Texto de Alfredo Leite, hoje publicado no "Jornal de Noticias".
"O ano de 2012 chega hoje ao fim. Parafraseando Pedro, a quem nunca
dei um mísero 'like' no facebook, este não foi o ano que merecíamos.
Foi, isso sim, o ano em que herdamos uma política engendrada por Gaspar,
o ministro de Pedro que cultiva um humor de gosto duvidoso e uma
cadência de voz a dois tempos, usada como disfarce de cordeiro, que não
é, e cujas opções depauperaram a vida dos portugueses e a qualidade dos
serviços públicos como não há memória.
Tal como na versão de
Prokofiev, também as personagens deste Pedro e o lobo têm tocado
instrumentos variados para nos contarem a sua história. A diferença é
que, ao contrário da escrita do compositor ucraniano, os solistas desta
orquestra andaram um ano desafinados. O naipe de músicos fica também
famoso por ter passado doze meses a titubear ao ritmo errante da batuta
de Gaspar que teimou até à última em não escutar a melodia que ecoava
nas ruas.
Resultado: a polémica e infame TSU foi abandonada na
sequência das manifestações de 15 de setembro, provavelmente o
acontecimento mais relevante de 2012. Mais tarde, a trapalhona
privatização da TAP foi adiada e, não obstante a justificação oficial da
falta de garantias bancárias, a verdade é que a pressão da opinião
pública a tal obrigou o Governo.
E estes são apenas dois exemplos
do que, num ano de avanços e recuos, foi marcando a política de Pedro.
Mas há muitos outros para juntar ao temor de que o perímetro do pântano
do BPN - banco tóxico do regime cujo buraco de milhões nos vai
certamente continuar a asfixiar - possa ser de dimensões ainda maiores.
A
observação dos tristes acontecimentos do ano político que agora finda
permite-nos concluir que iremos de mal a pior em 2013. A contração do
PIB português (em oposição ao previsível pequeno aumento na Zona Euro)
para o ano que estamos prestes a celebrar vai agravar ainda mais a nossa
condição de vida. O desemprego vai inevitavelmente aumentar, assim como
o número de falências. Por arrastamento, seremos obrigados a cumprir o
desejo de Pedro e emigrar. A pequena criminalidade vai reforçar a
sensação de insegurança que ajuda a tolher a vivência social do país.
O empobrecimento acentuado da nossa sociedade vai conduzir-nos quase inevitavelmente ao abismo de novos planos de austeridade.
Além
de mais pobres, viveremos também mais de perto o desespero que está a
tomar conta de muitas vidas, como provam os números alarmantes que
publicamos na edição de ontem.
E é com este cenário que entramos
num novo ano. Para 2013 fica ainda a pergunta do milhão de dólares: vai
Passos Coelho aguentar-se no Poder? Provavelmente sim. Pelo menos
enquanto durar a paz podre do casamento de conveniência que é a
coligação governamental e Cavaco atuar por omissão. Mesmo que, como se
adivinha, o descalabro eleitoral das autárquicas do final do ano atire o
PSD para um buraco negro. Um reduto do qual um PS liderado por Seguro
dificilmente se aproveitará em termos nacionais."
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
O ano de Pedro e o lobo
sábado, 29 de dezembro de 2012
Bom ano para combates
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"
Os combates pela dignidade, pela justiça, pela solidariedade efetiva, pelos direitos humanos, pelo direito ao trabalho, pelas liberdades, pela democracia vão ter de estar presentes nos 365 dias do ano. A persistência na denúncia pode, por vezes, parecer ausência de criatividade mas, em tempos de escuridão, a ilusão de que podemos ser conduzidos por quem nos apagou as luzes pode sair muito cara.
Neste 2013 muitos portugueses e portuguesas, de três gerações, vão sentir a confirmação de realidades muito duras com que se lhes apresenta o futuro, se não houver a prazo curto, mudanças profundas nas políticas seguidas.
Os mais velhos que trabalharam a vida inteira e depositaram em cada mês parte dos seus salários nos cofres do Estado (descontos para a Segurança Social, impostos, etc.) para, em tempo de reforma e de velhice, poderem ter uma vida digna, vão sentir um roubo cada vez maior nas suas reformas, dificuldades acrescidas no acesso à saúde e, em muitos casos, a tristeza de todo um sonho de vida digna e feliz se esboroar e transformar em carências e miséria.
A geração intermédia, há muito no mundo do trabalho, que investiu na vida familiar, na sua casa, em condições de algum conforto, mesmo que longe de todas as possibilidades que a propaganda da sociedade individualista e de consumo lhe apresentava e para as quais a convidava, vai sentir a queda contínua dos salários, o garrotilho do desemprego e a diminuição do seu poder de compra. Em muitas situações haverá a ausência quase total de rendimentos, e, em consequência, o desmoronar de projetos familiares, a emigração dos filhos, as carências mais gritantes. Mas de patrões e governantes vão ouvir que não perceberam que na modernidade tudo é precário!
Os mais jovens deparar-se-ão com a inexistência de emprego ou com precariedade absoluta e salários indigentes, com a impossibilidade de dar um rumo às suas vidas. Ao mesmo tempo, os governantes e os senhores a quem estes servem, vão desafiá-los constantemente a revoltarem-se contra as outras duas gerações, os "privilegiados", procurando aprofundar disfunções e ruturas entre gerações, para imporem mais aceleradamente o empobrecimento e a destruição de valores de solidariedade e universalismo.
No entanto, está ao nosso alcance construir um ano Bom. O grande combate para cumprir esse objetivo é o de sermos capazes de denunciar com eficácia as políticas impostas e o de derrotar quem as impõe, o governo e a troica.
Não há qualquer radicalismo na afirmação de que o governo PSD/PP é um desastre e não tem um rumo que sirva o povo português. Cada dia que se mantem no poder, os problemas agravam-se. A luta para correr com ele terá de ser persistente, pois a generalidade dos governantes está convicta da sua missão e tem todo o ar de não se predispor a sair, mesmo perante o confirmado fracasso das suas políticas.
Tem de aumentar a exigência às forças políticas (e não só) com opções à esquerda, para que se encontrem e formulem compromissos mínimos para uma alternativa.
Três temas são prioritários nestes combates que hão de fazer de 2013 um ano bom: a defesa do Estado social; a afirmação da democracia em todas as suas expressões; a exigência de compromissos para que se produzam bens e serviços úteis ao desenvolvimento da sociedade portuguesa."
As tretas do primeiro-ministro
Texto de Tiago Mesquita, publicado no seu blogue "100 reféns" no "Expresso"
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
Equidade
Texto de Francisco Proença de Carvalho, Advogado, hoje publicado no "Diário Económico"
"É assustador a facilidade com que o Estado se permite quebrar o seu contrato social e nacionalizar o rendimento das pessoas.
Eis uma palavra pouco utilizada em Portugal até que a governação
passou a ver na mesma uma oportunidade para tentar obter mais receita
fiscal. Os bonitos princípios da equidade e da solidariedade passaram a
significar mais impostos. E, no final, mais impostos significam
recessão, desemprego e mais pobreza transversal à sociedade.
As vítimas recentes da equidade são os pensionistas. 2013 será o ano
em que a equidade apregoada quanto à distribuição dos sacrifícios
chegará, sem meias medidas, aos que já não têm força para emigrar,
através da chamada Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES),
aplicável a alguns pensionistas "dourados", ou seja, aqueles que recebem
mais de 1350 euros. Em alguns casos, a aplicação deste imposto dito
solidário, conjugado com as taxas de IRS, significará que o Estado se
permite retirar 70, 80 ou mesmo 90% do rendimento de cidadãos.
