Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Jornal de Negócios".
"A troika diz que apenas apresenta o esboço, e que as decisões são
tomadas pelo Governo. Passos Coelho já nos havia advertido que fora para
lá do que a troika exigira. Fizera-o em nome da prevenção e a fim de
tranquilizar os "mercados." Os "mercados" têm servido para toda a
espécie de embustes e de dissimulações, porque o pretendido é mascarar a
crise alargada que o capitalismo atravessa. Bem gostaria de assistir a
uma palestra ou ler um artigo de qualquer economista sério que nos
esclarecesse da natureza exacta da crise. Dizem eles que a natureza
exacta é sempre difícil de clarificar. E andamos nesta roda de balbúrdia
atrás de balbúrdia, estando nós no meio dela.
A ideologia
neoliberal tem-se expandido, com panegiristas não só entre os
economistas "modernos", para os quais a ética é, somente, uma
experiência anacrónica, como em certos sectores jornalísticos. Não é
inocente a citação constante do "Financial Times", cuja influência,
manifestamente, suplantou a do "The Wall Street Journal." Numa época em
que a incerteza é dominante, o conflito acerca das debilidades da
democracia serve, objectivamente, os prosélitos do neoliberalismo. Não
será significativo que, no caso português, poucas vezes a democracia
seja objecto de estudo e de defesa, e que uma tendência para
branqueamento do fascismo tenha, por exemplo, suscitado, na Imprensa, um
sururu que está longe de ser uma polémica por notória deficiência
intelectual de uma das partes? Fernando Rosas, com a inteligência que se
lhe reconhece, e a rectidão cultural de que é tributário, fez editar,
no "Público" de anteontem, um notável artigo, no qual põe as coisas em
pratos limpos e chama aos animais os nomes que os animais merecem.
A
ideologia neoliberal é uma aberração, que põe em questão os fundamentos
da própria democracia, não para a melhorar, sim para a destruir. Em
Portugal, a I República tem servido de pretexto para se elogiar o
salazarismo, velada ou declaradamente. Pode um inimigo da República
situar-se num plano de equilíbrio para analisar o assunto? E o louvor do
salazarismo não será, ele também, um modo comparativo de se enxovalhar a
democracia? As dificuldades extremas por que passamos, nesta fase
histórica, não propiciam aos historiadores (com aspas e sem aspas), um
discurso factual que ilumine e clarifique as origens dos nossos
contratempos.
Os partidos "de poder" estão cada vez mais
desacreditados, e os políticos que os representam perderam,
completamente, a caução da nossa confiança.
Que fazer? Vejamos:
na luta contra o fascismo, o antifascismo não foi, simplesmente, uma
batalha ideológica. Foram criadas as condições para a criação de uma
frente moral, que conglomerou a nata da cultura portuguesa, a
diversidade das opiniões partidárias, e o desgosto acentuado das
populações. Não estará na hora de se recuperar essa grande tradição?
O descontentamento generalizado das pessoas terá de levar àquilo que Mário Soares designou de "levantamento patriótico", correspondente a essa frente moral que abalou os alicerces do salazarismo.
Estamos
numa dilemática encruzilhada histórica. E não podemos, nem devemos
permitir que esta monumental manobra ideológica, muito bem preparada e
organizada, consiga alcançar as rupturas carismáticas, entre a
legalidade constituída, de forma que obtenha resultados definitivos.
Esta gente tenta fazer com que o abandono emocional se transforme em
permanente estado de espírito. O sobressalto cívico de que precisamos,
para sacudir esta fatal letargia, não tem sido acompanhado, essa é que é
a verdade, pelos escritores, pelos jornalistas livres, pelos artistas. O
ataque à RTP e à RDP é um dos aspectos da ofensiva que se estrutura.
Está em causa a nossa sobrevivência como nação, como povo, como entidade cultural.
Será que ainda se não aperceberam do que está em jogo, e das terríveis ameaças que sobre todos nós pairam?"
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Ainda se não aperceberam?
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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