Reacções hoje publicadas nos jornais à estupidez das medidas de austeridade apresentadas por Passos Coelho e por Vitor Gaspar.
As espadas
Pedro Santos Guerreiro, no Jornal de Negócios
"O Governo estragou tudo. Tudo. Estragou a estabilidade política, a paz
social, estragou aquilo que entre a revolta e o pasmo agregava o país: o
sentido de que tínhamos de sair disto juntos. Sairemos disto separados?
Hoje não é dia de escrever com penas, é dia de escrever de soqueira.
Passos
Coelho, Gaspar e Borges estiveram fechados em salas tempo de mais.
Esqueceram-se que cá fora há pessoas. Pessoas de verdade, de carne,
osso, pessoas com dúvidas, dívidas, família, pessoas com expectativas,
esperanças, pessoas com futuro, pessoas com decência. Pessoas que
cumpriram. Este Governo prometeu falar sempre verdade. Mas para falar
verdade é preciso conhecer a verdade. A verdade destas pessoas. Quando o
primeiro-ministro pedir agora para irmos à luta, quem correrá às
trincheiras?
Não é a derrapagem do défice que mata a união que
faz deste um território, um país. É a cegueira das medidas para
corrigi-lo. É a indignidade. O desdém. A insensibilidade. Será que não
percebem que o pacote de austeridade agora anunciado mata algo mais que a
economia, que as finanças, que os mercados - mata a força para
levantar, estudar, trabalhar, pagar impostos, para constituir uma
sociedade?
O Governo falhou as previsões, afinal a economia não
vai contrair 4% em dois anos, mas 6% em três anos. O Governo fracassou
no objectivo de redução do défice orçamental. Felizmente, ganhámos um
ano. Mas não é uma ajuda da troika a Portugal, é uma ajuda da troika à
própria troika, co-responsável por este falhanço. Uma ajuda da troika
seria outra coisa: seria baixar a taxa de juro cobrada a Portugal. Se
neste momento países como a Alemanha se financiam a taxas próximas de
0%, por que razão nos cobram quase 4%?
Mais um ano para reduzir o
défice é também mais um ano de austeridade. E sem mais dinheiro, o que
supõe que regressaremos aos mercados em 2013, o que será facilitado pela
intervenção do BCE.
Mas "regressar aos mercados" não é um objectivo político nem uma forma
de mobilizar um país. São os fins, não os meios, que nos movem.
Sucede que até este objectivo o Governo pode ter estragado. Só Pedro Passos Coelho
parece não ter percebido que, enquanto entoava a Nini, uma crise
política eclodia. A nossa imagem externa junto dos mercados, que é uma
justa obstinação deste Governo, está assente em três ou quatro estacas -
e duas delas são a estabilidade política e a paz social. Sem elas, até
os juros sobem. E também aqui o Governo estragou tudo. Tudo.
Os acordos entre partidos da coligação e o PS, e entre o Governo e a UGT,
têm uma valor inestimável. Que o diga Espanha, que os não tem. Mas não
só está anunciado um aumento brutal de impostos e de corte de salários
públicos e pensões, como se inventou esta aberração a destempo da
alteração da taxa social única, que promove uma transferência maciça de
riqueza dos trabalhadores para as empresas. Sem precedentes. Nem
apoiantes.
Isto não é só mais do mesmo, isto é mal do mesmo. O
dinheiro que os portugueses vão perder em 2013 dá para pintar o céu de
cinzento. O IRS vai aumentar para toda a gente, através de uma capciosa
redução dos escalões e do novo tecto às deduções fiscais; os
proprietários pagarão mais IMI pelos imóveis reavaliados, os
pensionistas são esmifrados, os funcionários públicos são execrados. É
em cima de tudo isto que surge o aumento da TSU para os trabalhadores.
Alternativas?
Havia. Ter começado a reduzir as "gorduras" que o Governo anunciou
ontem que vai começar a estudar para cortar em 2014 (!). Mesmo uma
repetição do imposto extraordinário de IRS que levasse meio subsídio de
Natal, tirando menos dinheiro aos trabalhadores e gerando mais receita
ao Estado, seria mais aceitável. O aumento da TSU é uma provocação. É
ordenhar vacas magras como se fossem leiteiras.
Poucos políticos têm posto os interesses do país à frente dos seus. Desde 2008 que tem sido uma demência. Teixeira dos Santos aumentou então os funcionários públicos para ganhar as eleições em 2009. Cavaco Silva devia ter obrigado a um Governo de coligação depois dessas eleições. José Sócrates
jamais deveria ter negociado o PEC IV sem incluir o PSD. O PSD não
devia ter tombado o Governo. E assim se sucedem os erros em que
sacrificam o país para não perderem a face, as eleições ou a briga de
ocasião. O que vai agora o PS fazer? E Paulo Portas? E o Presidente da República, vai continuar a furtar-se ao papel para que foi eleito?
João Proença
foi das poucas pessoas que pôs o interesse do país à frente do seu,
quando fez a UGT assinar um acordo para a legislação laboral que,
obviamente, lhe custaria a concórdia entre os sindicalistas. Até Proença
foi agora traído. Com o erro brutal da TSU, de que até meio PSD e o Banco de Portugal discordam. Sim: erro brutal.
É
pouco importante que Passos Coelho não tenha percebido que começou a
cair na sexta-feira. É impensável que lance o país numa crise política. É
imperdoável que não perceba que matou a esperança a milhares de
pessoas. Ontem foi o dia em que muitos portugueses começaram a tomar
decisões definitivas para as suas vidas, seja emigrar, vender o que têm,
partir para outra. Ou o pior de tudo: desistir.
Foi isto que o
Governo estragou. Estragou a crença de que esta austeridade era medonha e
ruinosa, mas servia um propósito gregário de que resultaria uma
possibilidade pessoal. Não foi a austeridade que nos falhou, foi a
política que levou ao corte de salários transferidos para as empresas,
foi a política fraca, foi a política cega, foi a política de Passos
Coelho, Gaspar e Borges, foi a política que não é política.
Esta
guerra não é para perder. Assim ela será perdida. Não há mais sangue
para derramar. E onde havia soldados já só estão as espadas."
A sexta-feira negra
Baptista Bastos, no Diário de Noticias
"Na última sexta-feira, Pedro Passos Coelho fez a pública confissão da sua derrota. Um homem acabrunhado, curvado e antigo veio dizer-nos dos novos pesares que teríamos de suportar. O ambiente era denso, sépia e contrito. Ao lado, pendente e sem garbo, a bandeira portuguesa. Dezassete minutos durou a funesta declaração: mais impostos, mais retracção, mais subtracção de salários, mais infortúnio para os velhos, para os reformados, para os pensionistas. Enfim: os portugueses estão irremediavelmente condenados à pobreza, ao passado, à servidão sem mistério nem ambiguidade.
As causas da nossa infelicidade têm sido endossadas a outros. Quem trepa ao poder é imaculado, impoluto e virgem do mais escasso pecado. O caso vertente é uma melancólica repetição. Primeiro, Passos atacou Sócrates, com selvagem persistência; depois, foi-se à troika, e indicou-a como raiz de todos os nossos males; acabou por ultrapassá-la nas decisões; agora, coube a vez ao Tribunal Constitucional, que tentou, em vão, impedir a prática de um crime contra quem trabalha ou trabalhou. O coro de críticas contra o acórdão pertence, ele também, a uma estratégia simbólica de defrontar seja quem se opuser ao Governo. Esta cultura caótica não é casual: faz parte da dispersão do nosso civismo, que permite a impunidade a todos os cambalachos morais.
O certo é que o dr. Passos Coelho e os seus estão metidos numa embrulhada fatal. Além das mentiras graves e das omissões patéticas a que se habituaram, enfiaram o dr. Cavaco, seu aliado preferencial, numa camisa de onze varas. O homem não pode continuar em mutismo formal. As pressões para que interfira não caucionam nenhuma daquelas ambiguidades em que é obstinado. Acontece um porém: se o dr. Cavaco veta ou se opõe às disposições do dr. Passos, a este não resta senão demitir-se. O que parece estar longe dos seus propósitos. Então, que fazer?