Só se aplica aos ricos, dizem alguns protagonistas, curiosamente da
direita Portuguesa. Isso é irrelevante! Isto porque a democracia tem
limites e estes aplicam-se a ricos e pobres. Julgava impossível que, em
democracia, algum cidadão pudesse ver o Estado retirar-lhe tamanha fatia
do seu rendimento mas, pelos vistos, estava enganado. Se isto não é
confisco, o que é? Se isto não é inconstitucional, o que é? Vivemos
tempos de grande exigência, mas a acção do Estado não pode ser
ilimitada, sob pena de palavras como "democracia" e "liberdade", que não
existem sem o direito à propriedade privada, passarem à história.
Sou da geração que tem perfeita noção de que não vai ter reformas
compatíveis com os seus descontos e que, se tiver uma reforma mínima já
será uma conquista assinalável. Se tiver saúde, também sei que não me
vou reformar aos 65 ou muito menos aos 55 anos, como vi acontecer com
muitos dos que se aposentaram ao longo das já quase quatro décadas de
festejos que a revolução de Abril mereceu em Portugal. Nada disso me
assusta. O que é assustador é a facilidade com que o Estado se permite
quebrar o seu contrato social e nacionalizar o rendimento das pessoas. E
isso é ainda mais gravoso numa altura em que o último garante de
sobrevivência de muitas famílias arrastadas pela crise são precisamente
os pensionistas da classe média.
Não se deixem os portugueses enganar com a nobreza do princípio da
equidade na boca de um decisor político nos dias de hoje. Isso apenas
significa que os pobres continuarão pobres, os remediados ficarão
pobres, a classe média passa a baixa e a classe alta gastará muito
menos. Portanto, se no discurso teórico estas ideias soam bem e parecem
justas, na vida real significam desgraça colectiva."
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
Com amigos assim
Texto de Helena Cristina Coelho hoje publicado no "Diário Económico"
"Pedro, o cidadão, escreveu ontem uma carta sentida aos
portugueses, a quem chama "amigos", lamentando as perdas e sacrifícios a
que Pedro, o primeiro-ministro, sujeitou os portugueses, os
"contribuintes".
Pedro, o cidadão, admite que, no país em que Pedro também é
primeiro-ministro, o Natal deste ano não foi um conto feliz. Houve
famílias sem a consoada que mereciam, houve muitas mesas com ausências,
houve pratos sem a fartura de outros tempos, houve filhos e netos sem os
presentes que desejavam.
E houve portugueses que acordaram no
dia seguinte sem trabalho, de barriga vazia, a casa na bancarrota ou as
malas feitas para emigrar. É por eles que Pedro reconhece que este não
foi o Natal que merecíamos - tem razão.
Mas depois é por eles
que termina a sua mensagem desejando aos amigos "festas felizes" - e é
assim que se perde a razão. Esta, sim, foi a mensagem que os portugueses
não mereciam. Em três curtos parágrafos deixados ontem no Facebook,
numa espécie de mensagem intimista e solidária de alguém que,
nitidamente, precisa de amigos, Pedro, o cidadão, reconhece o que já é
óbvio para todos há muito tempo. Que este foi mais um dia num ano de
sacrifício, que há portugueses que sofrem, que é preciso trocar o pesar
pelo orgulho quando se encara um novo dia.
O que Pedro deixou
fora desta carta é precisamente aquilo que os portugueses, os
contribuintes, querem saber de Pedro, o primeiro-ministro: quando é que
alivia a carga fiscal com que está a esmagar a classe média e os
pensionistas, quando é que permite que as empresas criem condições para
gerar emprego em vez de se asfixiarem em burocracias e impostos, quando é
que garante que os talentos regressam em vez de os incentivar a partir
para destinos onde fazem muito pela reputação de Portugal, mas pouco
pela sua competitividade.
No dia em que Pedro, o
primeiro-ministro, escrever uma carta a responder a todas as
interrogações e a dar sinais reais de quando o país pode ter, de facto,
um Natal melhor, os portugueses, cidadãos, assinam por baixo. Não é
certamente com mensagens assim que Pedro faz amigos. Até porque os
portugueses, nos últimos tempos, foram obrigados a ser menos piegas..."
domingo, 23 de dezembro de 2012
Um Presidente que não conta
Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
"É um tempo para
pararmos um pouco, olharmos à nossa volta e reflectirmos sobre aquilo
que fizemos, aquilo que deixámos de fazer, aquilo que não devíamos ter
feito, aquilo que podíamos ter feito melhor", afirmou Cavaco Silva
durante a sessão de apresentação de cumprimentos natalícios por parte do
Governo.
Não é de crer que o homem que nunca se engana e
raramente tem dúvidas tenha, por uma vez, resolvido anunciar uma
introspecção. De alguém que continua a tentar fazer-nos de parvos e diz
que as suas palavras sobre as suas pensões foram mal interpretadas
quando todos as ouvimos claramente, não podemos esperar grandes actos de
contrição.
Por estas e outras não faltou gente a interpretar
aquela frase como um recado ao Governo e não como uma espécie de mea
culpa. No fundo, uma troca de recados: o primeiro-ministro mandou um
recado a Cavaco Silva quando falou - de forma ignorante e imprudente
pondo em causa a solidariedade entre gerações, essencial ao equilíbrio
da comunidade - sobre "pessoas" que não descontaram o suficiente para
ter as reformas de que hoje desfrutam e o Presidente da República tratou
de mandar outro recado incentivando Passos Coelho a reflectir. Digamos
que estamos bem entregues quando, num momento como o que passamos,
Presidente e primeiro-ministro se divertem a mandar recados um ao outro.
É provável que a santíssima trindade composta por Passos, Gaspar
e Relvas, essa entidade una e indivisível, não tenha consciência do mal
que está a fazer ao País e da catástrofe que está a semear. O
Presidente da República também ainda não percebeu que está a ser
conivente por acções ou omissões da dita trindade, e que os cidadãos
entendem que ele é parte integrante da equipa que está a destruir a
classe média, a condenar gente, sobretudo de meia-idade (que não mais
vai conseguir arranjar emprego) à miséria e a fazer regredir social e
economicamente o País muitas dezenas de anos.
Não, não foram
apenas as suas infelicíssimas declarações sobre as suas pensões, não foi
aquele inominável discurso em que ofendeu tudo e todos aquando da sua
vitória eleitoral, não foi o episódio das escutas (que em qualquer país
civilizado teria levado à demissão do Governo ou do Presidente da
República) que faz com que Cavaco Silva seja o Presidente da República
mais impopular da história da democracia. Não é em vão que sondagem após
sondagem Cavaco Silva reúna mais opiniões desfavoráveis que Seguro,
Paulo Portas ou até do duo dinâmico Martins/Semedo - só mesmo Passos
Coelho é mais impopular que ele. Nada disto surpreende: além de o
sentirem colaborar com o Governo, os portugueses não conseguem perceber a
sua importância. Cavaco Silva conseguiu tornar o cargo de Presidente da
República irrelevante.
O Presidente renunciou ao seu papel de
provedor do povo quando não fala dos problemas, das angústias, dos
verdadeiros dramas dos seus representados e gasta o tempo com recados
que apenas servem para que mais tarde venha com o seu habitual e fútil
"eu tinha avisado" que nada acrescenta e apenas lembra a sua inutilidade
. Não cumpriu o seu juramento de "defender, cumprir e fazer cumprir a
Constituição da República Portuguesa" quando deixou que um grupo de
deputados fizesse o que ele devia ter feito mandando o orçamento de 2012
para o Tribunal Constitucional. Não pediu a fiscalização preventiva do
Orçamento para 2013 quando, segundo todos os constitucionalistas, todos
os observadores independentes e até do próprio partido do Governo, este
tem várias normas inconstitucionais e apenas 7,6% dos portugueses acham
que ele o deve promulgar.
Ouviu-se, aliás, muito o argumento de
que o Presidente não iria enviar a lei para o Tribunal Constitucional
para fiscalização preventiva por existir o risco de não haver orçamento
nas primeiras semanas de 2013. Cavaco Silva pode invocar todas as razões
para não o ter feito menos essa. O Presidente não jurou cumprir e fazer
cumprir um qualquer orçamento, jurou sim fazer cumprir a Constituição.
