Texto de João Marcelino hoje publicado no Diário de Noticias
"1 No mesmo dia,
duas entrevistas. Teodora Cardoso, a presidente do Conselho das Contas
Públicas, diz (à "Antena 1") que discorda da abordagem defendida pelo
FMI e União Europeia para aumentar a competitividade portuguesa por via
do corte de salários. "Se o nível de competitividade" for obtido por
essa via de corte de salários "isso significa que nos estamos a
candidatar a passar para o terceiro mundo, se não, para o quarto" mundo.
Para Teodora Cardoso, o ganho de competitividade não se faz por via do
corte de salários mas sim através da qualificação e organização.
Também
ontem, António Borges, ministro - perdão: oficialmente apenas
conselheiro - , do governo para as privatizações, afirma (ao "Diário
Económico") que "diminuir salários não é uma política, é uma urgência,
uma emergência". Mais: "Aquilo que se fez em Portugal nos últimos anos
foi um crescimento completamente disparatado dos salários, que não
podemos pagar e agora temos a necessária correção".
2 Teodora
Cardoso tornou-se uma voz respeitada pelo trabalho desempenhado no Banco
de Portugal, que abandonou para que as funções à frente do Conselho das
Contas Públicas fossem absolutamente transparentes.
António
Borges acumula o seu labor governativo com funções de administrador da
Jerónimo e Martins, depois de ter andado pela Goldman Sachs de Mario
Draghi e Mario Monti (que nunca esquece os seus) e pelo FMI.
Ambos
vivem no País em que Jardim Gonçalves recebe do Banco Comercial
Português (BCP) a reforma de 175 mil euros por mês e o salário mínimo
está fixado em 485 euros, por impossibilidade de concretização da
promessa do governo anterior que estabelecera atingir a meta dos 500
euros no final de 2011.
E o que ambos disseram, pela relevância das posições que ocupam na sociedade portuguesa, obviamente teve impacto.
3
Não tenho a absoluta certeza que Teodora Cardoso e António Borges
tenham um pensamento tão diferenciado quanto parece nesta matéria dos
vencimentos pagos aos portugueses.
No limite, talvez não tenham.
Repare-se
que Teodora Cardoso também diz que "haverá casos em que, de facto, nós
podemos ter necessidade de reduzir salários, mas mais uma vez o problema
fundamental é o da estrutura da nossa produção e mais uma vez a
qualificação".
E António Borges igualmente precisa que baixar salários "não pode ser de maneira nenhuma uma perspetiva de futuro".
Mas
a verdade é que, vistas as palavras ditas, e pela sequência em que
foram ditas, neste momento concreto elas fazem toda a diferença.
Teodora
Cardoso é clara no modelo que pretende: trabalho europeu, pagamento
europeu; António Borges pelo menos admite fazer uma interrupção na
democracia salarial para pôr tudo na ordem, antes de voltar à democracia
no pagamento do trabalho.
4 Esta é uma matéria em que seria
importante ouvir a perspetiva do governo e, sobretudo, do
primeiro-ministro Passos Coelho. É dele a ideia que ganhou as últimas
eleições - liberalizar a economia portuguesa e nela diminuir o peso do
Estado - por muito que paradoxalmente, e talvez até ironicamente, o seu
instrumento principal de trabalho seja o acordo com a "troika",
negociado por Teixeira dos Santos e assinado em primeiro lugar por...
José Sócrates.
Portugal está num momento muito sensível da sua
vida económica. O desemprego ultrapassou os 15% e Vítor Gaspar anunciou
ontem os 16% para 2013. A retoma ainda é uma miragem. A União Europeia
está longe de pensar a uma só voz quanto às medidas para gerar
crescimento. A Grécia é uma ameaça. A Espanha e a Itália podem ser o
nosso pior pesadelo.
E, neste quadro, o governo pensa como Teodora Cardoso ou como António Borges?"
* artigo parcial
sábado, 2 de junho de 2012
Os salários portugueses
Etiquetas:
economia,
governo,
passos coelho
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