As pesarosas explicações do dr. Passos no Facebook acirraram, ainda mais, os rancores, os ressentimentos e, até, os ódios. O documento é torpe nos objectivos, medíocre na gramática e absurdo nos princípios. A manifestação do dia 15, promovida na Internet, sustenta-se nesses desígnios emocionais. Cego, cego, e surdo, surdo, o dr. Passos presume ter criado um valor intrínseco, e favoravelmente contagioso. As recentes declarações do dr. Nuno Crato, cujas tropelias na Educação não se esgotam, são disso exemplo. Quando diz que os professores não irão para a rua protestar, ou confia no medo tornado endémico ou numa salvífica expressão de complacência para com a sua política.
Seja como for, penso que está a encerrar um ciclo, e dos mais agressivos, medíocres e perigosos na sociedade portuguesa. Nada pode preservar da condenação esta gente que se mobilou a si própria com sobranceria e desprezo. Esta gente de coração de gelo. "
A jogada
André Macedo, no Diário de Noticias
"Passos & Gaspar deviam ter anunciado mais uma medida estrutural: que se comprometem a ficar em Portugal nos próximos dez anos. O que digo? Quinze anos e a trabalhar no setor público. Demagógico? Sim, porque não? São de tal forma recessivas as medidas que Passos & Gaspar têm de dar o exemplo. Ficam aqui a roer os ossos duma economia desgraçada. Diz o Governo que a recessão vai ser 1% em 2013 e que o desemprego se ficará pelos 16%. Duvido. Não só porque Gaspar tem falhado todas as projeções, mas porque as famílias não vão conseguir respirar. Além do aumento das contribuições dos trabalhadores para a segurança social, as mexidas no IRS confiscam mais rendimento. Há ainda a somar o aumento do IMI e o fim dos benefícios fiscais. Os subsídios de desemprego e o rendimento social de inserção também sofrem outro corte. Nem os pensionistas - os velhos, caramba- se safam. Os dividendos e as mais-valias também são apanhados. Boa notícia? Nada disso. Já nem penso nos pequenos acionistas, só vejo mais uma torneira que se fecha. Esquizofrenia pura: o que Gaspar dá com uma mão às empresas (menos contribuição para a segurança social) tira com a outra (imposto sobre imóveis, mais IRC). O ministro das Finanças vai mais longe. Quer obrigar as empresas a aplicar sensatamente o dinheiro que deixam de gastar em TSU. Onde é que isto vai acabar? Impostos altíssimos, desemprego explosivo, um governo possuído por modelos económicos de alto risco e que, agora, até na gestão da tesouraria das empresas se intromete. Porquê esta loucura? Gaspar quer fechar 2013 com um défice muito mais baixo do que 4,5%. Se tudo correr como ele acha, os 4,9 mil milhões que arranjou com este esmagamento dão-lhe essa margem. Qual é o problema? Além de poder correr tudo muito mal (recessão atroz), no fim estaremos desfeitos. Pode até pagar-nos em bananas, seremos todos macacos. É assim o excel do Gaspar."
Um alívio que não é alívio
Paulo Ferreira, Jornal de Noticias
"Quando, ontem, comecei a ouvir a esperada conferência de Imprensa do regressado ministro das Finanças (esteve 78 dias sem falar, o que deve ser um novo recorde para um ministro de Estado), só não levantei as mãos como fazem os assaltados porque estava a conduzir. O assalto da última sexta--feira, verbalizado por um primeiro-ministro transtornado, tornou muito clara a dimensão da tragédia em que estamos metidos. Logo, o esbulho só pode continuar nos próximos anos. Vítor Gaspar confirmou-o na matiné de ontem.
Creio, aliás, que nenhum português na plena posse de todas as suas faculdades estaria à espera de boas notícias. Lá diz o provérbio: "Da guerra o dano vem cedo, e tarde o proveito". Nesta "guerra" que nos encarquilha no presente e nos encolhe o futuro, os danos continuarão a massacrar os orçamentos das famílias.