Mais, se as dúvidas são muito fortes não faz sentido que não requeira a
fiscalização deixando assim que muito provavelmente entrem em vigor leis
inconstitucionais.
Quando, lá para Março, toda a gente perceber a
catástrofe orçamental, o Governo entrar em colapso, os tribunais,
departamentos do Estado e sociedade civil mergulharem numa crise sem
precedentes vamos ter um Presidente descredibilizado, impopular,
barricado em Belém e em que ninguém confia. Nem os partidos, nem a
comunidade em geral. E logo quando mais precisávamos dum Presidente da
República. "
sábado, 22 de dezembro de 2012
Não tenham paciência
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias"
"Tenha paciência" era o que diziam as almas caridosas aos "mendigos" quando lhes faltavam trocos na carteira, ou vontade para dar qualquer coisa. "Tenham paciência" é o que o governo PSD/CDS nos vai dizendo quando fala da "dívida" e das suas receitas para a pagar, que além de nos colocarem coletivamente pobres, nos exigem a desistência da dignidade durante décadas.
Não tenhamos paciência! Sejamos calmos e ponderados, mas determinados contra estes apelos à resignação e ao retrocesso.
Não condescendamos com os "perigos" de os protestos contra as políticas deste governo poderem gerar instabilidade política. A pior das instabilidades é a que está instalada em S. Bento e em Belém. O que está em causa é a venda ao desbarato do país, ou a entrega a interesses particulares, das suas melhores empresas, dos seus sistemas públicos de saúde, de educação, de pensões. Se deixarmos este governo à solta, nem as estradas ficarão como legado.
O que este governo está a fazer equivale a transformar o próprio Estado, a Administração Central e Local, o país, numa gigantesca parceria público-privada, onde para dar um passo é preciso pagar uma portagem. Portagem na autoestrada, portagem no hospital, portagem na escola, barreiras inultrapassáveis no acesso ao subsídio de desemprego, a reformas dignas, ao rendimento mínimo, a condições de vida dignas. Sabe-se lá se até portagem para descansar umas horas na praia ou no jardim. E, em cima de tudo isto, impostos para subsidiar "o serviço público" prestado pela finança.
Não tenhamos paciência perante os discursos que invocam a justiça e a igualdade, exatamente para as liquidar. Não toleremos que digam que "os ricos" devem pagar a saúde e o ensino, quando o verdadeiro objetivo das "reformas" em curso é tornar competitivos os negócios privados de saúde e de educação para ricos, deixando para "os pobres" hospitais e escolas de serviços minimalistas. Não toleremos a propaganda de que é preciso cortar nas pensões "milionárias", quando toda essa treta não passa de uma cortina de fumo que visa manter os verdadeiros privilegiados à margem de qualquer sacrifício, empurrar "os ricos" para planos de poupança reforma, deixando aos "pobres" um sistema de pensões subfinanciado.
O Primeiro-ministro foi a uma assembleia da JSD mobilizar os jovens contra os grisalhos, porque o seu objetivo é retirar aos jovens toda a segurança no futuro, colocá-los a morder as suas próprias pernas e destroçar laços de solidariedade entre gerações.
Não aceitemos a demagogia dos "pobres" contra os "ricos" quando o que o governo está a fazer é empobrecer todos, menos a minoria que detém o controlo acionista da gigantesca PPP em que querem transformar o Estado e o país.
Instabilidade é deixar que isto vá andando. Prudência é pôr fim a esta agonia antes que seja tarde.
A democracia é a alternativa. Democracia em que todos contribuem na proporção das suas possibilidades e todos beneficiam dos serviços públicos. Onde não tenha que pagar "o rico", porque já pagou impostos, nem tenha que pagar "o pobre". Aquilo a que cada um está a ter acesso é um direito que a sociedade pode e deve garantir a todos, por serem seres humanos, na base de políticas de distribuição e redistribuição justas da riqueza. Democracia em que ninguém tenha de despir-se da dignidade para ter trabalho e salário. Democracia em que todos tenham condições para ter voz, e ninguém seja perseguido por exprimir pontos de vista discordantes ou por protestar.
Instabilidade é a ameaça que impende sobre a democracia quando nos dizem, devagarinho, "não-há-dinheiro" para cumprir os direitos laborais, sociais, culturais e políticos. Há dinheiro sim. Dinheiro que foge para paraísos fiscais. Dinheiro que se suja em transações de coisas que deviam estar fora do mercado, como é o caso das decisões políticas. Dinheiro pago em dividendos a acionistas de empresas que estão a despedir. Dinheiro não investido produtivamente, mas que circula na especulação financeira.
Chega de silêncios e condescendências."
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Incrivelmente é pouco
Texto de Fernanda Câncio hoje publicado no Diário de Noticias
Vejamos as suas últimas declarações sobre as pensões: um chorrilho de inexatidões, mentiras e acinte. Diz Passos que a denominada "contribuição especial de solidariedade" (CES) é pedida aos que recebem "pensões muito altas". Exime-se, desde logo, de explicitar que para ele as "pensões muito altas" começam nos 1350 euros - primeira aldrabice. E prossegue: esse "contributo especial" é devido por quem recebe essas pensões "por não ter descontado na proporção", quando "hoje os que estão a fazer os seus descontos terão a sua reforma como se esta fosse capitalizada - tendo em conta todos os descontos". Refere-se ao facto de as regras de cálculo terem mudado em 2007, com o primeiro Governo Sócrates (e uma lei aprovada apenas com votos do PS), quando antes se referiam aos melhores dez dos últimos 15 anos ou mesmo ao derradeiro ordenado.
Sucede que, ao contrário do que esta conversa dá a entender, a dita "solidariedade" imposta às pensões a partir de 1350 euros vai direitinha, como aliás esta semana o insuspeito Bagão Félix frisou no Público, para o buraco do défice. Não vai para a Segurança Social e portanto não serve para "ajudar" nas pensões futuras - segunda aldrabice. E se as pensões "mais altas" não foram calculadas com base na totalidade dos descontos, as mais baixas também não - aliás, as pensões ditas "mínimas" referem-se a carreiras contributivas diminutas. Pela ordem de ideias de Passos os seus beneficiários têm o que merecem: pensões baixas por terem descontado pouco. Mas faz questão de repetir que lhas aumentou em 1,1%, dando a entender que a CES serve para tal (terceira aldrabice), enquanto a verdade é que o faz com o corte do Complemento Solidário para Idosos. Ora se nem todos os que recebem pensões mínimas são pobres, o CSI, fulcral na diminuição da pobreza dos idosos nos últimos anos, foi criado para somar às pensões muito baixas de quem não tem outros meios de subsistência. E é aí que Passos tira, com o desplante de afirmar que é tudo "em nome da justiça social" (esta aldrabice vale por cem).
Mas a maior aldrabice, implícita em todo este discurso, é de que a Segurança Social é já deficitária e urgem medidas hoje. Citando de novo Bagão, "o Regime Previdencial da SS, além de constitucionalmente autónomo, até é superavitário (mais receita da TSU do que as pensões e outras prestações de base contributiva)! E tem sido este regime a esbater o défice do Estado e não o inverso, como, incrivelmente, se tem querido passar para a opinião pública".
Sim, Bagão está a falar do seu camarada de partido, Mota Soares, e a chamar-lhe mentiroso. Incrivelmente? Não: devíamos estar todos a repetir o mesmo, todos os dias, em todo o lado, até que este pesadelo acabe. E possamos, finalmente, discutir estas coisas tão sérias com seriedade. "
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Sentido de Estado
Texto de António Rebelo de Sousa, Economista, hoje publicado no "Diário Económico"
"Se é verdade que para os liberais não
existem interesses estratégicos de um País- o mercado é que tudo
determina-, também não é menos verdade que, para muitos, Portugal tem
interesses estratégicos a defender.
Importa assegurar a implementação de um modelo de desenvolvimento
consistente que maximize as nossas vantagens competitivas dinâmicas.
