demitir-se e ir para eleições mas, para isso acontecer, há que continuar a lutar na rua e a mostrar ao estúpido que o tempo dele acabou.

Povo, acordaste, não te deixes adormecer de novo!


Coligação ligada à máquina

Texto de Paulo Baldaia hoje publicado no "Diário de Noticias".

"Por "patriotismo", segundo o próprio, Paulo Portas decidiu não decretar a morte da coligação de que faz parte, mas deixou-a ligada à máquina sem grande esperança de lhe restituir vida verdadeira que permita a Portugal ter governo para os três anos que faltam de legislatura.

Não sabemos se Pedro Passos Coelho fez um testamento vital para a coligação. Conhece, como conhecemos todos, o CDS de Portas. Passos aceitará este prolongamento artificial de vida? Também ele é um "patriota" e não quer levar o país até ao risco de procurar outra solução governativa? Prefere ficar neste estado de coma provocado pela TSU do que correr o risco de regressar à vida deixando cair esta polémica medida?

Portas não esteve bem ao alimentar um tabu porque alimentou também um clima de desconfiança que irá marcar o resto da vida desta coligação. A coisa está de tal forma que um dos vice-presidentes do CDS achou por bem informar o país de que já não há química na coligação. O que agora está em jogo, no entanto, já não é a capacidade dos parceiros de coligação recuperarem a alegada química que um dia tiveram, o que agora se joga é a capacidade do poder executivo preservar a ligação às pessoas em nome de quem governa.

Passos Coelho não pode agora confundir determinação com casmurrice. Se o seu parceiro de coligação entrou no coro generalizado de criticas à fórmula TSU, não sobra muito espaço para manter a fórmula. É preciso que o Executivo não perca de vista o que aconteceu ontem em várias cidades do país. Não se governa contra tudo e contra todos. Por mais mérito que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças vejam nesta matéria, estão obrigados a perceber que já não estão a governar em nome da maioria política que os suporta no Parlamento, porque o CDS, mesmo que vote a favor, resolveu ficar de fora.

Sobre a evidente situação política explosiva que se antevia escrevi a semana passada, não pensando, no entanto, que o divórcio da coligação já tinha feito um caminho tão longo. Este casamento "sem química" mantém-se, como muitos outros casamentos, por causa da crise. É artificial. O instinto de sobrevivência que os pode levar até às autárquicas é o mesmo instinto que vai confirmar o divórcio a meio da legislatura.

As centenas de milhar que ontem sairam à rua, o CDS, os barões do PSD, o PS e o Presidente vão ter de obrigar Passos Coelho e Vitor Gaspar a recuar. A coligação está ligada à máquina. O país também."


Conversa acabada

Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".

"1. Não há quem não tenha salientado a importância da existência de consensos políticos e sociais neste particularmente difícil momento da nossa história. E, justiça seja feita, o Governo conseguiu com os anúncios dos últimos dez dias o maior consenso político e social desde que chegou ao poder: não há ninguém que defenda as novas medidas de austeridade. Não há defensor acérrimo da austeridade que se tenha posto ao lado do Governo, não há patrão contente por lhe "aliviarem" a tesouraria (não há palavras para definir as lições de gestão de Passos Coelho aos empresários e a sugestão de que ia interferir na tesouraria das empresas), não há sindicato compreensivo, não há senador, ex-presidente, e, especialmente, não há militante do PSD e do CDS que pense pela sua cabeça e não esteja absolutamente dependente da máquina partidária que apoie este esbulho aos trabalhadores por conta de outrem, este roubo aos reformados, esta irracionalidade económica, este plano de rápida destruição da economia dum país. O Governo uniu os portugueses contra si e, claro está, abriu uma crise política. Não foram os parceiros sociais, os credores ou a contestação social e política. Foi o próprio Governo. O Governo tinha dado todas as razões e mais algumas para que as pessoas quisessem vê-lo pelas costas: os ministros que o não são e os que são sem o não serem; o Executivo enxuto que se revelou uma confusão sem nome com comissões, grupos de trabalho e afins; as tricas entre os dois partidos da coligação; leis que não chegam a entrar em vigor por ter havido enganos...; gente sem o mínimo conhecimento da realidade em cargos vitais; as privatizações pouco transparentes, Relvas, RTP. A lista é longa. Mais que tudo, a prova de que os portugueses são o mais tolerante dos povos é a execução orçamental. O facto, que nunca é demais repetir, de que foram pedidos todos os sacrifícios para que se atingissem os miríficos 4,5% e, pelos vistos, vamos ficar lá pelos 6 ou 7%, seria prova mais do que suficiente para aquilatar do profundo fracasso do Governo, da sua incompetência, do erro da sua receita além troikiana. Mesmo assim, o Governo ainda dispunha de algum crédito. Mas perdeu-o quando chamou estúpidos aos portugueses. Quando tentou convencê--los de que a mesma receita podia dar resultados diferentes. Quando a demonstração da gritante injustiça de transferir dinheiro de pessoas que ganham 485 ou 1000 euros, depois de todos os sacrifícios impostos, para as empresas ficou evidente. Quando ficou transparente que este tipo de sacrifícios não vai resolver rigorosamente nada, ou melhor, vai conduzir Portugal para um buraco ainda mais fundo. Mas que não existam confusões: a crise que o Governo abriu não tem que ver com as possíveis dissensões entre os membros do PSD e do CDS do Governo, ou entre gente do PSD, ou com o facto de Cavaco Silva achar o novo pacote de austeridade uma loucura - como a sua porta-voz Ferreira Leite nos veio dizer - ou nem sequer com a injustiça ou o gigantesco disparate das medidas do dito pacote. O que fez deflagrar a crise política foi o facto de se ter quebrado o elo de confiança entre os eleitores e os seus representantes. Neste caso, entre o Governo e o povo. E, não há volta a dar, quando o laço de confiança entre poder político e cidadãos se quebra, é impossível repará-lo.

