Texto de Nuno Saraiva hoje publicado no "Diário de Notícias".
"Nos últimos
tempos, temos assistido a um cres-cimento das divergências públicas
entre os dois partidos que compõem a coligação de Governo. Primeiro foi a
oposição do CDS a novos aumentos da carga fiscal e ao alargamento aos
privados do corte dos subsídios de férias e de Natal. E, mais
recentemente, o dossiê de privatização ou concessão da RTP trouxe a lume
novos sinais de tensão política.
O que é facto é que as relações
entre os dois partidos já não são o que eram. Adversários há pouco mais
de um ano, com agendas e patrimónios distintos, avançaram para um
casamento, com óbvia separação de bens, que, a prazo, pode significar um
divórcio com custos eleitorais para ambos os partidos.
A verdade é
que não há memória de, em nenhuma das anteriores AD que estiveram no
poder, haver tantos sinais públicos que indiciem uma ameaça de rutura
tão evidente.
Olhemos pois para os factos. Nos últimos meses, o
CDS não se tem inibido de, em público, fazer oposição declarada a
algumas das intenções governativas da maioria. António Pires de Lima,
presidente do Conselho Nacional centrista, tem-se desdobrado em
entrevistas e declarações sobre o Orçamento do Estado para 2013, em que
tem deixado claro que o CDS não tem margem para tolerar novo agravamento
dos impostos, seja para as famílias seja para as empresas.
Já
antes, outros dirigentes do CDS tinham afirmado publicamente a mesma
posição sustentando que os contribuintes não aguentam pagar mais, e que
qualquer subida do IRC terá apenas como resultado a falência de muitas
mais empresas. O próprio Paulo Portas, aliás, escreveu durante o verão
aos militantes do partido para reforçar o compromisso de que não
aceitará novos agravamentos tributários.
Ainda assim, a decisão do
Tribunal Constitucional de chumbar o corte de subsídios de Natal e de
férias na função pública parecia ter funcionado como elemento de
afinação entre as duas forças políticas que, a uma só voz, criticaram os
juízes do Palácio Ratton e se dispuseram a encontrar uma alternativa
"equivalente". Porém, mal se falou na possibilidade de alargamento desta
medida ao sector privado como forma de garantir a equidade, as vozes
contra no CDS voltaram a fazer-se ouvir em público.
O acentuar das
diferenças deu-se há uma semana, depois da entrevista de António Borges
à TVI, em que o consultor do Governo para as privatizações enunciou a
"mais atraente" das equações para o futuro da RTP: fechar o canal 2 e
concessionar tudo o resto.
De imediato, dirigentes, deputados e
até ministros do CDS foram incapazes de calar as críticas,
subalternizando os ataques, esperados e óbvios, da oposição. Que é
incompreensível que alguém que não é ministro e não tem qualquer mandato
ou responsabilidade política se substitua ao Governo, disseram uns; que
não comentam consultores, afirmaram outros; que o modelo de concessão
anunciado viola o acordo de coligação assinado com o CDS, garantiram
mais uns tantos; que a revolta pública do Conselho de Administração,
agora demissionário, contra a tutela é compreensível, alegaram os
restantes. A RTP, que para o CDS não era privatizável e cuja alienação
de apenas um canal foi objeto de negociação para que se chegasse ao
acordo de Governo, transformou-se assim em pretexto para mais um
"conflito conjugal".
Aqui chegados, pouco mais de um ano depois do
"casamento", o potencial de conflitualidade entre os dois parceiros
parece crescente, sobretudo se juntarmos a tudo isto as posições do CDS
na Madeira e nos Açores. Adversários ferozes do PSD, no primeiro caso, e
a manutenção da porta aberta para uma aliança com o PS, no segundo.
Perante
tudo isto, fôssemos um país saudável do ponto de vista económico, e não
se desse a circunstância de estarmos sob a alçada de um programa de
assistência financeira, e já a coligação no poder tinha metido os papéis
para o divórcio político."
sábado, 1 de setembro de 2012
Casamento com separação de bens
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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