Importa
estarmos na rota dos principais voos intercontinentais entre a Europa e
as américas ou entre a europa e o continente africano.
Importa
manter uma comunicação social que comporte órgãos independentes,
evitando-se a contaminação por parte de grupos coniventes com o
exercício de um poder autocrático e corrupto.
Importa dispor-se de uma estratégia coerente de concretização de parcerias no sector energético.
Importa
assegurar uma boa legislação de defesa da concorrência, com
transparência na informação e com mecanismos adequados de supervisão.
Importa enveredar por processos de privatização que, na medida do possível, possam ir ao encontro do interesse nacional.
Importa definir uma estratégia consistente de internacionalização da
economia nacional, procurando-se explicar melhor o papel de uma AICEP,
de uma CGD ou de uma SOFID.
Importa executar uma política de cooperação que se constitua em
instrumento eficaz da dita estratégia de internacionalização da economia
Portuguesa.
Importa, ainda, potenciar, de uma forma eficiente e inovadora, uma das maiores zonas económicas exclusivas do Mundo.
É,
ao fim e ao cabo, essencial que se parta de um "conjunto de valores" e
que se estabeleçam objectivos e metas inteligíveis para o cidadão comum.
Por
muito que se esteja confrontado com uma situação de dependência externa
extrema, deverá haver valores e interesses estratégicos de que não
deverá abdicar-se.
Haverá sempre quem argumente com o pragmatismo para tudo justificar,
aceitando a ideia de que não se dispõe de qualquer poder negocial.
Um
País não precisa de governantes que se limitem a estudar a melhor forma
de aplicar internamente receitas impostas do exterior.
Para isso, um qualquer Alto Comissariado imposto do exterior serviria.
Um País precisa de alguém com vontade própria.
Um País, o nosso País, precisa de ser governado por Homens Livres.
Realistas, pragmáticos e, por isso mesmo, moderados.
Mas, livres. Nem mais, nem menos..."
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Terrorismo intelectual
Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diário Económico"
"Quando o primeiro-ministro lançou o
debate sobre a refundação do Memorando de Entendimento, mas que era,
afinal de contas, sobre a refundação do Estado social, alguns tiveram a
ilusão que ele teria seriedade de intenções.
No entanto, poucos dias depois, já se sabia que não haveria
debate mas apenas a intenção de fazer cortes de despesa para encobrir as
dificuldades do nosso ajustamento. Mais do que isso: esses cortes
estavam já decididos, tanto nos montantes como nos sub-sectores das
funções sociais do Estado sobre os quais incidiriam.
Esta atitude do Governo apenas prolonga o seu padrão habitual de
conduta. O Governo nunca esteve nem está interessado em encontrar pontos
de entendimento com a oposição, nem com os parceiros sociais, nem mesmo
com o Presidente da República. Sempre que abre retoricamente a
possibilidade de algum entendimento, o Governo usa essa intenção de
forma manipulativa. Foi assim que obrigou o PS a afastar-se
progressivamente, que enganou os parceiros sociais (especialmente a UGT)
e que enxovalhou o PR, mais do que uma vez.
As declarações sucessivas do primeiro-ministro nestes últimos dias,
de novo sobre o Estado social, apenas confirmam a mesma tendência,
embora "elevando-a" para um patamar antes inatingido. Pense-se apenas em
dois exemplos, por falta de espaço.
O primeiro é o das declarações sobre as pensões milionárias e a
justificação da sua diminuição em função da "justiça", omitindo
deliberadamente que os cortes já decididos incidem sobre pensões a
partir de 1350 euros. Neste aspecto, o primeiro-ministro quis, antes de
mais, condicionar a decisão do PR sobre o OE de 2013 insinuando factores
da sua vida privada, o que é inaceitável. Mas o primeiro-ministro quis
também cindir a sociedade entre velhos e novos, gerar ódios
intergeracionais, enfim, dividir para poder reinar.
O segundo exemplo é o das declarações sobre o "facto" de o Estado
social beneficiar os ricos. Os portugueses que conhecem as filas da
segurança social, dos centros de saúde, aqueles que sabem até que ponto
as transferências sociais amenizam a pobreza em Portugal, compreendem
bem a alarvidade destas afirmações. Na segurança social e na saúde, mas
também na educação, o Estado social tem sido o grande apoio dos pobres e
da classe média-baixa. Ao fazer tais declarações, o primeiro-ministro
quis apenas dividir a sociedade entre pobres e ricos, gerar ódios
sociais, criando mais uma vez as condições para poder reinar.
A
governação em Portugal vive tempos sombrios. Nunca houve na democracia
portuguesa um primeiro-ministro que tenha atingido este nível de
irresponsabilidade social, desonestidade argumentativa e terrorismo
intelectual."
Os coveiros
Texto de Alexandre Abreu, Economista, hoje publicado no "Diário Económico"
"Sabemos já que a encarnação do
neoliberalismo tardio que dá pelo nome de XIX Governo Constitucional – e
que, aliás, seria mais apropriadamente apodado de Desgoverno
Inconstitucional – é especialmente medíocre e predatória.
Predatória na forma como ataca sem escrúpulos as conquistas do
desenvolvimento português, bem como os direitos dos mais vulneráveis,
para garantir benesses diversas a compadres e a complacência dos
suseranos internacionais. Medíocre nos seus actores, nas suas pretensas
"estratégias", nos argumentos falaciosos utilizados.
Tomemos o exemplo da Segurança Social, que segundo Passos Coelho terá
inevitavelmente de sofrer alterações dada a sua pretensa
insustentabilidade. Acaba de informar o País que "há pessoas que que têm
reformas pagas por aqueles que estão a trabalhar" (oh, surpresa: temos
um sistema que ainda é principalmente de repartição e não de
capitalização) para em seguida afirmar que os que agora trabalham "nunca
terão" reformas a esse nível (anunciando assim apenas a intenção de
desmantelar o sistema).
Os contornos precisos não são claros, mas o modelo é conhecido: menor
componente de solidariedade redistributiva; adiamentos consecutivos da
idade da reforma; abertura de todo o espaço à capitalização privada via
sistema financeiro, com apenas uma rede mínima de apoio aos indigentes.
Esquecendo, respectivamente, que este é já um dos países mais
desiguais da Europa e OCDE e que a solidariedade redistributiva via
Segurança Social é essencial para limitar o crescimento dessa
desigualdade; que é absurdo alegar a necessidade do adiamento da idade
da reforma quando mais de 1/5 da população activa está efectivamente
desempregada e impedida de contribuir; e que os sistemas privados têm
mostrado historicamente ser menos eficientes (devido às comissões) e
muito mais propensos ao risco de colapso. Falam da esperança média de
vida, mas o problema real é a morte provocada do desenvolvimento
português.
Não surpreende: estamos perante os coveiros de Portugal."
O caso Paulo Portas
Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"
"Paulo Portas
está em desacordo com o Orçamento, mas aprovou-o em nome do "interesse
nacional." A invocação deste "interesse" tem-se prestado às maiores
vilanias. A abstracção contida no conceito constitui a característica
essencial dos políticos que atrás dele se resguardam, a fim de impor o
próprio vazio de sentido das suas decisões. Afinal, que é o "interesse
nacional"? São os bancos, as companhias de seguros, os interesses dos
mais afortunados, o enriquecimento ilícito e, agora, a troika? Na lista
das prioridades estamos em último lugar, a verificar pela miséria, pelo
desemprego, pela queda abismal do nosso poder de compra, pela emigração
em massa dos mais jovens e pela angústia devastadora dos mais velhos. O
"interesse nacional" é a máscara da nossa decepção permanente.
Ao
refugiar-se nesta efabulação atroz, Paulo Portas desacreditou-se ainda
mais. Ele não perdeu a capacidade de tomar posição relativamente à
realidade que o rodeia; é demasiadamente arguto e experiente para
admitir como verdade o embuste, criado por quem tem do poder uma ideia
absoluta, da democracia uma concepção de eguariço e de nós uma percepção
de subalternidade.