Os portugueses teriam rejeitado o romper de equilíbrios sociais em que a comunidade está alicerçada se lhes tivesse sido dito que esse era o plano. Os portugueses não teriam apoiado o caminho do empobrecimento generalizado como forma de chegar sabem os deuses onde, se esse projecto tivesse sido proposto. Ninguém votaria numa transferência de recursos dos mais pobres para os mais ricos aprofundando a nossa endémica desigualdade. Não estamos perante simples mudanças de rumo, correcções às promessas eleitorais, ou mesmo decisões inevitáveis. O Governo optou por um caminho que entra em ruptura com o conjunto de valores em que se baseia a nossa comunidade.

Este Governo, para os cidadãos, caiu. Pode até manter-se em funções, mas já ninguém o respeitará.

2. Não faltarão vozes nos próximos dias a apelar à responsabilidade. À necessidade de este Governo se manter em funções, a demonstrar que o pior cenário do mundo seria a sua queda. Esqueçamos, por agora, que quem iniciou a crise foi o próprio Governo. O que neste momento importa saber é: o que seria pior para o País? Este Governo conseguir aprovar o Orçamento com as medidas já anunciadas e que inexoravelmente conduziriam o País para uma situação de ruptura social e económica lá para meados do próximo ano, tentar dentro do quadro parlamentar arranjar outra solução governativa ou anteciparem-se as eleições? A resposta não é simples, mas mantendo-se o Governo na linha anunciada qualquer das duas últimas soluções seria melhor do que a primeira."

sábado, 15 de setembro de 2012

Um homem só

Texto de João Marcelino hoje publicado no Diário de Noticias

"1. O erro de Passos Coelho é muito comum entre os decisores nacionais, e não apenas políticos. Acham que tudo é técnico. Decidem, está decidido. Inevitavelmente, obedecerá quem deve. Não conseguem ouvir mais do que alguns segundos e estão rodeados de consultores, assessores e outros seres, que avisadamente se preparam com esmero para lhes dizer sempre o que eles gostam de ouvir. Até que um dia...
Para Passos Coelho esse dia chegou, inesperadamente, pouco mais de um ano depois da tomada de posse - e isso, pela rapidez, é que é estranho.
Em dez minutos apenas, entre um jogo de futebol e uma ida a um concerto, o primeiro-ministro forneceu o pretexto que delapidou o formidável consenso nacional por detrás das medidas de austeridade impostas pela troika de credores.
Antes, acredito, Passos Coelho não terá investido muito tempo na previsão do impacto social da "genialidade" técnica da TSU fabricada pelo Ministério das Finanças. Agora, descortino, estará desgostoso com um país que o não entende e, no limite, nem sequer o merecerá...
Se for mesmo assim, o diagnóstico é fácil: autismo.
2. A insensibilidade social que é preciso ter para impor um financiamento do trabalho ao capital, dos trabalhadores aos patrões, em plena maior crise económica, financeira e social dos últimos 35 anos, pelo menos, fica registada. É uma nódoa. E os verdadeiros empresários, os que criam riqueza e empregos afastados do conforto dos monopólios ou da permanente traficância com o poder em exercício, nem sequer agradecem, porque sabem que arrefece a economia e no fim da linha os prejudica.
Passos Coelho tornou-se, num fugaz instante, um homem só. É fustigado pelo interminável silêncio de Paulo Portas, pelos variados recados dos amigos próximos de Cavaco Silva, alguns deles que, solenemente, se vão reunir no Conselho de Estado que o Presidente convocou já para o fim da próxima semana, e pela incomodidade geral do PSD. Todos eles ampliam o coro de desespero das pessoas ofendidas a que os partidos da oposição naturalmente se colaram e tentam representar.
O ambiente político no País está à beira de uma explosão de cidadania nas ruas e o primeiro-ministro só pode queixar-se de si próprio. Exorbitou no papel do capataz que, por excesso de zelo, arrisca acabar odiado por uns e será, então, descartável pelos outros.
3. A queda do Governo seria, no entanto, o pior que poderia acontecer a Portugal neste momento. Então, sim, transporíamos de um salto a já pequena fronteira que nos separa da Grécia.
Por isso mesmo, pelas responsabilidades que tem na atual situação do País, sobretudo pela insensata proposta da TSU, Passos Coelho tem de saber sair rápido desta situação. Uma semana começa a ser muito tempo. A entrevista à RTP mostrou que ainda hesita entre avançar e recuar. E, no entanto, por respeito aos portugueses, sobretudo aqueles que acreditam na União Europeia, no euro e não desistem de ser honrados querendo pagar os seus compromissos internacionais, o primeiro-ministro tem de encontrar urgentemente uma saída para esta crise que ele próprio provocou.
Paulo Portas também não pode insistir demasiado neste silêncio pérfido. O País precisa de ouvir o líder do CDS dizer claramente o que quer. Fica e negoceia? Ou bate com a porta e assume as suas responsabilidades?
Ambos, Passos e Portas, vão ter de se entender muito rapidamente e depois com o País, se isso ainda for possível. Como isto está, e se verá hoje nas ruas, a questão da legitimidade não se esgota no Parlamento. E mesmo aí, com os apelos de Cavaco Silva, perdão de Manuela Ferreira Leite, nunca se sabe...
António José Seguro, por seu lado, falou claro aos portugueses, sem rodeios. Não é habitual nos políticos portugueses e marcou pontos para dentro e fora do partido. Quem acha que o secretário-geral do PS é um político fraco está a ver muito mal..."

