Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias".
"O
dr. Cavaco falou e disse. Disse que a troika falhara, no rude
empreendimento da austeridade, origem de todos os nossos infortúnios. Os
partidos de Esquerda tinham avisado dos perigos da proposta; porém,
economistas de todo o quilate haviam-na aplaudido com fervor. O próprio
dr. Cavaco era seu panegirista. Repetia, cheio de enlevo, que o Governo
rumava cerro. E Passos Coelho, rubro de entusiasmo, decidiu ir mais além
das exigências dos burocratas. Afinal, o plano de austeridade não
cabia, por inteiro, àqueles senhores. O Governo procedera a uma espécie
de incorporação dos seus próprios desígnios ideológicos e arrastara-nos
para esta triste situação.
Nesta altura, o dr. Cavaco tinha a obrigação moral de apor um ponto de exclamação na mais escassa frase que pronunciasse. Atribuir à troika o grosso das culpas liberta Passos Coelho de qualquer responsabilidade. E coloca-se no supremo e imaculado papel de julgador. Além de idiota, a manobra entra nos domínios do irracional, porque já se sabe o que tem acontecido nestes domínios. Se a troika falhou, como pretende, docemente, o dr. Cavaco, que fizeram aqueles sábios que lhe seguiram o rasto e obedeceram às indicações? Quem falhou, afinal?
A charada é menos imbricada do que parece. Manifesta-se um fiasco generalizado em todas as actividades do Governo, cuja existência política já soçobrou, embora ele não reconheça nem admita. A troika, que falhou, lava as mãos das decisões eruptivas tomadas pelo Executivo; no entanto, ela age na sombra e no silêncio. E os mangas-de-alpaca que aí estão são, eles também, subalternos de uma ideologia na qual dominam os obscuros valores da finança.
A sociedade civil deixou, pura e simplesmente, de acreditar na escala local. E os esforços dos sindicatos, para inverter esta tendência, têm dado módicos resultados. Muitos de nós continuamos a acreditar que a cultura é prioritária. A cultura, entendida como actividade de relação, e como contrapoder, pode alterar, substancialmente, o sentido das coisas. Para isso, Portugal carecia de outro Presidente e de outro primeiro-ministro. E, acaso, de outra fibra."
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