Texto de Fernanda Câncio hoje publicado no Diário de Noticias.
"Foi uma semana em cheio. Aquela em que o Governo assumiu o Estado de
sítio ao receber Merkel num forte e não na sede do Governo, para em sua
augusta presença jurar que queremos muito fazer do trabalhador português
um alemão, e que, portanto, os insultos mentirosos que a chanceler
disse na terra dela sobre os povos do Sul, e que a própria imprensa
alemã desmentiu, para o Executivo português são verdade e inspiração.
Aquela de uma greve geral em que o PM chamou cobardes aos grevistas, ao
elogiar a coragem dos que trabalham, enquanto reconhecia ter ficado
surpreendido com a brutalidade dos números do desemprego para logo nos
sossegar com o facto de ter "corrigido" as previsões: espera que ele
suba mais, porque é algo "por que temos de passar". Aquela em que
Passos, ao discursar na inauguração de uma fábrica que ardeu, a comparou
ao país para nos certificar de que não estamos enganados: temos um PM
que sonha com uma reconstrução radical a partir de escombros fumegantes,
um glorioso amanhã que cantará depois de todo o desemprego e pobreza
todos por que temos de passar até que, milagre, dos portugueses nasçam
alemães - ou lá o que é.
É, tudo isto numa semana. Faz então sentido que tenhamos também nela ficado a saber que, enquanto se corta na saúde e na educação e nos apoios sociais e se propõe cortar ainda mais, para as polícias há um incremento de 10,8 por cento em 2013. E não, não venham dizer que é para fazer face a "um previsível aumento da criminalidade"; esta tem vindo a decrescer, notavelmente, nos últimos dois anos. Nem há de ser para enfrentar "a meia dúzia de profissionais da desordem" identificados pelo ministro Macedo na "manif" de quarta (e à conta dos quais centenas de cidadãos foram perseguidos e espancados pelo crime de estarem ali). É mesmo contra nós todos, contra o País que, como a fábrica da Sicasal, deve renascer das cinzas, que o Governo se aprovisiona. Quem nos condena a "passar pelo desemprego" como quem diz "o que arde cura" e "se morreres, morreste" não arrisca passar por nós sem boa proteção.
"Há tolerância mas também há uma linha vermelha", disse ontem Passos. Tão verdade."
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