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O mesmo mas mais forte

Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias.

"Lembram-se do perentório "nem mais tempo nem mais dinheiro"? Estoirou. Desabou exibindo a fragilidade de um castelo de cartas. É o que acontece às mentiras. Não foi a bondade da troika nem um arroubo de consciência de Gaspar que fizeram acrescentar um ano ao "cumprimento das metas" - foi tão-só a força irrecusável do fracasso completo desta receita. Erraram, troika e Governo. E fizeram-no com a leviandade de quem leva um povo inteiro para um laboratório para com ele fazer experiências que - azar - correm todas mal. Ora, o que é ignóbil é que, como o cientista louco diante da enésima explosão das suas delirantes misturas, o Governo e a troika, face à evidência do seu fracasso, ensaiem a irresponsável estratégia de "o mesmo mas mais forte".
O que o Governo anunciou esta semana ao País é que um ano a mais não servirá para suavizar a agressão à economia mas sim para a acentuar e prolongar. Com o dislate dos cínicos, Passos e Gaspar invocaram em favor da sua estratégia de "o mesmo mas mais forte" um argumento passado (a sua derrota política às mãos do Tribunal Constitucional) e um argumento futuro (o incentivo à criação de emprego). Puro dislate: em ambos o Governo deturpou, inventou, mentiu. E, pelo meio, troçou cinicamente da legalidade constitucional e de nós todos.
Àquilo que o Tribunal Constitucional condenara por iníquo - o confisco de dois subsídios aos funcionários públicos e aos pensionistas - o Governo acrescentou o confisco de um salário aos trabalhadores do sector privado, através do aumento brutal dos seus descontos para a Segurança Social. O mesmo mas mais forte, portanto. Mas mais forte ainda: o que os trabalhadores descontam a mais, passam os patrões a descontar a menos. O Governo perdeu toda a vergonha e assume, com esta grotesca transferência direta de milhares de milhões de euros do trabalho para o capital, que a sua resposta para a sua condenação por falta de equidade é ainda menos equidade. Cinismo maior era difícil.
Tudo para combater o desemprego, ora pois. Como se não fosse claro que esta reengenharia dos descontos para a Segurança Social só pode servir a um pequeno punhado de grandes empresas, as únicas cujo peso do fator trabalho no cômputo global de custos é significativo. Todas as demais - e estas mesmas, em última análise - não terão qualquer margem acrescida para contratar, porque a perda de poder de compra das famílias arrasa o consumo e um consumo destruído destrói as empresas. Perda de salários que fazem perder consumo que faz perder produção que faz perder receitas fiscais que faz perder capacidade de proteção e de promoção social que faz perder o País.
Tanto delírio experimentalista e tamanha destruição social e económica estão a causar uma erosão muito rápida na base social e política das políticas do Governo e da troika. A evidente vontade do CDS de bater em retirada (num submarino?) e o assinalável número de vozes que, à direita, vem dizer "basta!" são disso sinais inequívocos. Tão inequívocos pelo menos como o desnorte do Governo que não encontrou ninguém com mais credibilidade que Miguel Relvas para vir a público implorar a acalmia das ondas.
A incompetência do Governo e da troika - patente no desemprego, no crescimento da dívida e do défice e no não "cumprimento das metas" - não é um contratempo. Por estranho que pareça, serem assim incompetentes é a sua estratégia. Na sua obsessão regeneradora, o horizonte almejado nunca se atingirá. E, por isso, haverá sempre mais e mais "medidas" a adotar. O mesmo, pois. Mas cada vez mais forte."

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Mais reacções à estupidez

Foto do Diário de Noticias
Ferreira Leite arrasa Governo
"Ninguém consegue engolir a segunda dose de xarope"
Publicado no Diário de Noticias mas manchete também noutros jornais.

" A ex-ministra das Finanças criticou em toda a linha as novas medidas de austeridade numa entrevista concedida à TVI24

Num tom contundente, Manuela Ferreira Leite não poupou o ministro das Finanças Vítor Gaspar nas várias críticas que fez às novas medidas de austeridade anunciadas numa entrevista concedida à TVI 24 esta noite.

"Esta segunda dose de xarope já ninguém a consegue engolir", rematou a ex-ministra das Finanças quase no final da entrevista e depois de ter insistido na ideia de que a "receita" do governo liderado pelo seu partido para tirar o país da crise "não está a resultar". "Só por teimosia se insiste numa receita que não está a resultar", referiu.

O aumento da TSU para os trabalhadores e respetiva redução para as empresas foi avaliado pela ex-ministra das Finanças como "uma medida altamente perniciosa que vai aumentar dramaticamente o desemprego".