Ao reconhecer que, no próximo Orçamento, as
coisas não serão admitidas tão benevolentemente, Portas confirma que o
documento por si aprovado é um estropício, para não dizer uma
monstruosidade. A obediência às imposições do PSD, as quais agridem a
moral social que proclama defender, amolgam-lhe o carácter e atingem-lhe
a honra. Não há como escapar das acusações.
A coligação está por
um fio. E não é apenas a exposição de decisões tomadas unilateralmente,
como o desprezo demonstrado em assuntos cruciais. Passos considera mais o
que lhe sussurra Gaspar do que acolhe o que lhe sugere Portas. Entre
estes dois homens há um conflito de culturas e um atrito ideológico. O
mal-estar no CDS é difícil de dissimular, e bem pode o patético Relvas
asseverar que tudo está muito coeso quando ouvimos os trambolhões que já
chegam ao céu.
O "interesse nacional", sobre ter dado cobertura
às maiores patifarias, faz-nos engolir, com repugnância, o amargo veneno
da servidão. Quem da expressão se tem servido não admite, aos outros, a
possibilidade de escolha. "Não há alternativa" é, igualmente, uma frase
maldita que nos têm inculcado como impossibilidade de conduta, a não
ser aquela que o poder impõe. É no mínimo estranho que um homem lido e
havido como Paulo Portas tenha admitido a possibilidade de que todos
somos jumentos, e que a preguiça mental e a indiferença cobarde nos
hajam definitivamente afectado.
Teve a oportunidade de bater com a
porta, e libertar-se das teias de uma política que o embaraça. Não o
fez, em nome do tal "interesse nacional", e excedeu os limites éticos
tradicionalmente atribuídos aos homens de bem. A escolha foi dele."
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Portugal vendido ao desbarato
O Saque
Texto de Paulo Morais, Professor Universitário, hoje publicado no "Correio da Manhã"
"O governo anda a vender empresas públicas e outras participações de capital ao desbarato. Ao desbarato e às escondidas.
Relvas transformará Portugal numa lixeira empresarial
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso"segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
A estupidez (de Passos) volta a atacar
Disse ontem Passos Coelho no congresso da JSD:
"Queixam-se de lhes estarmos a pedir um esforço muito grande, porque têm direito a receber hoje o que descontaram a vida toda. Não é verdade. Descontaram para ter reformas, mas não para ter reformas que não correspondem ao valor dos descontos que fizeram"
À noite na TVI Marcelo Rebelo de Sousa considerou que estas declarações foram uma "canelada ao presidente da república e, de passagem, a Bagão Félix e a Manuela Ferreira Leite".
Passos Coelho deu uma "canelada" aos portugueses (provando que nem delegado de turma deveria ser!)
Texto de João Lemos Esteve, publicado no seu blogue "Politicoesfera" no "Expresso"
Cavaco Silva: o homem errado no lugar errado
Texto de Daniel Oliveira, publicado no seu blogue "Antes pelo contrário" no "Expresso"
sábado, 15 de dezembro de 2012
Estado social e desenvolvimento
Texto de Carvalho da Silva hoje publicado no "Jornal de Noticias".
Em Portugal, como na generalidade dos países europeus e outros, o progresso das sociedades e a consagração de valores democráticos tiveram na afirmação do valor e dignidade do trabalho e dos direitos sociais os seus dois fundamentais ancoradouros.
O magro Estado social português, construído pela ação e luta de gerações, sustentou-se nos compromissos inscritos na Constituição da República em 1976 e significa, sem dúvida, um dos grandes avanços civilizacionais propiciado pelo 25 de Abril de 1974. Agora, por ação do Governo e da maioria que o suporta, com a cumplicidade do presidente da República, está em marcha um ajuste de contas com esses avanços sociais, culturais e democráticos.
Usando a boleia e o pretexto da crise - em nome da qual dizem que não há dinheiro -, mentindo quanto aos objetivos de "novos" compromissos de justiça social, este Governo dos credores (e dos agiotas), dos acionistas de grandes grupos financeiros e económicos, quer impor aos portugueses uma nova versão do Estado assistencialista do século XIX.
A pretensa liberdade de escolha entre oferta pública e privada - na Educação, na Segurança Social, na Saúde - é apresentada de forma mentirosa como opção mais democrática.
Num Estado social de mínimos, trata-se de mentira absoluta afirmar que se deposita nos cidadãos e nas famílias a escolha do que lhes servir melhor, pois um qualquer cheque-ensino não lhes permitirá senão fazer uma escolha entre escolas públicas, qual delas a mais degradada e sem recursos.
É falsa a ideia de que o acesso aos cuidados de saúde públicos deve ser em função dos rendimentos, quando o que está em marcha diminuirá inexoravelmente a qualidade dos serviços à medida que estes são concebidos apenas para pessoas na pobreza ou na sua proximidade.
A especulação sobre as grandes reformas é feita para cobrir com demagogia a defesa do plafonamento das pensões. Na Segurança Social existem pouco mais de 500 reformados com pensões superiores a 5000 euros e a pensão média do regime contributivo é de 470 euros (Regime Geral). O sistema precisa de todos os trabalhadores e não surgirão alternativas positivas à solidariedade intergeracional.
Após a privatização da ANA, da TAP e das áreas rentáveis dos transportes públicos, das águas, dos correios, entendem os nossos governantes e os seus mandantes que resta oferecer ao capital financeiro e aos grandes grupos económicos o último eldorado: entregar à exploração dos mercados e do sistema financeiro os setores rentáveis do fundamental das funções sociais do Estado.
Nestes tempos em que a austeridade funciona como arma de arremesso para aprofundar a desigualdade e proteger os rendimentos dos poderosos, é tempo de unir esforços entre trabalhadores, forças políticas e sociais da Esquerda, sindicatos e movimentos sociais, para denunciar o golpe que o Governo prepara e colocar no centro do debate a defesa e o futuro do Estado social. A petição lançada pela CGTP-IN "em defesa das funções sociais do Estado" é muito oportuna e merece apoio. Outras iniciativas sociais e políticas têm de ser feitas para que o combate seja vitorioso.
É preciso políticas económicas sérias para haver emprego e mais recursos, mas hoje a despesa social em Portugal não é superior à da maioria dos países da UE.
Não haverá crescimento económico em resultado da destruição do Estado social e este faz falta à construção da justiça social, ao combate à pobreza e ao desenvolvimento da sociedade."
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
E se os políticos forem mesmo todos iguais?
"Aprendemos na escola que a frase "os políticos são todos iguais" é demagógica, simplista, uma saloiice pegada, e que as pessoas inteligentes são dadas a pensamentos sofisticados e a raciocínios complexos.
Só que, infelizmente, há muita gente "complexa" com manifesta dificuldade em ver o que está à frente do seu nariz - e a verdade é que, quando se olha para o Portugal dos últimos 20 anos, "os políticos são todos iguais" é mesmo uma das conclusões mais convincentes e sólidas que podemos tirar. Pior: não são só os políticos. São os ministros e os banqueiros, os deputados e os grandes advogados, naquele círculo mais elevado, apenas acessível a gente que tem as famílias ou as amizades certas, onde o poder económico e o poder político dormem na mesma cama.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Quanto não vai ganhar em 2013?
Texto de Daniel Deusdado hoje publicado no Jornal de Noticias.
E aí começa a primeira saga: vários dias para se ser atendido no Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres com vista a provar-se que o carro foi realmente vendido... E depois, quando não se tem prova? Se 444 168 pessoas sofrem coimas das Finanças pela mesma razão, não podemos estar a falar de chico-espertismo: há obviamente um problema de aproveitamento do Estado face a um desconhecimento generalizadíssimo de uma regra fiscal. E obviamente a culpa desse desconhecimento generalizadíssimo só pode ser do Estado. Que razão levaria meio milhão de pessoas, em simultâneo, a não quererem cumprir uma regra obrigatória?