Como assim? Fácil: vamos pagar mais IRS, as reformas vão levar um corte entre 3,5% e 10%, os subsídios (os chamados rendimentos complementares) dos funcionários públicos baixarão, a recessão manter-se-á em 2013 (longe vão os tempos em que Gaspar e Passos apontavam o próximo ano já como um risonho amanhã), o consumo cairá, o desemprego não parará e o acesso aos subsídios sociais será mais difícil. Um dia chegarão os proveitos. Chegarão mesmo?
Lá para 15 de outubro, quando o Orçamento do Estado para 2013 for entregue por Vítor Gaspar no Parlamento, ficaremos a conhecer melhor os pormenores desta gigante fatura. E o resto das parcelas que a compõem. Sim, porque o alívio que a troika gentilmente nos concedeu só o é na aparência. Primeiro, porque nos foi gentilmente concedido tendo como óbvia moeda de troca o brutal aumento da contribuição para a Segurança Social. Segundo, porque nos obriga, como segunda moeda de troca, a um brutalíssimo ajustamento para chegarmos a 2014 com um défice de 2,5%.
Sim, é verdade que viver como vivíamos não era mais sustentável. Porém, essa evidência não justifica esta estratégia buldózer que, parafraseando D. Januário Torgal Ferreira, deixará os caminhos repletos de "cadáveres".
Um Governo que leva um ano de existência sem grande contestação nas ruas - ainda por cima respaldado por uma maioria confortável (a coligação com o PP começa agora a mostrar as primeiras fissuras) no Parlamento e por um presidente da República conivente - tem obrigação de fazer mais, muito mais do que simplesmente esticar a receita até ao limite da fadiga tributária.
Se Passos Coelho estivesse à frente de uma empresa em dificuldades, não se atreveria a pedir, uma e outra vez, mais capital aos acionistas. Se o fizesse, seria despedido num instante. O país, parece-me, tem cada vez mais vontade de se despedir de Passos."
A fé cega de Gaspar
Armando Esteves Pereira, Director Adjunto, no Correio da Manhã
"O ministro das Finanças, que há um ano se mostrava céptico com o efeito do corte da TSU para as empresas, é agora defensor incondicional da medida, que garante aumentar empregos, acelerar o investimento e resolver os problemas de tesouraria das empresas asfixiadas com a escassez de crédito.
A convicção do ministro parece genuína, mas o professor de Economia que falhou estrondosamente na previsão de receita de 2012 e que dá a cara por uma derrapagem gerada pelo apagão que a austeridade provocou arrisca-se a falhar de novo.
Nem os patrões que mais ganham na tesouraria estão contentes com a medida, porque sabem os efeitos que a brutal subida da contribuição dos trabalhadores vai provocar na procura interna e o círculo vicioso de desemprego e falências que origina. Os portugueses parecem cobaias de um laboratório de macroeconomia. E são os mais desfavorecidos e a classe média a pagar. O aumento de impostos para carros de alta cilindrada ou casas de luxo é só para mostrar uma falsa equidade social.
Enquanto o País se sujeita a uma política brutal de desvalorização, os credores continuam a exigir juros usurários. Gaspar segue a cartilha da troika, que castiga Portugal pela dívida excessiva. Há uma dimensão cultural que ultrapassa a economia nesta questão. Em alemão, a palavra dívida é a mesma de culpa (schuld). Logo, os devedores são culpados e têm de penar para reparar a falha. Gaspar parece apóstolo desta fé. "
Santíssima Trindade
Manuel Catarino, Subdirector, no Correio da Manhã
"Vítor Gaspar encara certa doutrina financeira como dogma de fé.
Ele acredita mais nas virtudes da troika do que os católicos crêem na Santíssima Trindade – e a Santíssima Trindade é, como se sabe, o mistério central da fé e da vida cristã: a sua compreensão é inacessível à razão humana e até mesmo com generosa dose de fé não se entende lá muito bem... A troika é tudo para o ministro. Acredita, crê e louva esta moderna versão do Pai, Filho e Espírito Santo – a troika – com a mesma cegueira de quem só é capaz de o fazer pela graça da fé. Se o ministro fizesse uso da razão, já teria percebido que a troika – como Belmiro de Azevedo profetizou – nada nos traz a não ser pobreza. "
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
Reacções à estupidez de Passos Coelho
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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