A garantia dada por Vítor Gaspar de que o dinheiro da Segurança Social deve ficar nas empresas mereceu-lhe um reparo "ácido". "Senti-me um bocadinho na União Soviética a ouvir o ministro das Finanças nessa matéria. Nunca vi um ministro gerir a tesouraria das empresas privadas!". "


Os pobres que paguem a crise
Alfredo Leite, Jornal de Noticias


"No mesmo sítio onde Passos Coelho tratou todos os portugueses por "amigos", o meu amigo Pedro (Ivo, não o Passos, de quem estou longe de ser amigo, apesar de me tratar como tal) publicou ontem um post que faz lembrar um remake luso de "Good Bye, Lenine!". Dizia assim: "Quem tivesse emigrado em 1975 e chegasse hoje a Portugal diria que o país está igual. Pobre, amargurado. E a ver a mesma telenovela". É certo. A única diferença é que em 75 os portugueses tinham esperança. O que o Governo nos fez nos últimos dias foi aniquilar a mais ínfima réstia desse sentimento.

Naquele tempo, em que a "Gabriela" ainda passava a preto e branco na única televisão existente (a mesma que Passos Coelho quer agora desbaratar), pedia-se que fossem os ricos a pagar a crise, mas, com o Governo laranja a falhar as previsões de retrair a economia em 4%, são agora os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas a pagar a dita. Em menos de uma semana Passos, Gaspar e o silêncio encurralado - e cúmplice - de Portas puseram os trabalhadores quase a pagar para trabalhar. Com isso, arruinaram a paz social que tanto nos distinguia da Grécia e aniquilaram o capital de cooperação institucional que envolvia a oposição socialista e a UGT. Em poucos dias, Crato, Gaspar e Cristas foram alvos de tentativas (vis e injustificadas, é certo) de agressão. Mas um Governo que brinca com a vida do povo que o elegeu (e de quem só teve de respeitar essa escolha) não pode esperar que a revolta seja indefinidamente contida e, nesse sentido, as manifestações do próximo sábado serão uma prova de fogo para o executivo e um teste aos cada vez menos brandos costumes nacionais.

Entre os pingos deste fogo cruzado continua a tentar passar despercebido Paulo Portas. O líder do CDS/PP e parceiro de coligação de Passos mantém um silêncio que o seu eleitorado, o que nele votou por se opor à privatização da RTP, por ser contra o aumento de impostos e por defender a dignidade de reformados e pensionistas, haverá de julgar. Enquanto se cala, refugiado no seu muito peculiar dever patriótico, Portas solta os seus mais próximos colaboradores contra Gaspar. Foi assim ontem, com a "peixeirada" à porta fechada entre o porta-voz centrista, João Almeida, e o ministro das Finanças, no decorrer de uma reunião entre os grupos parlamentares da maioria que nos governa. E por muito que todos tenham tentado calar as violentas trocas de palavras entre ambos, não é crível que Almeida se manifestasse contra a subida da TSU e as mexidas nos escalões do IRS à revelia de Paulo Portas.

Dito isto, Passos, que ainda há dias cantarolava no Tivoli "Nini dos meus 15 anos" durante um concerto de Paulo de Carvalho, poderá ter de ensaiar uma canção mais adequada ao espírito de 75 (a música, entre outras revoluções, venceu o festival RTP de 74) que dizia assim: "E depois do amor/ E depois de nós/ O adeus/ O ficarmos sós". "

A retórica da austeridade infinita
Eduardo Dâmaso, Correio da Manhã


"Depois dos 7% da Taxa Social Única, do aumento médio da receita do IRS, da penalização das reformas e dos recibos verdes, da factura do IMI que já pesa, o ministro das Finanças veio ontem admitir que podem ser necessárias "novas medidas pontuais" para chegar aos 5% de défice.

Esta retórica mitigada da austeridade infinita é não só um crasso erro político como um atentado contra o País e os portugueses. Como se não bastasse o que efectivamente oEstado vai confiscar aos portugueses, temos sido todos os dias massacrados e desmoralizados pela possibilidade de o inferno ser ainda maior. Mais: dando nota de uma total impreparação comunicacional, de um fanatismo ideológico ultraliberal, de uma descoordenação política inapelável, de uma insensibilidade social semlimites, há ministros que ainda têm o desplante de justificar o que estão a fazer com a pesada herança do PS.

Não tenhamos ilusões: apesada herança existe e resulta de um período de governação socialista que roçou a delinquência, mas os portugueses já não encaixam esse chico--espertismo político de os governos se justificarem uns com os outros. Passos Coelho e Vítor Gaspar têm de dizer de uma vez por toda onde vai isto parar e acabar com a retórica insultuosa do controlo de danos. Desde logo porque ainda ontem o chefe da missão do FMI fez questão de dizer que se o programa for apenas austeridade a economia não vaisobreviver e, também, que a paternidade de tais medidas não é dos nossos credores mas do próprio Governo. Em que verdade ficamos, afinal? "

O que contraria Gaspar não serve a Gaspar
André Macedo, Diário de Noticias


"Vítor Gaspar anda um pouco perdido. Anteontem, sugeriu às pessoas que se juntassem para reagir aos aumentos de preços em sectores chave da economia. O ministro das Finanças não especificou, mas referia-se à energia, às telecomunicações, certamente aos combustíveis. Um dia destes ainda nos vai falar do preço da carcaça. Eis a solução de Gaspar para resolver os terríveis problemas do País: que os portugueses se unam para pressionar os gestores das empresas privadas a baixar os preços. Extraordinário, não é?

Veja bem. Um discípulo da escola de Chicago, um liberal que vai privatizar a água e em breve os pombos do Rossio, diz ao povo que escolha a ação direta. Ele não fala em piquetes nem em fogueiras na Avenida da Liberdade, mas percebe-se a intenção. Chegados a este ponto, ele só quer uma coisa: desviar um pouco as atenções deste salvamento - inegável a desgraça deixada pelo PS - que ameaça acabar num afogamento coletivo.

