Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
"1-
Quando ficou claro que o caminho escolhido era o empobrecimento
generalizado, quando os portugueses perceberam que todos os sacrifícios
foram em vão e que os que se agora pedem também o serão, quando resolveu
pôr em causa o equilíbrio social, o Governo perdeu o respeito das
pessoas e assinou a sua certidão de óbito. Era, ao menos, desejável que
mantivesse a compostura. Que preservasse o mínimo de dignidade
institucional. Mas, como em muitas coisas neste Governo, seria pedir
demais. O Governo insiste em oferecer-nos o espectáculo do seu estertor.
Assistimos, bastante irritados, a um primeiro-ministro que pára
um País para anunciar uma medida que nitidamente não estudou, nem mediu
as suas consequências, para uns dias mais tarde vir dizer que afinal a
vai modelar, demonstrando que não tinha percebido o que estava em causa.
Depois de ver as centenas de milhares de pessoas que desfilaram, na
semana passada, começou a perceber a dimensão da sua negligência e o
colossal erro que tinha cometido. É bem demonstrativo da quebra de
ligação entre um primeiro-ministro e o povo que governa, serem precisas
manifestações daquele tamanho para que ele pensasse voltar atrás com a
sua decisão - e é no mínimo curioso, para quem dizia que não governava
em função de manifestações. Revela bem o seu isolamento ter ficado
surpreendido com a reacção de todos os parceiros sociais.
Um homem
que toma uma decisão daquela importância e depois recua por não ter
estudado, reflectido e ouvido muita gente, pode não ser cego, surdo e
mudo, mas falta-lhe obviamente alguma coisa para poder ser
primeiro-ministro. Qual será a próxima medida estratégica não pensada a
ser apresentada que passado uns dias irá parar ao lixo?
Observamos
Passos Coelho a ser publicamente humilhado pelo Presidente da República
quando pede a comparência de Vítor Gaspar para que explique ao Conselho
de Estado as alterações à TSU. Para a humilhação ser completa, o
Conselho de Estado emite um comunicado que é uma espécie de açoite ao
primeiro- -ministro: congratula-se com decisões dos países da Zona Euro
em relação à disponibilidade do BCE para comprar dívida no mercado
secundário e em prosseguir com políticas de emprego e crescimento, ou
seja, tudo ao contrário do que Passos Coelho tem defendido. E, claro
está, de braço ao pescoço, o primeiro-ministro anuncia ao Conselho de
Estado "o estudo de alternativas à alteração da TSU".
Ficamos
boquiabertos quando vemos o ministro Portas a dar uma conferência de
imprensa em que critica o Governo de que faz parte e fala de medidas
que com certeza se esqueceu de sugerir no local próprio. Ou do pormenor
de ter dito que foi apenas por razões de emergência nacional que aprovou
as alterações à TSU, mas, claro, não quis deixar de partilhar as suas
preocupações connosco, quinze dias depois... Quanto a falta de sentido
de Estado estamos conversados: o ministro dos Negócios Estrangeiros está
no Governo certo.
O estertor nunca é um espectáculo dignificante, mas o que estamos a assistir está para lá do suportável.
2-
Surpreendentemente, há quem ache que uma remodelação poderia dar um
novo fôlego ao Governo. Esqueçamos, por instantes, que os cadáveres não
respiram. Só alguém completamente alheio da realidade pode acreditar que
existe um profissional competente que aceite fazer parte dum Governo
que tem por estratégia a implementação duma política que vai levar o
País ao mais absoluto caos.
E será que alguém crê que um homem ou
mulher com capacidade para exercer funções governamentais aceitaria ir
para um Governo com uma orgânica que o faz completamente inoperacional?
Ou pertencer a um Governo sem o mínimo de coordenação política ou núcleo
político forte? Ou aceitar fazer parte dum Governo em que os ministros
dos dois partidos não confiam uns nos outros, sobretudo Passos Coelho e
Paulo Portas? Ou ter de alinhar com as políticas suicidas de Merkel e
Cia.? Ou estar num Executivo em que Relvas e Gaspar põem e dispõem?
Claro que não. Mas vamos imaginar que o primeiro-ministro prometia ao
tal profissional uma mudança. Que tudo iria ser diferente: nova
política, nova coordenação ministerial, boys partidários
expulsos, gente competente e conhecedora do País, fim da patetice
populista do Governo pequeno, fim do Governo paralelo chefiado por
Borges mais comissões e grupos de trabalho. Acreditaria o tal cavalheiro
que o primeiro-ministro iria de facto mudar? Obviamente que não.
O
responsável por o Governo ter chegado ao estado a que chegou é o
primeiro-ministro. Passos Coelho matou o Governo, não será ele a
ressuscitá-lo. E nada mudará enquanto ele for o primeiro-ministro."
domingo, 23 de setembro de 2012
O estertor
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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