O dia de hoje é dominado pela votação do orçamento para 2013, que será votado pela maioria acéfala e invertebrada do PSD e CDS. Eis alguns textos hoje publicados sobre o tema.
OE 2013: Portugal, um país em vias de subdesenvolvimento
"Já aqui o escrevi: o Orçamento que hoje vai ser aprovado é uma catástrofe para o País e é uma fraude.
Uma catástrofe porque aprofunda, de forma ainda mais violenta, as medidas que até agora foram tomadas e das quais tão bem conhecemos os resultados. Cortes nos investimentos públicos e nas despesas sociais, diminuição do emprego nos setores da educação e da saúde, o maior aumento de impostos das últimas décadas, continuando a espiral recessiva que aumentará as despesas sociais do Estado, reduzirá as receitas e aumentará o nosso endividamento. Daqui a um ano estaremos ainda mais longe de sair da crise do que estamos agora.
É uma fraude porque se baseia num cenário macroeconómico que ignora as consequências das opções que toma. Defender que a recessão será de 1%, com retoma já no fim de 2013, é de tal forma fantasioso que nem quem o diz acredita. E essa fantasia nasce de pressupostos absurdos no que toca ao investimento privado, ao consumo interno, às exportações e ao desemprego. Quando tudo aponta para que a crise se aprofunde, o governo apresenta um orçamento que se baseia na ideia de que vamos começar a sair dela.
O Banco de Portugal já veio corrigir alguns números, afirmando que a queda do produto ficará 60% acima do previsto pelo governo. Mesmo esta previsão é de um enorme otimismo. Se as estimativas do FMI sobre os impactos da austeridade nos países em crise se confirmarem, a queda do produto poderá atingir valores entre os -2% e os -5%.
Há duas possibilidades para explicar esta fraude: ou o governo é incompetente ou ela corresponde a uma estratégia deliberada. Talvez seja um pouco das duas. E que estratégia é essa? Quando os números se mostrarem absolutamente delirantes - e o governo responsabilizar a conjuntura externa, o efeito da greve dos estivadores nas exportações, os surpreendentes números do desemprego ou qualquer outra coisa -, estarão criadas as condições políticas para apresentar a "refundação do Estado" (leia-se: a redução drástica das suas funções sociais) como inevitável. Não há mais por onde cortar, não se podem ir buscar mais impostos, sobra as despesas sociais, no Serviço Nacional de Saúde, na Escola Pública e nas reformas para cortar.
Sim, este governo é incompetente. Sim, o memorando da troika encerra em si um programa político que a democracia não sufragou. Mas a sua incompetência e o memorando são o álibi para a aplicação de um programa ideológico que uma minoria de fanáticos, apoiados por uma elite económica não produtiva, há muito quer ver aplicado. E que corresponde à liberalização completa das relações laborais, à transferência dos rendimentos do trabalho para os rendimentos de capital - com uma redução drástica do factor trabalho nos custos de produção -, ao saque indiscriminado dos recursos públicos, à destruição do Estado Providência e à privatização dos dois negócios com procura menos elástica e maior garantia de retorno: a saúde e as pensões.
O que está em causa neste orçamento não são apenas números. É um modelo social que garantiu meio século de paz e prosperidade à Europa e que permitiu que Portugal deixasse de ser um país subdesenvolvido para ter lugar no primeiro Mundo. Não está em causa tornar o nosso País mais competitivo e garantir um crescimento económico que corresponda a um desenvolvimento sustentado. Este orçamento, assim como este memorando, transforma, nas acertadas palavras do economista Alexandre Abreu, Portugal num país "em vias de subdesenvolvimento"."
O que vai na alma dos deputados do PSD
Texto de Pedro Tadeu hoje publicado no "Diário de Noticias"
"Quando ontem 18 deputados do PSD anunciaram uma declaração de voto a vergastar o aumento de impostos e a estagnação da economia para acompanhar, contraditoriamente, o seu voto favorável à proposta do Governo para o Orçamento do Estado, assistimos a algo mais do que um episódio caricato.
Mesmo depois de aquela posição crítica ter sido embrulhada num texto mais ameno, subscrito no final por toda a bancada social-democrata, restou a ilustração radical de como as consciências estão a pesar nos 108 cérebros que, no hemiciclo de São Bento, têm de garantir a perenidade de Passos Coelho na chefia do Governo.
Esta gente, há um ano, exultou, achou mesmo inevitável e patriótico submeter o país a doses irracionais de austeridade, a cortes de subsídios, a aumentos de impostos. Essas medidas eram "uma inevitabilidade" quando atingiam apenas os funcionários públicos, os pensionistas, os reformados, os pequenos empresários, os que trabalham por conta de outrem a troco de salários medianos.
Agora, por força do falhanço do plano da troika, o aumento brutal do mesmo remédio fiscal daí resultante adoenta estes senhores.
Porquê? Porque até os amigos destes deputados do PSD vão pagar: os companheiros, os apoios políticos, os empresários do sistema, os seus advogados, até a família. Lê-se-lhes na cara: "Não foi para isto que chegámos aqui!..." Ainda corremos o risco de os vermos, lenço palestiniano na cara, a atirar pedras ao Parlamento.
Até poderia o Governo argumentar que está finalmente atingida a tão reclamada equidade de sacrifícios - o que infelizmente não é verdade -, mas também não é assim que os convencem. Agora, que lhes dói, acham também que a economia não aguenta tamanha sangria. Agora, que lhes vão ao bolso, não acham bem.
Esta indignação tardia pode sofrer, portanto, de uma boa dose de hipocrisia, mas não é inconsequente. Este rombo no seio ideológico do Governo, que teve um prelúdio nos figurantes do Partido Popular e num enorme rol de comentadores do regime, vai resultar, mais tarde ou mais cedo, em actos políticos sérios.
Significa isto que, a prazo, as medidas que têm sido aplicadas acabarão por ser abandonadas? Não. Significa, como tantas vezes o passado nos ensinou, que se nada de mais substancial se alterar estas políticas, no essencial, perdurarão. As vítimas é que voltarão a ser, exclusivamente, as do costume: os cidadãos que nada têm a ver com os interesses, as relações e as dependências dos que, no círculo do poder, momentaneamente, foram apanhados de surpresa. "
O dia em que o CDS vende a alma ao diabo
Texto de Henrique Monteiro, hoje publicado no "Expresso" online.
"Hoje, na votação final do Orçamento, consuma-se o colossal, enorme, despropositado e abusivo aumento de impostos. Com a participação ativa do PSD, do CDS, mas também e indiretamente, de todos os partidos, de todos os sindicatos e de todas as corporações que contribuíram para a dívida e para um Estado devorador dos rendimentos e energias dos portugueses.
Ou seja quase toda a gente tem a sua parte na culpa. Como na cena da mulher adúltera, aquele que não exigiu mais isto e aquilo do Estado, do Governo, das autarquias; os que nunca pediram isenção de portagens nas autoestradas, os que nunca fugiram a um imposto, os que nunca utilizaram mal ou indevidamente um recurso comum atirem a primeira pedra.
Esta constatação não santifica, obviamente, este Orçamento. Ele é mau, não só por aumentar os impostos desproporcionalmente. Ele é também mau, porque é inexequível, porque não vai servir os interesses do país. O Governo sabe-o, o PSD também e, sobretudo, o CDS - que se arvorava em partido dos contribuintes - não pode deixar de o saber. Mas hoje é o dia em que o CDS vende oficialmente a alma ao diabo. De facto, há muito estava vendida, mas a partir de hoje já nem pode disfarçar.
Os contribuintes não têm quem os defenda ou os represente; o Estado, como se vê, sempre que necessita de emendar um erro, de pagar uma fatura, de salvar uns amigos é ao seu bolso que recorre."
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