O ministro diz também que obrigará as empresas a não desbaratar o que vão poupar em segurança social. Pagar dividendos aos acionistas - grandes, pequenos, médios - passou a ser um nojo, um atentado à pátria. Temos entre nós o único liberal do sistema solar que despreza o mercado de capitais. Promete, por isso, enfiar a longa mão do Estado na gestão da tesouraria das empresas, como antes já tinha enfiado no bolso dos contribuintes. Calma: há certamente uma justificação técnica para este absurdo. Chega de injustiça. O ministro das Finanças tem as contas do lado dele. Todos os raciocínios e projeções estão ancorados em modelos econométricos perfeitos, à prova de bala.

O que são estes modelos? O Google esclarece: um conjunto de ferramentas usadas para simular os principais mecanismos de um sistema económico. Existe naturalmente uma grande variedade destes modelos, e como a teoria macroeconómica não é um campo estável, contém muitas teorias divergentes. Os diferentes modelos não só refletem diferentes usos, mas também o ponto de vista (ah pois é...) e a ideologia (ui, ui, ui) do analista que os construiu.

Ora aí está. É outra vez o maravilhoso Excel de Gaspar. Os modelos que o Banco de Portugal fez sobre a taxa social única não serviam a Gaspar, porque contrariavam o Gaspar. Portanto: lixo com eles. Os modelos da troika, sim, esses são belíssimos, certíssimos, caríssimos. Justificam tudo, até os clamorosos falhanços orçamentais deste ano e, inevitavelmente, os do próximo. Mas isto o Excel não diz. O Excel é um papagaio, Gaspar o mestre, nós a ração da ave rara."

Aos empresários: recusem a TSU
Daniel Deusdado, Jornal de Noticias


"Perante as palavras do primeiro-ministro na sexta-feira passada, a sociedade portuguesa tem uma oportunidade de se afirmar de forma livre e justa: ignorá-las. Ou seja, perante um absurdo aumento da taxa social única que transita diretamente dos trabalhadores para os empresários, as confederações da Indústria Portuguesa, do Comércio, Turismo e Agricultura deveriam ir dizer ao Governo que recusam esta transferência e não a vão pôr em prática.
 
Não acredito que a troika seja capaz de continuar a exigir uma coisa que, em conjunto, empresários e sindicatos não consideram justo nem oportuno face às circunstâncias da sociedade portuguesa. Banca, grandes empresas como a PT ou
EDP (a Sonae, através de Belmiro de Azevedo, já disse que isto não faz sentido) podem demonstrar que não querem engrossar os seus lucros à custa da cada vez maior pobreza dos portugueses. E o Governo teria aqui uma hipótese de lavar as mãos face à troika enquanto a sociedade portuguesa demonstraria ser capaz de se afirmar como viva e justa.
Não há meio termo: ou nos conformamos com este absurdo (perante a complacência cobarde dos empresários) ou a recusamos. Silva Peneda deveria liderar este movimento (com a cobertura política de Cavaco?). Porque do Governo há pouco a esperar: demonstra infelizmente que não sabe o que anda a fazer. Na dúvida, pende para medidas ultraliberais que têm esmagado sucessivamente os mais fracos.

Passos Coelho não tem, definitivamente, maturidade para compreender o impacto das medidas a que dá voz. Conseguiu em dez minutos acabar com a paz social do país e, como disse ontem Durão Barroso, dessa forma ameaçar o maior ativo de Portugal - a luta em bloco contra a bancarrota. A culpa não é obviamente dele mas dos tristes congressos do PSD onde demasiadas vezes se usa como critério de liderança do partido quem domina o aparelho (ou os favores políticos de uma vida), mais do que as ideias.

Perante isto, Paulo Portas tem uma oportunidade única de se libertar. Por "patriotismo", se quiser repetir o argumento dos últimos dias para justificar o ensurdecedor silêncio com que nega o que sempre disse - que não aceitaria mais aumentos de impostos. A situação política não tem saída: está metido com um ministro das Finanças que cumpriu o seu papel inicial mas desconhece profundamente a forma como a economia real se comporta. Só um cientista louco, aliás, acharia que cortar 7% de rendimento mensal a todos os trabalhadores resultaria em crescimento do emprego... Por outro lado, o líder do CDS tem mais do que provas de que não pode confiar em Passos nem em Relvas. E já percebeu que o Ministério da Economia tem vindo a ser tomado, aos poucos, pelos lobbies do costume - como se viu no caso da Energia, em que a demissão do secretário de Estado era conhecida na EDP ainda antes de ser pública. Não sei francamente se o CDS é inimigo destes lobbies, mas eles impedem o país de se libertar das eternas rendas que contribuem para os gigantescos buracos do Estado...

Antes que PSD e CDS sejam a mesma coisa - ou seja, os responsáveis pelo Governo mais odiado dos últimos anos da democracia portuguesa -, talvez não fosse mal pensado pôr Portas a dar a mão a Cavaco e irem à procura de outro líder para o Governo. Uma remodelação certeira: mudar o primeiro-ministro, o seu adjunto, e mais dois ou três. Não precisam de sair todos. Precisamos é de evitar que o caminho seja o do recurso às greves que paralisam o país e nos empobrecem todos os dias.

Note-se: desta vez o argumento não é apenas a troika, a dívida do passado, o Sócrates, etc.. É a sobrevivência mental das pessoas - a diferença entre o certo e o errado - e a forma como passam a olhar para a sociedade e a política. Se o presidente da República continuar nos floreados em que é mestre, deitando gasolina para a fogueira e depois queixando-se da dimensão do incêndio, que não se queixe. Desta vez o poder político vai pagá-las na rua. Cavaco incluído - em homenagem à sua parca reforma, que o povo não esquece..."