Se não vivêssemos numa era em que o Estado trai os contribuintes, o bom senso diria que haveria uma amnistia para os processos anteriores e a fixação de um procedimento claro daqui para a frente. Uma regra simples: só se pode vender o carro dando baixa dele no instituto que gere o registo automóvel - coisa a ser feita pela Internet ou num balcão. Mas não. Insistem, por força da ganância e da prepotência.
3 O circo fiscal é, aliás, um mundo à parte. Repare-se: o Governo anuncia sistematicamente que tem funcionários a mais. E, em simultâneo, o ministro das Finanças faz admissões às várias centenas na Direção-Geral de Contribuições e Impostos. Dir-se-á: é gente nova e mais qualificada. Pergunto então: não há, nas centenas de milhares de funcionários públicos que o Governo quer despedir (e pela qual vai pagar caro), gente capaz de mudar de carreira e receber formação para trabalhar nas Finanças? Para as Finanças há luz verde para tudo. Quando elas são proibidas nos outros ministérios.
4 Sempre me pareceu que o sistema fiscal português é um grande gerador de ruína nas empresas portuguesas. Leva-as a investir/gastar de mais. Mas quando os dias maus chegam, não há dinheiro em caixa. Interrogo-me então porque é que o sistema fiscal não permite uma gestão de perdas, mas também de lucros, num ciclo de três ou cinco anos? Uma empresa que ganhou muito dinheiro em dois anos, mas perde no seguinte, poderia ver devolvido parte do lucro para a ajudar a sobreviver. Poderia também ver definida a sua matéria colectável de IRC pela média dos três últimos anos, ou até ir gerindo com o Fisco pagamentos por objetivos em anos de dificuldades. Não. Da forma que as coisas estão é simples: nos anos bons o Estado leva o máximo. Nos anos maus vem inspecionar para levar ainda o que puder. Este tipo de Estado mata a economia todos os dias."
Privatizar a Segurança Social
Um mail de indignação que circula pela internet.
DESCOBERTA A SINISTRA INTENÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA :À SOCAPA E COM UM PROGRAMA OCULTO, QUEREM PRIVATIZAR A SEGURANÇA SOCIAL, ALÉM DE SERVIÇOS PÚBLICOS.
"Quem disse que é bom ter um português como presidente da Comissão Europeia, que neste caso importante se manteve em silêncio como cúmplice desta sinistra intenção? Se hoje em França não fosse Hollande o presidente, continuaríamos na total ignorância por falta de divulgação na imprensa desta tramoia, que continuaria escondida numa gaveta dos governos ultraliberais da Europa ao serviço do Bilderberg's Group. Esta directiva existe desde dezembro de 2011, já depois de o governo de Passos Coelho estar em funções. Alguém ouviu ou leu algo a seu respeito na imprensa portuguesa? Pois...
A proposta de Diretiva da União Europeia relativa aos contratos públicos, em apreciação no Parlamento Europeu, é um novo exemplo do processo em curso de destruição do chamado “modelo social europeu” e de regressão social e democrática do espaço europeu. Convertendo a União Europeia num espaço económico e político inteiramente comandado pelos mercados financeiros e por um ultraliberalismo suicidário. É também uma boa ilustração de como o diabo está nos detalhes.
A intenção de liberalizar e privatizar a segurança social pública é remetida para um anexo (o Anexo XVI) dessa proposta de diretiva, mencionado singelamente como dizendo respeito aos serviços “referidos no artigo 74º”, sendo aí listados os serviços públicos que passariam a ser sujeitos às regras da concorrência e dos mercados:
- Serviços de saúde e serviços sociais
- Serviços administrativos nas áreas da educação, da saúde e da cultura
- Serviços relacionados com a segurança social obrigatória
- Serviços relacionados com as prestações sociais
Entre estes, avulta a intenção expressa de privatizar a segurança social pública, a par dos serviços de saúde e outros serviços sociais assegurados pelo Estado. Um alvo apetecido do capital financeiro em Portugal e no espaço europeu, que há muito sonha com a possibilidade de deitar a mão aos fundos da segurança social e às contribuições dos trabalhadores, sujeitando-os inteiramente às regras da economia de casino.
E como o fazem? À socapa, para ver se escapa à atenção e vigilância públicas. Um mero anexo, que remete para um mero artigo, nesta proposta de diretiva em discussão.
Só que o artigo em causa (o 74º) diz que “os contratos para serviços sociais e outros serviços específicos enumerados no anexo XVI são adjudicados em conformidade com o presente capítulo”. Neste, relativo aos regimes específicos de contratação pública para serviços sociais, estabelece (artigo 75º) a regra do concurso para a celebração de um contrato público relativo à prestação destes serviços. E logo de seguida, enumerando os princípios de adjudicação destes contratos (artigo 76º), é estabelecida a regra de que os Estados-membros “devem instituir procedimentos adequados para a adjudicação dos contratos abrangidos pelo presente capítulo, assegurando o pleno respeito dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos operadores económicos…”
Uma perfeição. De um golpe, escondido num anexo e numa diretiva que daqui a uns tempos chegaria a Portugal, ficaria escancarada a porta para a privatização da segurança social pública e para a tornar inteiramente refém dos mercados financeiros. Que são gente de toda a confiança e acima de qualquer suspeita. Como esta crise tem comprovado. Ou não andamos nós há muito a apertar o cinto (e a caminho de ficar sem cintura) para merecermos o respeito e a confiança dos mercados financeiros, nas doutas palavras de Coelho & Gaspar, acolitados pelos representantes no Governo português dos interesses da Goldman Sachs, António Borges e Carlos Moedas? E, como também nos têm explicado, o que é bom para a Goldman Sachs e os mercados financeiros, é bom para Portugal e os portugueses.
Este golpe surge, como não podia deixar de ser, sob o alto patrocínio desse supremo exemplo de carreirismo e cobardia política chamado Durão Barroso que, além de se ter pisgado do governo português com a casa a arder, tem no seu glorioso currículo o papel de mordomo das Lajes na guerra do Iraque e, agora em Bruxelas a fazer de notário dos poderosos, faz jus ao seu nome sendo durão ultraliberal com os fracos e sempre servente dos mais fortes. Como é bom ter um português em Bruxelas!
Claro que isto anda tudo ligado. Esta proposta de diretiva tem relação com os golpes sucessivos infligidos à segurança social pública em Portugal, com a operação para já frustrada em torno da TSU, com os insistentes cortes de direitos sociais, com os recorrentes argumentos do plafonamento e da entrega de uma parte das pensões ao sistema financeiro. Afinal, a lógica ultraliberal de que o melhor dos mundos será quando, da água à saúde, da educação à segurança social, tudo e toda a nossa vida estiver controlada pela lógica dos mercados e do lucro. Ou seja, pela lei do mais forte. Que é também coveira da democracia. E o Estado contemporâneo abdicar, como tarefa central, da sua função redistributiva e de redução da desigualdade social e regressar à vocação residualmente assistencialista do Estado liberal do século XIX.
Como refere o deputado socialista belga no PE, Marc Tarabella, “privatizar a segurança social é destruir os mecanismos de solidariedade coletiva nos nossos países. É também deixar campo livre às lógicas de capitalização em vez da solidariedade entre gerações, entre cidadãos sãos e cidadãos doentes…”, lembrando os antecedentes da sinistra proposta designada com o nome do seu autor por diretiva Bolkestein (Bilderberg's member), e exigindo a eliminação da segurança social desta proposta de diretiva.
