Texto de Manuel José Manuel Pureza hoje publicado no Diário de Noticias.
"Só
se desilude quem alimenta ilusões. E se o Governo alimentou na opinião
pública a ilusão da salvação pelo empobrecimento, ela bateu
estrepitosamente na parede. Os resultados do último relatório de
execução orçamental da Direção-Geral do Orçamento são a mais letal
crítica política que o Governo recebeu até agora. Vítor Gaspar
confessou, em idioma "governamentalês", o rotundo fracasso da
estratégia: "A informação disponível sobre o comportamento das receitas
não é positiva", a que acresce que os dados "traduzem um aumento
significativo nos riscos e incertezas associadas às expectativas
orçamentais".
Os números são como o algodão: não enganam. Nas previsões delirantes do Governo, a receita fiscal deveria estar a crescer em 5,4%. Caiu 3,5%. No caso específico do IVA - cuja taxa subiu para 23% para inúmeros produtos, com especial destaque para a restauração - a este ritmo, a receita cairá 2000 milhões de euros (5,8%) quando o Governo anunciara expectativas de subida do arrecadamento em 10%. Os casos do imposto sobre veículos (quebra de 258 milhões de euros) e do imposto sobre produtos petrolíferos (decréscimo de receita de 145 milhões de euros, não obstante as subidas sistemáticas do preço da gasolina ao consumidor) confirmam uma verdade insofismável: a maior subida de impostos alguma vez praticada em Portugal resulta em hecatombe na receita fiscal. Lembram-se das entradas de leão do Governo, a denunciar a herança de um "desvio colossal" nas contas públicas? O que dirá agora Passos diante dos números da Direção-Geral do Orçamento? É caso para perguntar se nos livros sagrados do liberalismo que o Governo tão zelosamente professa não se ensina algo tão básico como que a combinação entre subida da carga fiscal acima do tolerável pelos orçamentos das famílias e das empresas e a perda de emprego ou de salário é absolutamente explosiva para a coluna das receitas nas contas públicas.
Contrai-se a receita, aumenta a despesa (mais 2%), como inevitável resultado do acréscimo de pagamentos de subsídios de desemprego (403 milhões de euros) e da diminuição das contribuições para a Segurança Social (278 milhões a menos).
Esfuma-se, assim, a cada dia que passa, o mito de que "vamos sofrer, mas vamos conseguir". Não, não vamos conseguir. A meta dos 4,5% de défice em 2013 - discutível em si mesma e, mais do que tudo, nas perversões sociais e económicas que alimenta - não vai ser alcançada senão com novo e agravado pacote de austeridade. E essa é a mentira com rabo de fora que o ilusionismo governamental já não consegue esconder mais. Paulatinamente, Passos Coelho vai deixando cair a máscara - onde há tempos era "nunca", agora é "se for necessário". Onde era "se" passou a ser apenas "quando". Para ir aplanando terreno, Gaspar vai ensaiando a sua declinação do estafado "o mundo mudou...". E o próximo Orçamento do Estado, se não for antes, encarregar-se-á de cumprir o desígnio de mais austeridade, mais recessão, mais diminuição de receita, mais aumento de despesa. Mas irresponsabilidade, portanto, mais incompetência, mais afundamento do País. Uma lógica infernal que só não viu, desde o início, no memorando com a troika quem não quis ver
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