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Reacções à estupidez de Passos Coelho

Reacções hoje publicadas nos jornais à estupidez das medidas de austeridade apresentadas por Passos Coelho e por Vitor Gaspar.

As espadas
Pedro Santos Guerreiro, no Jornal de Negócios

"O Governo estragou tudo. Tudo. Estragou a estabilidade política, a paz social, estragou aquilo que entre a revolta e o pasmo agregava o país: o sentido de que tínhamos de sair disto juntos. Sairemos disto separados? Hoje não é dia de escrever com penas, é dia de escrever de soqueira.

Passos Coelho, Gaspar e Borges estiveram fechados em salas tempo de mais. Esqueceram-se que cá fora há pessoas. Pessoas de verdade, de carne, osso, pessoas com dúvidas, dívidas, família, pessoas com expectativas, esperanças, pessoas com futuro, pessoas com decência. Pessoas que cumpriram. Este Governo prometeu falar sempre verdade. Mas para falar verdade é preciso conhecer a verdade. A verdade destas pessoas. Quando o primeiro-ministro pedir agora para irmos à luta, quem correrá às trincheiras?

Não é a derrapagem do défice que mata a união que faz deste um território, um país. É a cegueira das medidas para corrigi-lo. É a indignidade. O desdém. A insensibilidade. Será que não percebem que o pacote de austeridade agora anunciado mata algo mais que a economia, que as finanças, que os mercados - mata a força para levantar, estudar, trabalhar, pagar impostos, para constituir uma sociedade?

O Governo falhou as previsões, afinal a economia não vai contrair 4% em dois anos, mas 6% em três anos. O Governo fracassou no objectivo de redução do défice orçamental. Felizmente, ganhámos um ano. Mas não é uma ajuda da troika a Portugal, é uma ajuda da troika à própria troika, co-responsável por este falhanço. Uma ajuda da troika seria outra coisa: seria baixar a taxa de juro cobrada a Portugal. Se neste momento países como a Alemanha se financiam a taxas próximas de 0%, por que razão nos cobram quase 4%?

Mais um ano para reduzir o défice é também mais um ano de austeridade. E sem mais dinheiro, o que supõe que regressaremos aos mercados em 2013, o que será facilitado pela intervenção do BCE. Mas "regressar aos mercados" não é um objectivo político nem uma forma de mobilizar um país. São os fins, não os meios, que nos movem.

Sucede que até este objectivo o Governo pode ter estragado. Só Pedro Passos Coelho parece não ter percebido que, enquanto entoava a Nini, uma crise política eclodia. A nossa imagem externa junto dos mercados, que é uma justa obstinação deste Governo, está assente em três ou quatro estacas - e duas delas são a estabilidade política e a paz social. Sem elas, até os juros sobem. E também aqui o Governo estragou tudo. Tudo.

Os acordos entre partidos da coligação e o PS, e entre o Governo e a UGT, têm uma valor inestimável. Que o diga Espanha, que os não tem. Mas não só está anunciado um aumento brutal de impostos e de corte de salários públicos e pensões, como se inventou esta aberração a destempo da alteração da taxa social única, que promove uma transferência maciça de riqueza dos trabalhadores para as empresas. Sem precedentes. Nem apoiantes.

Isto não é só mais do mesmo, isto é mal do mesmo. O dinheiro que os portugueses vão perder em 2013 dá para pintar o céu de cinzento. O IRS vai aumentar para toda a gente, através de uma capciosa redução dos escalões e do novo tecto às deduções fiscais; os proprietários pagarão mais IMI pelos imóveis reavaliados, os pensionistas são esmifrados, os funcionários públicos são execrados. É em cima de tudo isto que surge o aumento da TSU para os trabalhadores.

Alternativas? Havia. Ter começado a reduzir as "gorduras" que o Governo anunciou ontem que vai começar a estudar para cortar em 2014 (!). Mesmo uma repetição do imposto extraordinário de IRS que levasse meio subsídio de Natal, tirando menos dinheiro aos trabalhadores e gerando mais receita ao Estado, seria mais aceitável. O aumento da TSU é uma provocação. É ordenhar vacas magras como se fossem leiteiras.

Poucos políticos têm posto os interesses do país à frente dos seus. Desde 2008 que tem sido uma demência. Teixeira dos Santos aumentou então os funcionários públicos para ganhar as eleições em 2009. Cavaco Silva devia ter obrigado a um Governo de coligação depois dessas eleições. José Sócrates jamais deveria ter negociado o PEC IV sem incluir o PSD. O PSD não devia ter tombado o Governo. E assim se sucedem os erros em que sacrificam o país para não perderem a face, as eleições ou a briga de ocasião. O que vai agora o PS fazer? E Paulo Portas? E o Presidente da República, vai continuar a furtar-se ao papel para que foi eleito?

João Proença foi das poucas pessoas que pôs o interesse do país à frente do seu, quando fez a UGT assinar um acordo para a legislação laboral que, obviamente, lhe custaria a concórdia entre os sindicalistas. Até Proença foi agora traído. Com o erro brutal da TSU, de que até meio PSD e o Banco de Portugal discordam. Sim: erro brutal.