É preciso defender a Segurança Social (e a Saúde e a Educação públicas) como uma prerrogativa do Estado e um setor não sujeito às regras dos Tratados relativas ao mercado interno e da concorrência. Para não termos um dia destes os nossos governantes e os seus comentadores de serviço, com a falsa candura de quem nos toma por parvos, a explicarem que vão entregar a segurança social pública aos bancos e companhias de seguros porque se limitam a cumprir uma decisão incontornável da União Europeia, como já estão a fazer na saúde e na educação. Decisão pela qual, evidentemente, diriam não ser responsáveis. Como é próprio dos caniches dos credores. E acrescentando sempre, dogma da sua fé neoliberal, que nada melhor do que a concorrência e a privatização para baixar os custos e proteger os “consumidores”, aquilo em que querem converter os cidadãos. Como se vê nos combustíveis, nas comunicações ou na eletricidade. Tudo boa gente.
É preciso levantar a voz e a resistência social e política à escala europeia contra este projeto, antes que seja tarde demais. Em defesa da Segurança Social pública e do Estado Social. Garante de democracia e de menos desigualdade social."
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Que Parlamento é este?
Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"
É mau para a democracia atacar o Parlamento, asseveram cândidas almas. Que fazer, então? Deixar que os vendilhões se assenhoreiem do templo, e dar cobertura à bandalheira indicada pelo prof. Paulo Morais? Aceitar, de ânimo leve, que gente honrada, como outro que se não cala, o prof. Medina Carreira, seja enxovalhada por uma Justiça escabrosa e por jornalistas de baixo jaez e duvidoso estilo? As cumplicidades estabelecidas possuem ramificações tenebrosas. Medina Carreira foi, obviamente, vítima de uma perversidade sórdida, mas não fica imune da infâmia quem, sem curar de saber a veracidade dos factos, tratou de transformar uma insídia numa aparente verdade.
Este jornalismo de faca na liga talvez não prolifere; mas anda por aí, e os seus mosqueteiros (e mosqueteiras) são aplaudidos com desenvolta leviandade. A sociedade portuguesa sofre do mal do tempo, dizem. Contudo, a brutalidade das transformações, por muito aceleradas que sejam, não justificam as cedências e as baixezas a que assistimos. Quando Luís Marques Mendes, em outra barricada, condena Vítor Gaspar, por este nos tratar como "atrasados mentais", essa desordem e essa perturbação têm muito a ver com a consciência do descaso e com a admissão do imoral como norma.
Criticar o Parlamento e os que tripudiam sobre a nobre função de deputado, para sobrepor as suas conveniências aos imperativos sagrados do bem comum, não só amolga a democracia: também vilipendia aqueles que a traem. Andamos excessivamente preocupados com tratar delicadamente os que vão para a Assembleia apenas para tratar da vidinha. É tempo de dizer, com o prof. Paulo Morais, que (entre os demais) os drs. António Vitorino e Paulo Rangel já estiveram juntos, de manhã, no mesmo escritório de advogados, a defender causas e proveitos comuns; e, "separados", à tarde, na Assembleia, a pleitear questões aparentemente opostas. Talvez não haja conflito de interesses, mas o assunto causa engu- lhos, e atiça, certamente, suspeitas de ordem moral. Naquele extremo cume da extrema consciência [Camus] manifesta-se uma razão superior."
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Passos perdidos
Texto de Daniel Amaral, economista, hoje publicado no "Diário Económico"
"Estávamos em Abril de 2011. Sócrates
capitulara, e com isso abriu caminho a eleições antecipadas que haveriam
de levar ao poder o senhor dos Passos.
A mensagem deste era clara: para vencer a crise, era preciso
cortar nas "gorduras", e ele tinha um plano prontinho para entrar em
acção; logo que iniciasse funções, seria cortar, cortar, cortar... Mas o
mundo dá muitas voltas e em breve o plano virou de pernas para o ar. As
"gorduras" que ele escolheu para cortar eram salários, subsídios e
pensões. Foram passos em falso.
Mas, para quem tanto prometera, o melhor ainda estava para vir. Se
partirmos de 2010, a que atribuímos o índice 100, o PIB em 2012 terá
caído para 88 e o investimento para 67, o que significa o colapso total
da economia. Isto se as projecções estiveram certas. O mais provável é
que não estejam, porque isso é coisa a que Passos nunca ligou. Sendo o
investimento a mola real da economia, que faz crescer o produto e o
emprego, é óbvio o desastre que aí vem e com o qual a ‘troika' tanto nos
elogia. São passos suicidas.
O impacto no desemprego foi imediato. Números do INE do último
trimestre apontam para uma população de 10.598 milhares, dos quais 5.527
constituem a população activa. E, desta, 871 mil estão desempregados, o
que dá uma taxa de desemprego de 15,8%. Mas Passos assobiou para o
lado. E se a estes números juntarmos a parte não trabalhada do emprego a
tempo parcial, mais os inactivos disponíveis que não procuram emprego,
aquela taxa dispara para mais de 20%. E a dos jovens para quase o dobro.
São passos arrepiantes.
Juntando os cacos, chegamos à dívida pública, que há-de ser o nosso
coveiro. No final de 2010 era de €162 mil milhões, 94% do PIB. Mas a
previsão para 2013 já vai nos 205%, mais do dobro do valor anterior!
Ignoro se, ao olhar para tudo isto, Passos não sente uma espécie de
bloco de gelo a percorrer-lhe a coluna de cima a baixo. O facto é que a
dívida terá de ser reestruturada, em prazos e taxas de juro, por mais
que ele esperneie a dizer que não. Desliguem. Outros terão de fazer o
que ele não quer. Os seus passos falharam.
Descobriu-se entretanto que as famosas "gorduras" de que Passos
falava visavam as funções sociais - Educação, Saúde e Segurança Social
-, em que vai ser necessário cortar mais €4.000 milhões até 2014. Admito
que não será este o momento de avaliar o impacto que estes novos cortes
vão ter no dia-a-dia das pessoas. Mas, sabendo-se como já são as
limitações actuais, tenho extrema dificuldade em avaliar como é que
depois da passagem deste ‘tsunami' os portugueses vão viver em Portugal.
À beira do abismo - um passo em frente?
Os passos de Passos são passos perdidos."
O incrível doutor Relvas
"Este fim de semana, Miguel Relvas apareceu na escola da JSD - um estabelecimento escolar que deveria ser inspecionado, já que dali pode surgir mais um futuro primeiro-ministro - e estava mais satisfeito do que nunca. Enquanto os restantes ministro envelhecem, Relvas parece cada vez mais jovem. Ele transborda vitalidade e alegria.
Ainda antes de Fernando Seara se apresentar como candidato à Câmara Municipal de Lisboa, já Relvas anunciava que contava com o seu voto. Começar com um patrocínio deste calibre não augura nada de bom para Seara, que já contaria com uma campanha muito difícil. Mas, ainda assim, Relvas tornou o seu apoio público. Devemos concluir que acha que o seu apoio vale, para fora do PSD, alguma coisa. Que ignora que a generalidade dos portugueses não o respeita.
A aparente inconsciência de Relvas sobre a forma como o País o vê faz-nos pensar que vive alheado da realidade. E que é essa jovial inconsciência a fonte da sua vitalidade. Acho que é um engano. Relvas é um político de outra natureza. Não é que a opinião que os outros têm dele lhe seja indiferente. Se fosse, não tinha feito tudo, menos estudar, para ter um canudo. Só que a opinião que lhe interessa não é a nossa.
Miguel Relvas é um fraco demagogo. O seu estilo populista passa mal. Mas, nos corredores, é um político hábil. As privatizações, o seu verdadeiro desígnio, lá se vão fazendo. Na realidade, devemos chamar-lhes doações. A TAP renderá vinte milhões, que mal dão para um pequeno troço de autoestrada. Metade da RTP, gerida totalmente por privados e financiada pelas taxas pagas pelos cidadãos, deverá render menos que isso. Mas conseguirá fazê-las. Na televisão e rádios públicas e até em alguma comunicação privada está a conseguir fazer uma limpeza nunca vista. Quem se mete com Relvas leva.
A forma descarada como tudo isto se faz diz-nos que Relvas não se preocupa especialmente com a sua imagem pública. Um político tão hábil não pode estar assim tão divorciado da realidade. Também não me parece que o mova a riqueza pessoal. Nesta altura, faria, com a boa agenda que tem no PSD, melhores negócios estando fora do governo.
