Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
"1-Temos
passado os últimos meses a ouvir toda a gente e mais alguma a explicar o
quão importantes são os serviços de informação do Estado, vulgo
serviços secretos, para a preservação do Estado de direito e para a
defesa do País de inimigos internos e externos.
Não serão
necessárias grandes explicações para que se perceba que os serviços
secretos podem ter--se transformado em muitas coisas, menos em
organizações em que os cidadãos possam confiar e a que reconheçam
qualquer tipo de papel na defesa do Estado de direito e da sua
segurança. Guerras internas, devassa da vida particular de cidadãos sem
qualquer tipo de justificação, promiscuidade entre interesses privados e
interesse público, indivíduos que hoje trabalham nos serviços de
informações e amanhã vão para empresas privadas executar o mesmo tipo de
actividade, informações produzidas por esses serviços que são enviadas a
amigos seleccionados. Não há outra maneira de descrever a situação: uma
autêntica rebaldaria.
Num Estado de direito, e pela sua natureza
sensível, o controle e a fiscalização destes serviços devem ser
rigorosos. Pelos vistos, não é assim. Foram os jornais que denunciaram
as várias situações. O primeiro-ministro e o secretário- -geral de
Informações foram indo a reboque das denúncias dos media, dando início a
sindicâncias que pouco ou nada revelaram, e à tardia, mas inevitável,
queixa ao Ministério Público. As investigações internas pouco ou nada
revelaram e mal saiu a acusação do Ministério Público, vários meses
depois, dois agentes foram imediata- mente afastados. Estamos
conversados quanto à qualidade ou à vontade dos investigadores
internos...
O facto é que o primeiro-ministro foi desvalorizando o
que parece evidente para toda a gente: o colapso dos serviços de
informação.
Na sequência de mais notícias sobre novos eventuais
problemas, Passos Coelho anunciou a sua ida ao Parlamento para falar das
secretas. Muitos terão pensado que o primeiro-ministro ia anunciar uma
grande remodelação dos serviços secretos, um plano para reforçar a
fiscalização, uma iniciativa legislativa que tudo mudasse. Pois,
enganaram-se. Nem nova lei nem apoio às várias propostas dos partidos da
oposição. Apenas a enunciação de princípios vagos. Convém, segundo o
primeiro-ministro, não tomar a nuvem por Juno. Os serviços secretos
serão assim, digo eu, a deusa, que, assim sendo, está de boa saúde, e os
gigantescos problemas dos ditos serviços serão apenas meras nuvens.
Já
teria sido suficientemente mau o primeiro-ministro ir à Assembleia da
República falar sobre as secretas e nada ter para propor, o pior foi
termos percebido que a sua ida tinha apenas um objectivo: fazer a defesa
de Miguel Relvas.
2- Miguel Relvas teve uma
reunião de trabalho em que também estava Jorge Silva Carvalho. Bebeu um
café com o ex-director do SIED. Encontrou-o num jantar de aniversário
dum amigo comum. Ficamos a saber que a relação entre os dois não era
meramente superficial - ninguém manda listas a sugerir nomes para cargos
importantes por dá cá aquela palha, ou troca e reenvia mensagens.
Miguel Relvas devia ter-se perguntado porque estaria a receber clippings com origem nos serviços secretos - por muito inócuos que fossem - e tomado providências.
Nada
disto teria, de facto, muita relevância. Não há ninguém que não se
tenha cruzado por diversas razões profissionais ou outras e mesmo criado
relações de amizade com pessoas que mais tarde se revelam pouco
merecedoras da nossa confiança. Se tudo isto é normal, para que foi
Miguel Relvas mentir e omitir, da primeira vez, à comissão parlamentar?
Pior, o ministro foi mudando a sua versão da verdade à medida que as
notícias iam saindo nos jornais. Por que diabo tentou com tanto afã
ocultar a relação com Silva Carvalho?
Um ministro mentir e omitir
ao Parlamento é muito grave, mas Passos Coelho não achará, afinal, o
mesmo. E defendendo Relvas como defendeu, garantiu que nada mais existe
ou existiu de comprometedor entre este e Silva Carvalho. A ver vamos.
Relvas
ficou mais forte, mas Passos Coelho ficou mais fraco: é que agora está
dependente de tudo o que possa acontecer a Miguel Relvas.
3- Passos Coelho não tem dúvidas: Miguel Relvas não chantageou, por interposta pessoa, uma jornalista do Público.
Tudo não passou, portanto, duma enorme conspiração. É a única
explicação plausível, se assim não fosse Relvas já não estaria no
Governo.
Mais uma vez, o primeiro-ministro fica à mercê do seu número dois. Ou melhor: quem será, de facto, o número um?
"
domingo, 3 de junho de 2012
Secretas e siameses
Etiquetas:
passos coelho
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário