Texto de Pedro Bacelar de Vasconcelos hoje publicado no "Jornal de Noticias"
"Naquela toada lenta de quem esculpe na pedra cada palavra que diz, o
Ministro das Finanças sintetizou com límpida objetividade o que o
Primeiro-Ministro tentara definir tão obscura e atabalhoadamente:
falamos da chamada "refundação do memorando de entendimento".
Tratava-se afinal de uma simples operação aritmética - subtrair
quatro milhões e meio de euros à despesa pública, número que resulta de
uma outra operação aritmética elementar - a adição dos gastos
dispensáveis identificados em três rubricas orçamentais, precisamente, a
saúde, a educação e a segurança social!
Com a fórmula mágica na mão, são convocados de urgência os especialistas do FMI e do Banco Mundial para ajudar o Governo nesta delicada alquimia e logo depois, uma vez confirmados os voos e providenciado o alojamento dos consultores internacionais, notifica-se o povo e o líder da Oposição do lançamento da reforma do Estado, "evento" que reclama, naturalmente, a pronta comparência e o ativo envolvimento de todos os visados.
Ao fim de quase um ano e meio de governação, descobriram, abruptamente, que a reforma do Estado estava por fazer o que, eventualmente, poderia implicar a conveniência de uma revisão da Constituição. É uma descoberta espantosa porque ainda que o risco da rutura financeira tenha sido precipitado pela crise internacional de 2008 e pela falta de instrumentos adequados de uma união monetária incipiente, era bem conhecida a natureza estrutural do défice e há muito que se reclamava de todos os quadrantes a necessidade de uma reforma profunda das instituições e serviços púbicos como imperiosa prioridade governativa.
E sabia-se também que sem uma reforma audaciosa não era possível levar a cabo a redução sustentável da dívida porque, à semelhança das experiências anteriores, era certo que a despesa fatalmente voltaria a disparar ao primeiro sinal de alívio ou distração, sob a pressão dos vícios fortemente arreigados nas estruturas do Estado, nos meandros do sistema político e, claro, na dita sociedade civil.
Com este tardio sobressalto reformador, inverteu-se o que pareceria o procedimento lógico de uma governação responsável, ou seja, começar justamente pelas reformas estruturais, ciente de que os seus resultados apenas seriam percetíveis no médio e longo prazo, e assim mobilizar os cidadãos e criar expectativas consistentes de que o país estava no caminho certo para a recuperação da soberania financeira.
Em vez de "meter mãos" à reforma, porém, este Governo passou a viajar pela Europa em classe turística, extinguiu os governadores civis, suspendeu quatro feriados nacionais, desistiu da reforma de governo do Poder Local por desinteligências intestinas da coligação, vendeu a EDP, como se sabe, e pretendeu assegurar que iria cumprir as metas acordadas para o défice com uma receita da austeridade e empobrecimento brutal "temporariamente" decretada até ao fim do período de resgate.
É no mínimo muito estranho que seja, precisamente, agora que se lembram da reforma do Estado, perante a demonstração flagrante do inevitável falhanço da execução orçamental de 2012, apesar dos cortes inconstitucionais dos subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e pensionistas, das aventuras e desventuras da taxa social única e do chamado "plano B" que ameaçam já estar na forja, para o caso altamente provável de virem a constatar, mais lá para o fim do inverno, que a execução fiscal já não encontra nos bolsos dos cidadãos nada que lhe satisfaça o apetite. Sinais, enfim, bem preocupantes de perigosa desorientação e impotência - na mais cândida das hipóteses..."
Com a fórmula mágica na mão, são convocados de urgência os especialistas do FMI e do Banco Mundial para ajudar o Governo nesta delicada alquimia e logo depois, uma vez confirmados os voos e providenciado o alojamento dos consultores internacionais, notifica-se o povo e o líder da Oposição do lançamento da reforma do Estado, "evento" que reclama, naturalmente, a pronta comparência e o ativo envolvimento de todos os visados.
Ao fim de quase um ano e meio de governação, descobriram, abruptamente, que a reforma do Estado estava por fazer o que, eventualmente, poderia implicar a conveniência de uma revisão da Constituição. É uma descoberta espantosa porque ainda que o risco da rutura financeira tenha sido precipitado pela crise internacional de 2008 e pela falta de instrumentos adequados de uma união monetária incipiente, era bem conhecida a natureza estrutural do défice e há muito que se reclamava de todos os quadrantes a necessidade de uma reforma profunda das instituições e serviços púbicos como imperiosa prioridade governativa.
E sabia-se também que sem uma reforma audaciosa não era possível levar a cabo a redução sustentável da dívida porque, à semelhança das experiências anteriores, era certo que a despesa fatalmente voltaria a disparar ao primeiro sinal de alívio ou distração, sob a pressão dos vícios fortemente arreigados nas estruturas do Estado, nos meandros do sistema político e, claro, na dita sociedade civil.
Com este tardio sobressalto reformador, inverteu-se o que pareceria o procedimento lógico de uma governação responsável, ou seja, começar justamente pelas reformas estruturais, ciente de que os seus resultados apenas seriam percetíveis no médio e longo prazo, e assim mobilizar os cidadãos e criar expectativas consistentes de que o país estava no caminho certo para a recuperação da soberania financeira.
Em vez de "meter mãos" à reforma, porém, este Governo passou a viajar pela Europa em classe turística, extinguiu os governadores civis, suspendeu quatro feriados nacionais, desistiu da reforma de governo do Poder Local por desinteligências intestinas da coligação, vendeu a EDP, como se sabe, e pretendeu assegurar que iria cumprir as metas acordadas para o défice com uma receita da austeridade e empobrecimento brutal "temporariamente" decretada até ao fim do período de resgate.
É no mínimo muito estranho que seja, precisamente, agora que se lembram da reforma do Estado, perante a demonstração flagrante do inevitável falhanço da execução orçamental de 2012, apesar dos cortes inconstitucionais dos subsídios de férias e de Natal de funcionários públicos e pensionistas, das aventuras e desventuras da taxa social única e do chamado "plano B" que ameaçam já estar na forja, para o caso altamente provável de virem a constatar, mais lá para o fim do inverno, que a execução fiscal já não encontra nos bolsos dos cidadãos nada que lhe satisfaça o apetite. Sinais, enfim, bem preocupantes de perigosa desorientação e impotência - na mais cândida das hipóteses..."
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