Um texto magnifico do jornalista Pedro Ferreira Esteves ontem publicado no Jornal de Negócios.
"Portugal está a ser limpo. Estava sujo, com pessoas a trabalhar na
construção, no turismo, em restaurantes, a abrir lojas de roupa, de
"bugigangas", lojas de comida para animais, cafés, restaurantes, enfim, o
País estava pouco asseado com tantos pequenos negócios de prestação de
serviços vários. Essa sujidade está a desaparecer. Para dar lugar a um
Novo Portugal, um Portugal lavadinho, virado para fora, a exportar de
forma gloriosa, sorrisos nos lábios, bata branca vestida, agradecido e
feliz.
Portugal está a ser limpo, para poder crescer. As palavras são do consultor do Governo, António Borges.
Mais concretamente, "[o ajustamento] está a limpar a economia, está a
prepará-la para uma fase de crescimento". Palavras partilhadas ao
"Diário Económico", na semana passada. E quanto mais cedo se "limpar" a
economia, mais rápido o Novo Portugal poderá nascer, exportar, inovar,
qualificar-se.
Mas o Novo Portugal arrisca viver para pagar a
despesa social do Velho Portugal, o dos desempregados, falidos,
penhorados, desgraçados. O Velho Portugal que não consegue exportar, não
sabe trabalhar em laboratórios, nem falar inglês ou alemão. Sabe fazer
cimento, servir pastéis de nata, vender camisolas, carimbar anexos ou
tirar fotocópias. O Velho Portugal que não conseguiu apanhar o "comboio"
da formação superior e qualificada.
É fácil ser consultor em Portugal. Fecha-se num gabinete, em "conference call" com Londres, Nova Iorque,
Frankfurt ou Bruxelas, lê-se "papers" e desenha-se uma "visão" para um
país, sob a forma de relatórios. Mas é mais difícil, quando se é
consultor num país que se formou à pressa, em que os empregos foram
garantidos, os trabalhos desenrascados, os créditos facilitados. É fácil
dizer que se vai despedir, baixar salários, fechar empresas inviáveis,
que se vai dar crédito às exportadoras, às empresas sólidas e sãs. É
fácil, porque não é preciso enfrentar as pessoas nas filas dos centros
de emprego, nos tribunais, à porta das grandes empresas falidas, ao
balcão dos restaurantes desertos. A "limpeza" tem um custo. Um custo
social que se tem de sofrer na pele para se compreender. E um custo
político, que é preciso ser eleito para se pagar. Porque as vítimas da
"limpeza" vão ter muito tempo livre para se indignarem, protestarem ou
votarem. Para tentarem sobreviver num Novo Portugal que já não lhes
pertence, porque foi idealizado numa "torre de marfim", a muitos metros
de distância do país real que desespera em baixo."
terça-feira, 5 de junho de 2012
A "limpeza"
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