Texto de Domingues de Azevedo, Bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, hoje publicado no Diário Economico.
"Terminaram as férias e pelos vistos
também terminou a ilusão que o Governo foi alimentando nos portugueses
de que os sacrifícios estavam realmente a valer a pena.
A expressiva derrapagem no défice foi o golpe de misericórdia
numa estratégia que dificilmente, desde o início se viu, terminaria da
melhor maneira.
A 28 de setembro do ano passado, nesta mesma coluna do "Diário
Económico", conclui o meu artigo da seguinte forma: "(...) Acontece que
mesmo com esforço e sacrifícios, poderemos não morrer da doença, mas
tenho muitas dúvidas que sobreviveremos à cura".
Não me dá particular orgulho recordar premonitórias palavras, apenas
quis manifestar a minha opinião, em jeito de alerta. E o que é que eu
quis dizer? O tempo simplesmente confirmou os piores presságios.
Portugal vai sobreviver à terapia, mas com sequelas para muitos anos.
O país que sai deste brutal ajustamento que nos aplicaram está mais
frágil, mais desprotegido, com uma legião de desempregados, milhares de
empresas que declaram falência, receitas fiscais em queda, fraude e
evasão fiscais em alta.
E, na essência, o Governo falhou a sua estratégia cega de ir além da ‘troika' e de acelerar o processo de ajustamento.
O pecado original deve ser identificado aquando da assinatura dos
termos do memorando e a subserviência demonstrada quanto às soluções
apresentadas, todas elas com uma visão demasiado fundamentalista nos
aspetos financeiros, descurando o impacto negativo que a curto/médio
prazo teriam no coração da economia portuguesa.
Insistiu-se em recuperar a economia em três anos, depois de mais de
três décadas de desmandos que ainda estamos e continuaremos a pagar com
língua de palmo.
Apostou-se tudo num objetivo instrumental, o défice, e descurou-se
por completo a aposta numa estratégia de futuro, pelo menos que não
violentasse em demasia o tecido económico. Mas há vida para além do
défice? Claro que sim, mas não é francamente animadora.
Enquanto isso, os nossos credores, ou os senhores da ‘troika', se
preferirem, desdobram-se em reuniões em plena quinta avaliação do
cumprimento do plano de ajustamento, por quase todos apelidado de
determinante para o futuro de Portugal e especialmente para o que será,
em substância, o Orçamento do Estado para 2013.
Salvo passe de mágica, espera-nos uma de duas soluções: ou a ‘troika'
flexibiliza as metas traçadas e concede-nos alguma tolerância de tempo
ou então preparemo-nos para mais austeridade, fazendo definhar ainda
mais particulares e empresas. Mais do mesmo, certamente.
O que é confrangedor é ver um povo historicamente engenhoso e
criativo, universalmente conhecidos pela rara mestria em ultrapassar
dificuldades, sem esperança e aprisionado por uma teia que a todos
imobiliza.
Na próxima semana ouviremos da boca do ministro Vítor Gaspar os
resultados da quinta avaliação. Até lá resta-nos alimentar alguma dose
de especulação sobre as próximas etapas. Que trunfos vai Passos Coelho
tirar da cartola? Certamente que não voltará a repetir que a recuperação
começa em 2013."
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
A nossa vida para além do défice
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