Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias"
" Há uma consequência do revolucionário ajustamento: vem aprofundar ainda mais um problema endémico da sociedade portuguesa, a desigualdade.
Os números sobre o aumento de pessoas que ganham apenas o salário mínimo e os níveis de desemprego são prova disso. Convém não esquecer que as principais medidas para controlar as contas públicas e atingir os objectivos do défice teriam sempre como consequência o aumento da desigualdade. Portugal já é o mais desigual país da União Europeia e deliberadamente vai ser ainda mais.
O aumento dos impostos indirectos, os cortes de salários dos funcionários públicos, o corte nas pensões, o aumento do preços dos transportes, da electricidade, da água, afectam sobretudo a classe média, a mais baixa classe média. Não parece ser necessário enunciar que o aumento do IVA ou a subida de preços de transportes faz diminuir proporcionalmente muito mais o rendimento dos mais pobres do que dos mais ricos. Mais, sabemos que o sistema de saúde publica foi, a par com a educação pública, um dos factores de diminuição da desigualdade no século passado em Portugal. Se se põe em causa esse acesso as consequências serão devastadoras para o equilíbrio social.
A classe média portuguesa não é propriamente semelhante à da maioria dos países da União. Convém recordar que o salário médio em Portugal é cerca de 750 euros. O programa de empobrecimento em curso não diminuirá apenas o poder de compra da classe média, transformará essa imensa maioria em gente pobre.
Níveis de desigualdade como os que temos e como os que vamos ter corroem a comunidade. Potenciam a percepção de existirem cidadãos de primeira e segunda classe, impossibilitam a concertação social, põem em causa aquilo que é a verdadeira argamassa social: a confiança entre os cidadãos. Sem a sensação de que há direitos e deveres iguais, que os sacrifícios são equitativamente distribuídos, que a justiça não distingue ricos e pobres (e essa impressão já existe) a sociedade corre o risco de desintegração. Quanto mais duro for o momento que uma comunidade viva, mais necessária é a sensação de pertença e de desígnio comum, e, que não restem dúvidas, a desigualdade extrema potencia todos os conflitos.
Claro está, o Governo - e a troika - está convencido de que este evidente agravamento da desigualdade será momentâneo ou pelo menos invertido num curto espaço de tempo. No fundo, o Governo acredita que desta forma será possível construir riqueza e que só a construindo se poderá depois distribuir. Esse caminho tem vários problemas. O primeiro é estar longe de ser provado que a fórmula que está a ser aplicada crie riqueza, os resultados até agora conhecidos provam exactamente o contrário. Mais, os países com mais bem-estar, mais desenvolvidos, com mais regalias sociais são as terras em que a desigualdade é menor e que cresceram sem a porem em causa. Se isto não diz nada sobre as consequências de ainda maior desigualdade não sei o que dirá. E que não restem dúvidas: a democracia corre sérios riscos. Atirar ainda mais pessoas para a pobreza, retirar ou dificultar o acesso à saúde e educação não será sustentável politicamente numa fase em que tanta gente está privada dos mais básicos bens. Já foi dito e redito: o amor à democracia não está no DNA dos povos, ninguém troca pão por votos. Experiências de grande crescimento económico nestes moldes existiram em ditaduras, nunca em democracias. Chile e agora a China são dois bons exemplos. Não deixa de ser perturbante que a direita portuguesa esteja distante do debate sobre a desigualdade e que dê de mão beijada à esquerda a liderança da análise deste problema. O combate contra a desigualdade não é, nunca foi, um exclusivo da esquerda, é uma questão civilizacional que a direita europeia - até a portuguesa com a normalidade democrática - liderou em diversas alturas. Mas é difícil pedir o que quer que seja ao PSD, ao nível da reflexão sobre as grandes questões, quando o partido está ideologicamente dominado por gente que se formou na extrema-esquerda ou por rapazes que nunca saíram da faculdade. Melhores dias virão."
domingo, 2 de setembro de 2012
Mais desiguais
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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