Texto de Pedro Marques Lopes hoje publicado no "Diário de Noticias".
"É um tempo para
pararmos um pouco, olharmos à nossa volta e reflectirmos sobre aquilo
que fizemos, aquilo que deixámos de fazer, aquilo que não devíamos ter
feito, aquilo que podíamos ter feito melhor", afirmou Cavaco Silva
durante a sessão de apresentação de cumprimentos natalícios por parte do
Governo.
Não é de crer que o homem que nunca se engana e
raramente tem dúvidas tenha, por uma vez, resolvido anunciar uma
introspecção. De alguém que continua a tentar fazer-nos de parvos e diz
que as suas palavras sobre as suas pensões foram mal interpretadas
quando todos as ouvimos claramente, não podemos esperar grandes actos de
contrição.
Por estas e outras não faltou gente a interpretar
aquela frase como um recado ao Governo e não como uma espécie de mea
culpa. No fundo, uma troca de recados: o primeiro-ministro mandou um
recado a Cavaco Silva quando falou - de forma ignorante e imprudente
pondo em causa a solidariedade entre gerações, essencial ao equilíbrio
da comunidade - sobre "pessoas" que não descontaram o suficiente para
ter as reformas de que hoje desfrutam e o Presidente da República tratou
de mandar outro recado incentivando Passos Coelho a reflectir. Digamos
que estamos bem entregues quando, num momento como o que passamos,
Presidente e primeiro-ministro se divertem a mandar recados um ao outro.
É provável que a santíssima trindade composta por Passos, Gaspar
e Relvas, essa entidade una e indivisível, não tenha consciência do mal
que está a fazer ao País e da catástrofe que está a semear. O
Presidente da República também ainda não percebeu que está a ser
conivente por acções ou omissões da dita trindade, e que os cidadãos
entendem que ele é parte integrante da equipa que está a destruir a
classe média, a condenar gente, sobretudo de meia-idade (que não mais
vai conseguir arranjar emprego) à miséria e a fazer regredir social e
economicamente o País muitas dezenas de anos.
Não, não foram
apenas as suas infelicíssimas declarações sobre as suas pensões, não foi
aquele inominável discurso em que ofendeu tudo e todos aquando da sua
vitória eleitoral, não foi o episódio das escutas (que em qualquer país
civilizado teria levado à demissão do Governo ou do Presidente da
República) que faz com que Cavaco Silva seja o Presidente da República
mais impopular da história da democracia. Não é em vão que sondagem após
sondagem Cavaco Silva reúna mais opiniões desfavoráveis que Seguro,
Paulo Portas ou até do duo dinâmico Martins/Semedo - só mesmo Passos
Coelho é mais impopular que ele. Nada disto surpreende: além de o
sentirem colaborar com o Governo, os portugueses não conseguem perceber a
sua importância. Cavaco Silva conseguiu tornar o cargo de Presidente da
República irrelevante.
O Presidente renunciou ao seu papel de
provedor do povo quando não fala dos problemas, das angústias, dos
verdadeiros dramas dos seus representados e gasta o tempo com recados
que apenas servem para que mais tarde venha com o seu habitual e fútil
"eu tinha avisado" que nada acrescenta e apenas lembra a sua inutilidade
. Não cumpriu o seu juramento de "defender, cumprir e fazer cumprir a
Constituição da República Portuguesa" quando deixou que um grupo de
deputados fizesse o que ele devia ter feito mandando o orçamento de 2012
para o Tribunal Constitucional. Não pediu a fiscalização preventiva do
Orçamento para 2013 quando, segundo todos os constitucionalistas, todos
os observadores independentes e até do próprio partido do Governo, este
tem várias normas inconstitucionais e apenas 7,6% dos portugueses acham
que ele o deve promulgar.
Ouviu-se, aliás, muito o argumento de
que o Presidente não iria enviar a lei para o Tribunal Constitucional
para fiscalização preventiva por existir o risco de não haver orçamento
nas primeiras semanas de 2013. Cavaco Silva pode invocar todas as razões
para não o ter feito menos essa. O Presidente não jurou cumprir e fazer
cumprir um qualquer orçamento, jurou sim fazer cumprir a Constituição.
Mais, se as dúvidas são muito fortes não faz sentido que não requeira a
fiscalização deixando assim que muito provavelmente entrem em vigor leis
inconstitucionais.
Quando, lá para Março, toda a gente perceber a
catástrofe orçamental, o Governo entrar em colapso, os tribunais,
departamentos do Estado e sociedade civil mergulharem numa crise sem
precedentes vamos ter um Presidente descredibilizado, impopular,
barricado em Belém e em que ninguém confia. Nem os partidos, nem a
comunidade em geral. E logo quando mais precisávamos dum Presidente da
República. "
domingo, 23 de dezembro de 2012
Um Presidente que não conta
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