Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diário Económico"
"Na conferência de imprensa desta
semana, o ministro das finanças afirmou que a reforma do Estado social
que o Governo diz que vai fazer implica colocar o Estado apenas ao
serviço de quem mais precisa. Para Vítor Gaspar, isso significa a
construção de “um Estado social mais justo”.
Lamento profundamente este tipo de afirmação, uma vez que ela nos
faz entrar no campo da pura demagogia. Afirmações deste tipo são com
certeza expectáveis de pessoas como Miguel Relvas ou Passos Coelho, mas a
esses já nós "damos o desconto", como costuma dizer-se. De alguém com
os pergaminhos intelectuais de Vítor Gaspar espera-se muito melhor.
O modelo que o Governo quer seguir na "refundação" das funções
sociais do Estado equivale - nesse aspecto o ministro é intelectualmente
honesto - à canalização dos recursos apenas para aqueles que estão
pior, evitando que eles caiam abaixo de uma determinado nível (na fome,
no completo abandono). Por outras palavras, o Governo considera que a
sustentabilidade do Estado social passa pela sua transformação numa rede
de segurança social mínima, aquilo que Hayek e outros liberais
chamariam uma "safety net". Ora, o problema é que ninguém que tenha uma
noção robusta de justiça social pode considerar que esta transformação
leva a "um Estado social mais justo" (aliás, Hayek recusava, com
coerência, a própria ideia de justiça social).
Um Estado social justo é, necessariamente, aquele que assume a sua
função redistributiva e geradora de coesão social. Nesse Estado social
existe universalidade dos benefícios e universalidade das contribuições,
adaptadas aos rendimentos e riqueza de cada um. Este Estado social é
para todos e todos nele participam. Não é um Estado social apenas para
os muito pobres. Também neste Estado pode gerar-se a sustentabilidade,
racionalizando, diminuindo benefícios, mas mantendo a universalidade.
Ora, o Estado social que o Governo quer criar, voltado para um
assistencialismo de baixa intensidade, destinado apenas aos menos
beneficiados de todos pela lotaria familiar e natural, é o tipo de
enquadramento institucional que acantona os pobres na sua pobreza, que
não gera redistribuição e que compromete estruturalmente o "elevador
social" e a coesão entre as classes.
O Governo e o ministro das finanças têm todo o direito em pensar que
esse é o caminho adequado, ou até que não é o caminho ideal, mas apenas
aquele que está ao nosso alcance. Eu discordo disso, mas sempre é um
princípio de discussão. O que o ministro das finanças não pode dizer, se
quiser ater-se a um mínimo de rigor e honestidade intelectual, se não
quiser transformar-se num "Relvas" ou num "Passos", é que o modelo para o
qual quer caminhar corresponde a "um Estado social mais justo"."
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Mais justo?
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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