Miguel Relvas é um arrivista. É essa a sua história. É isso que explica quase todas as decisões que tomou no passado e toma no presente. A sua ascensão social não depende exclusivamente ou especialmente da sua conta bancária. E muito menos da sua popularidade. Depende da sua aceitação no meio a que sonha pertencer. Um meio que, em Portugal, não é especialmente exigente. Nem do ponto vista cultural - e Relvas cumpre os mínimos, próximos do zero, que a nossa elite económica exige aos recém-chegados -, nem do ponto de vista ético. Apenas exige que se tenha uma licenciatura para que não se tenha de usar o título de "senhor", quem noutros lugares é um elogio e por cá é um insulto. E, acima de tudo, que se tenha poder. Não respeita pilha-galinhas e sucateiros. Mas respeita quem lhe dê acesso direto à mama estatal. E Relvas tem a chave do cofre e ligação direta aos grandes empresários deste País.
Pedro Passos Coelho é um deslumbrado. Deslumbra-se com a alta roda do poder europeu. Com o brilho dos círculos restritos do poder. Com as ideias da moda e os académicos que as vendem a retalho. Relvas, que é mais dotado de senso comum do que os fanáticos que lhe fazem companhia no governo, sabe onde realmente está o poder que conta. É no meio dele que vai buscar a sua energia. Não a disfarça com leituras apressadas de sebentas ideológicas para iniciados. Nem essas fez. Quer ser um entre os que realmente mandam neste País. E vai ser.
Todos os políticos têm de ser um pouco vaidosos. Ninguém aguenta a visibilidade e o escrutínio público desta função se não o for. Há uns que querem ser lembrados pelo seu povo. A outros basta saber que um dia foram importantes. Homens como Relvas preferem ser respeitados pelos poderosos. Viverem no meio deles. Não são os mais perigosos. Predestinados como Vítor Gaspar assustam-me muito mais. Mas, de rédea solta, saem bem caros a um País."
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Os dois Estados
"O Estado já cortou 2,3 mil milhões às funções sociais (saúde, Segurança Social, educação) entre 2010 e 2012. Prepara-se para cortar mais 4 mil milhões em 2013 e metaforiza esse cálculo de merceeiro no chamado ‘debate sobre as funções do Estado’.
As ditas funções do Estado têm de ser repensadas, é certo, mas na cabeça dos neoliberais que nos governam o que fica são as funções clássicas de um Estado liberal: polícia, defesa e Fisco. O Estado mínimo para o povo começou a ser (des)construído há muito. OEstado gordo que continuará a ser vampirizado pelos lobbies instalados no PSD, PS e CDS permanecerá intocável e sempre suculento para meia dúzia. "
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
Cavaco e o orçamento
O Presidente com medo
Texto de Fernanda Câncio hoje publicado no Diário de Noticias"É comum considerar-se que a hipótese de mandar um governo abaixo dissolvendo o Parlamento é "o poder" do Presidente. Chamam-lhe até "a bomba atómica". Já ser a última barreira entre a aprovação de uma lei que desrespeita fundamentos básicos da Constituição - a equidade, a proporcionalidade, a justiça - e a sua entrada em vigor não é muito valorizado. É pena: o sistema dá ao Presidente a prerrogativa de enviar as leis ao Tribunal Constitucional para certificar que, mesmo quando um governo e uma maioria de deputados decidam ignorar a Lei Fundamental, ele estará lá para se atravessar por ela - ou seja, pelo povo, contra a possibilidade de injustiça, o que é dizer de tirania. Não é uma escolha: é a mais nobre das suas obrigações.
Ou seja: Cavaco deixou passar orçamentos que considerava desrespeitarem a Constituição, passando pela vergonha de num deles isso ser confirmado pelo TC. Porquê? Segundo o PR, porque nenhum seu antecessor enviou um orçamento para o TC e porque o País não pode ficar "sem orçamento".
Ora, primeiro, com a fiscalização sucessiva o OE pode ser inviabilizado a meio do exercício - o que é muito pior. Depois, nenhum antecessor de Cavaco reputou de inconstitucionais normas de um orçamento - e nunca outro suscitou tantas dúvidas, e tão graves. Além disso, o PR cuja Casa Civil se queixou de ser escutada por um governo, que usou um seu discurso de posse para forçar a demissão do executivo em funções e que usa as publicações de Belém para ajustar contas com um ex-PM, acusando-o de manobras inconstitucionais - coisas todas elas nunca vistas -, teme o quê, ser o primeiro? O PR que preferiu receber pensões ao seu salário, que dá recados políticos no Facebook e vai a cerimónias públicas brincar com a situação do País tem receio de estrear um estilo?
Valha-nos Pacheco Pereira, o mais famoso tradutor de Cavaco. "Se o PR enviar o Orçamento para o TC, o Governo ataca-o", disse na última Quadratura. Como ninguém perguntou "e então?", ficámos a saber que há quem ache normal que um Presidente da República tenha medo de um Governo. Falta então saber porquê - se não for só por feitio."
O país já está a arder!
Texto de Pedro Bacelar de Vasconcelos hoje publicado no "Jornal de Noticias"
"Já não parece provável que o Presidente da República submeta à apreciação preventiva do Tribunal Constitucional o projeto de Lei do Orçamento do Estado para 2013. E é pena, porque sendo certo que o Tribunal se irá pronunciar sobre esta matéria mais tarde ou mais cedo, sempre seria preferível que o Presidente - ainda que por mera prudência - obtivesse desde já o esclarecimento das muitas dúvidas que algumas normas do orçamento têm suscitado.
E haveria ainda, nas atuais circunstâncias, uma terceira razão para o Presidente da República exercer os poderes de fiscalização preventiva da constitucionalidade. A crise económica e social vai agravar-se inevitavelmente ao longo dos próximos meses e a crise política que ruidosamente se anuncia não será, provavelmente, ultrapassada sem que este Governo se demita. Ora, da intervenção do Presidente podia resultar, perante o eventual "chumbo" do Tribunal Constitucional, a precipitação de um pedido de demissão do primeiro-ministro, o que permitiria travar o processo de acelerada degradação para que o Governo arrastou o país, e devolver à Assembleia da República a responsabilidade de procurar um novo programa político e uma fórmula governativa transparente, assentes num explícito compromisso parlamentar.
Independentemente do seu resultado, a iniciativa do Presidente de requerer a apreciação preventiva ao Tribunal Constitucional, sempre teria a virtude de separar a questão política do problema da fundamentação jurídica da validade das leis e, sobretudo, permitiria manter as possibilidades de controlo e de limitação dos danos da crise política, no terreno institucional. A convocação de eleições antecipadas - decorrente do "chumbo" parlamentar do defunto "PEC IV", cuja memória este Governo tudo tem feito para "reabilitar" - tornou o pedido de resgate inadiável, em 2011. Por isso, não há tempo a perder. Quanto mais se prolongar a agonia governamental, quanto mais tarde se atalhar esta deriva catastrófica que ignora as virtudes do diálogo e despreza o espírito de concertação, mais penoso e complicado se vai tornar encontrar-lhe algum remédio ou panaceia.
Tal como advertia nesta mesma coluna, na semana passada, o "arrastamento da crise política ou a dissolução do Parlamento não podem ser considerados, nas presentes circunstâncias, como alternativa desejável". É em nome da própria legitimidade democrática que conquistou e das expectativas criadas aos seus eleitores que a maioria parlamentar responsável pela atual governação terá de ser capaz de reconhecer a urgência de mudar as políticas que por esta vereda estreita nos conduzem ao empobrecimento generalizado, à subserviência internacional e à mais desamparada ruína. Caso não sejam capazes de o fazer, então que reconheçam o seu embuste ou impotência e se afastem prontamente para que o povo soberano, enfim, se pronuncie."