Governo a prazo
Texto de Medeiros Ferreira publicado no Correio da Manhã
"O governo acabou asfixiado, sem oxigénio suficiente. Minado internamente pela sofreguidão de futuro de Paulo Portas, e cercado externamente pelas necessidades presentes do povo, Passos Coelho enfrenta um teste decisivo às suas reais capacidades políticas.
E as capacidades políticas requeridas ultrapassam os arrimos clássicos da ética da convicção e da ética da responsabilidade. Nem sequer me refiro a qualquer dimensão extraordinária como estadista, pois que os países europeus terão de resolver os problemas do dia com dirigentes normais em democracia. Refiro--me, sim, a uma inteligência aguda da situação, para além das ideias feitas com que chegou ao poder.
Ora a inteligência da situação passa por não considerar a proposta sobre a TSU como a única questão que a coligação terá de rever. O governo terá ainda de recuar no seu perigoso afrontamento com o Tribunal Constitucional quanto aos salários da função pública e às pensões de reforma. Ou seja, o governo terá de refazer o já anunciado para a proposta de orçamento. O afunilamento do governo para resolver unicamente as iníquas percentagens da TSU será um erro que não abafará o clamor que se levanta em toda a nação.
O principal problema de qualquer governo em Portugal nos próximos tempos é o de conseguir alterar os termos da sua relação negocial com a troika. Da atitude passiva actual de bom aluno mesmo de maus mestres, qualquer outro governo deverá evoluir para uma atitude de negociador capaz, responsável e transparente, quer perante o seu povo quer perante os organismos internacionais envolvidos. Neste aspecto, como noutros, o executivo de Passos Coelho falhou redondamente. Essa falta de sentido negocial com a troika é mesmo a grande crítica que endereço a Vítor Gaspar, cuja meritória trajectória institucional é conhecida. A ida ao Conselho de Estado para explicar esse quadro negocial perante o PR deve ter sido um exercício potencialmente virtuoso…
Este governo acabou por razões internas e exteriores como o levantamento popular de sábado. O PR tudo fará para lhe adiar a certidão de óbito até à apresentação de uma modelada proposta orçamental. A partir daí, o caminho estará traçado. Só faltarão o tempo e o modo. "
Salvação nacional
Texto de Nuno Saraiva publicado no Diário de Noticias
" Ontem, na Assembleia da República, assistimos a mais um episódio da novela em que se transformou a relação entre Pedro Passos Coelho e Paulo Portas.
Depois de, na quinta-feira, pela manhã, se terem alegadamente reunido em São Bento - não há registo fotográfico do encontro - para acertarem os últimos pormenores da reconciliação entre os partidos que dirigem e compõem a coligação, "afetada" pelas declarações públicas do presidente do CDS, voltaram a estar juntos no Parlamento. Esteve, aliás, a família toda. Relvas e Gaspar, Mota Soares e Santos Pereira, Cristas e Teixeira da Cruz. Todos estes e mais alguns a testemunhar o fim do arrufo, num exercício de total hipocrisia política.
A aliança governativa, assinada a 15 de junho de 2011, chegou obviamente ao fim. Se assim não fosse "os generais", Pedro e Paulo, ter--se-iam juntado aos seus tenentes no armistício do Tivoli. Mas não se juntaram. Agora há que aguentar o casamento, "custe o que custar", para manter as aparências. Pelo menos até que haja Orçamento aprovado e que a troika disponibilize nova tranche de dinheiro.
E a prova maior de que assim é foi a coreografia parlamentar do debate quinzenal. Passos Coelho jura, ao CDS, que não é cego nem surdo face aos acontecimentos das últimas semanas. E nem tão pouco ficará mudo. Ao dizê-lo, não está a referir-se apenas às manifestações de 15 de setembro, que praticamente ignorou. Mais do que o quase milhão de pessoas nas ruas a chamar "gatunos" a todos os políticos sem exceção, o primeiro-ministro jamais esquecerá o dia seguinte, 16 de setembro. A data em que Paulo Portas, a pretexto da TSU, se dirigiu ao País, qual líder da oposição, para apresentar uma moção de censura ao Governo de que faz parte. A traição "inacreditável" não será esquecida nem perdoada.
Ontem, encenada que estava a coesão governativa e a solidariedade institucional entre os partidos da coligação, vimos um ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros a esforçar-se por municiar de argumentos um primeiro-ministro. E este, dando razão àqueles que defendem que a química acabou, nem fazia o esforço de olhar para o seu 'aliado' ali mesmo ao lado. Eis a prova fatal da desconfiança. Eis a demonstração pública, se dúvidas houvesse, de que o casamento chegou ao fim.
Dito isto, não faltou quem nos últimos dias tivesse sugerido ao Presidente da República que a solução para os nossos males passa pela nomeação de um governo de salvação nacional, do tipo Monti, sem recurso a eleições. Os mesmos que o defendem são os que decretam que a atual maioria vive desfasada da realidade. Tão longe estão também estes do povo da rua, isto já para não falar da ignorância em matéria constitucional. Sim, porque a Constituição da República Portuguesa deixou de permitir a nomeação de governos de iniciativa presidencial.
Mas o mais chocante é concluir que estas pessoas, as nossas elites, não perceberam nada do que se passou a 15 de setembro nem as suas consequências. A maioria que suporta o Governo já não é sociológica. É apenas parlamentar e de circunstância. Julgar que a tecnocracia, seja lá o que isso for, se sobrepõe à vontade democrática e popular é manifestação de ignorância.
Depois do que aconteceu em Portugal no passado fim de semana, em que um executivo maioritário perdeu irremediavelmente a tolerância popular, nenhum governo que não seja saído de eleições terá força política e legitimidade democrática para mobilizar o País em torno dos sacrifícios e das dificuldades que ainda temos pela frente. Sim, porque o caminho continuará a ser duro, muito duro, e cheio de escolhos. E mesmo com as sondagens a dizerem que as oposições não são alternativa ou a indiciarem uma subida trágica das abstenções, ninguém pode ignorar a obrigatoriedade da legitimação pelo voto de uma solução, seja ela qual for.
A única condição é que, de uma vez por todas, se fale verdade. Se diga exatamente o que se vai fazer e não aquilo que o povo quer ouvir. Que se assuma onde se corta na despesa em vez do chavão, insuportável e mentiroso, das gorduras do Estado ou do desperdício. E, se tiver de ser, que os impostos vão ter de subir ainda mais - vade retro - ou que os subsídios de férias e de Natal vão desaparecer, em vez das falsas garantias de que as medidas que estão a ser executadas são suficientes.
Só assim, falando verdade, as nossas escolhas serão livres e conscientes. Só assim haverá legitimidade política e democrática para fazer o que, por incompetência, ainda não foi feito. Em suma, só assim haverá salvação nacional. "
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