É pouco importante que Passos Coelho não tenha percebido que começou a cair na sexta-feira. É impensável que lance o país numa crise política. É imperdoável que não perceba que matou a esperança a milhares de pessoas. Ontem foi o dia em que muitos portugueses começaram a tomar decisões definitivas para as suas vidas, seja emigrar, vender o que têm, partir para outra. Ou o pior de tudo: desistir.

Foi isto que o Governo estragou. Estragou a crença de que esta austeridade era medonha e ruinosa, mas servia um propósito gregário de que resultaria uma possibilidade pessoal. Não foi a austeridade que nos falhou, foi a política que levou ao corte de salários transferidos para as empresas, foi a política fraca, foi a política cega, foi a política de Passos Coelho, Gaspar e Borges, foi a política que não é política.

Esta guerra não é para perder. Assim ela será perdida. Não há mais sangue para derramar. E onde havia soldados já só estão as espadas."

A sexta-feira negra
Baptista Bastos, no Diário de Noticias

"Na última sexta-feira, Pedro Passos Coelho fez a pública confissão da sua derrota. Um homem acabrunhado, curvado e antigo veio dizer-nos dos novos pesares que teríamos de suportar. O ambiente era denso, sépia e contrito. Ao lado, pendente e sem garbo, a bandeira portuguesa. Dezassete minutos durou a funesta declaração: mais impostos, mais retracção, mais subtracção de salários, mais infortúnio para os velhos, para os reformados, para os pensionistas. Enfim: os portugueses estão irremediavelmente condenados à pobreza, ao passado, à servidão sem mistério nem ambiguidade.

As causas da nossa infelicidade têm sido endossadas a outros. Quem trepa ao poder é imaculado, impoluto e virgem do mais escasso pecado. O caso vertente é uma melancólica repetição. Primeiro, Passos atacou Sócrates, com selvagem persistência; depois, foi-se à troika, e indicou-a como raiz de todos os nossos males; acabou por ultrapassá-la nas decisões; agora, coube a vez ao Tribunal Constitucional, que tentou, em vão, impedir a prática de um crime contra quem trabalha ou trabalhou. O coro de críticas contra o acórdão pertence, ele também, a uma estratégia simbólica de defrontar seja quem se opuser ao Governo. Esta cultura caótica não é casual: faz parte da dispersão do nosso civismo, que permite a impunidade a todos os cambalachos morais.

O certo é que o dr. Passos Coelho e os seus estão metidos numa embrulhada fatal. Além das mentiras graves e das omissões patéticas a que se habituaram, enfiaram o dr. Cavaco, seu aliado preferencial, numa camisa de onze varas. O homem não pode continuar em mutismo formal. As pressões para que interfira não caucionam nenhuma daquelas ambiguidades em que é obstinado. Acontece um porém: se o dr. Cavaco veta ou se opõe às disposições do dr. Passos, a este não resta senão demitir-se. O que parece estar longe dos seus propósitos. Então, que fazer?

As pesarosas explicações do dr. Passos no Facebook acirraram, ainda mais, os rancores, os ressentimentos e, até, os ódios. O documento é torpe nos objectivos, medíocre na gramática e absurdo nos princípios. A manifestação do dia 15, promovida na Internet, sustenta-se nesses desígnios emocionais. Cego, cego, e surdo, surdo, o dr. Passos presume ter criado um valor intrínseco, e favoravelmente contagioso. As recentes declarações do dr. Nuno Crato, cujas tropelias na Educação não se esgotam, são disso exemplo. Quando diz que os professores não irão para a rua protestar, ou confia no medo tornado endémico ou numa salvífica expressão de complacência para com a sua política.

Seja como for, penso que está a encerrar um ciclo, e dos mais agressivos, medíocres e perigosos na sociedade portuguesa. Nada pode preservar da condenação esta gente que se mobilou a si própria com sobranceria e desprezo. Esta gente de coração de gelo. "

A jogada
André Macedo, no Diário de Noticias

"Passos & Gaspar deviam ter anunciado mais uma medida estrutural: que se comprometem a ficar em Portugal nos próximos dez anos. O que digo? Quinze anos e a trabalhar no setor público. Demagógico? Sim, porque não? São de tal forma recessivas as medidas que Passos & Gaspar têm de dar o exemplo. Ficam aqui a roer os ossos duma economia desgraçada. Diz o Governo que a recessão vai ser 1% em 2013 e que o desemprego se ficará pelos 16%. Duvido. Não só porque Gaspar tem falhado todas as projeções, mas porque as famílias não vão conseguir respirar. Além do aumento das contribuições dos trabalhadores para a segurança social, as mexidas no IRS confiscam mais rendimento. Há ainda a somar o aumento do IMI e o fim dos benefícios fiscais. Os subsídios de desemprego e o rendimento social de inserção também sofrem outro corte. Nem os pensionistas - os velhos, caramba- se safam. Os dividendos e as mais-valias também são apanhados. Boa notícia? Nada disso. Já nem penso nos pequenos acionistas, só vejo mais uma torneira que se fecha. Esquizofrenia pura: o que Gaspar dá com uma mão às empresas (menos contribuição para a segurança social) tira com a outra (imposto sobre imóveis, mais IRC). O ministro das Finanças vai mais longe. Quer obrigar as empresas a aplicar sensatamente o dinheiro que deixam de gastar em TSU. Onde é que isto vai acabar? Impostos altíssimos, desemprego explosivo, um governo possuído por modelos económicos de alto risco e que, agora, até na gestão da tesouraria das empresas se intromete. Porquê esta loucura? Gaspar quer fechar 2013 com um défice muito mais baixo do que 4,5%. Se tudo correr como ele acha, os 4,9 mil milhões que arranjou com este esmagamento dão-lhe essa margem. Qual é o problema? Além de poder correr tudo muito mal (recessão atroz), no fim estaremos desfeitos. Pode até pagar-nos em bananas, seremos todos macacos. É assim o excel do Gaspar."

Um alívio que não é alívio
Paulo Ferreira, Jornal de Noticias


"Quando, ontem, comecei a ouvir a esperada conferência de Imprensa do regressado ministro das Finanças (esteve 78 dias sem falar, o que deve ser um novo recorde para um ministro de Estado), só não levantei as mãos como fazem os assaltados porque estava a conduzir. O assalto da última sexta--feira, verbalizado por um primeiro-ministro transtornado, tornou muito clara a dimensão da tragédia em que estamos metidos. Logo, o esbulho só pode continuar nos próximos anos. Vítor Gaspar confirmou-o na matiné de ontem.

Creio, aliás, que nenhum português na plena posse de todas as suas faculdades estaria à espera de boas notícias. Lá diz o provérbio: "Da guerra o dano vem cedo, e tarde o proveito". Nesta "guerra" que nos encarquilha no presente e nos encolhe o futuro, os danos continuarão a massacrar os orçamentos das famílias.

Como assim? Fácil: vamos pagar mais IRS, as reformas vão levar um corte entre 3,5% e 10%, os subsídios (os chamados rendimentos complementares) dos funcionários públicos baixarão, a recessão manter-se-á em 2013 (longe vão os tempos em que Gaspar e Passos apontavam o próximo ano já como um risonho amanhã), o consumo cairá, o desemprego não parará e o acesso aos subsídios sociais será mais difícil. Um dia chegarão os proveitos. Chegarão mesmo?

Lá para 15 de outubro, quando o Orçamento do Estado para 2013 for entregue por Vítor Gaspar no Parlamento, ficaremos a conhecer melhor os pormenores desta gigante fatura. E o resto das parcelas que a compõem. Sim, porque o alívio que a troika gentilmente nos concedeu só o é na aparência. Primeiro, porque nos foi gentilmente concedido tendo como óbvia moeda de troca o brutal aumento da contribuição para a Segurança Social. Segundo, porque nos obriga, como segunda moeda de troca, a um brutalíssimo ajustamento para chegarmos a 2014 com um défice de 2,5%.

Sim, é verdade que viver como vivíamos não era mais sustentável. Porém, essa evidência não justifica esta estratégia buldózer que, parafraseando D. Januário Torgal Ferreira, deixará os caminhos repletos de "cadáveres".

Um Governo que leva um ano de existência sem grande contestação nas ruas - ainda por cima respaldado por uma maioria confortável (a coligação com o PP começa agora a mostrar as primeiras fissuras) no Parlamento e por um presidente da República conivente - tem obrigação de fazer mais, muito mais do que simplesmente esticar a receita até ao limite da fadiga tributária.

Se Passos Coelho estivesse à frente de uma empresa em dificuldades, não se atreveria a pedir, uma e outra vez, mais capital aos acionistas. Se o fizesse, seria despedido num instante. O país, parece-me, tem cada vez mais vontade de se despedir de Passos."

A fé cega de Gaspar
Armando Esteves Pereira, Director Adjunto, no Correio da Manhã


"O ministro das Finanças, que há um ano se mostrava céptico com o efeito do corte da TSU para as empresas, é agora defensor incondicional da medida, que garante aumentar empregos, acelerar o investimento e resolver os problemas de tesouraria das empresas asfixiadas com a escassez de crédito.

A convicção do ministro parece genuína, mas o professor de Economia que falhou estrondosamente na previsão de receita de 2012 e que dá a cara por uma derrapagem gerada pelo apagão que a austeridade provocou arrisca-se a falhar de novo.

Nem os patrões que mais ganham na tesouraria estão contentes com a medida, porque sabem os efeitos que a brutal subida da contribuição dos trabalhadores vai provocar na procura interna e o círculo vicioso de desemprego e falências que origina. Os portugueses parecem cobaias de um laboratório de macroeconomia. E são os mais desfavorecidos e a classe média a pagar. O aumento de impostos para carros de alta cilindrada ou casas de luxo é só para mostrar uma falsa equidade social.

Enquanto o País se sujeita a uma política brutal de desvalorização, os credores continuam a exigir juros usurários. Gaspar segue a cartilha da troika, que castiga Portugal pela dívida excessiva. Há uma dimensão cultural que ultrapassa a economia nesta questão. Em alemão, a palavra dívida é a mesma de culpa (schuld). Logo, os devedores são culpados e têm de penar para reparar a falha. Gaspar parece apóstolo desta fé. "

Santíssima Trindade
Manuel Catarino, Subdirector, no Correio da Manhã

"Vítor Gaspar encara certa doutrina financeira como dogma de fé.

Ele acredita mais nas virtudes da troika do que os católicos crêem na Santíssima Trindade – e a Santíssima Trindade é, como se sabe, o mistério central da fé e da vida cristã: a sua compreensão é inacessível à razão humana e até mesmo com generosa dose de fé não se entende lá muito bem... A troika é tudo para o ministro. Acredita, crê e louva esta moderna versão do Pai, Filho e Espírito Santo – a troika – com a mesma cegueira de quem só é capaz de o fazer pela graça da fé. Se o ministro fizesse uso da razão, já teria percebido que a troika – como Belmiro de Azevedo profetizou – nada nos traz a não ser pobreza. "