Texto de Baptista Bastos hoje publicado no "Diário de Notícias"
"Paulo Portas
está em desacordo com o Orçamento, mas aprovou-o em nome do "interesse
nacional." A invocação deste "interesse" tem-se prestado às maiores
vilanias. A abstracção contida no conceito constitui a característica
essencial dos políticos que atrás dele se resguardam, a fim de impor o
próprio vazio de sentido das suas decisões. Afinal, que é o "interesse
nacional"? São os bancos, as companhias de seguros, os interesses dos
mais afortunados, o enriquecimento ilícito e, agora, a troika? Na lista
das prioridades estamos em último lugar, a verificar pela miséria, pelo
desemprego, pela queda abismal do nosso poder de compra, pela emigração
em massa dos mais jovens e pela angústia devastadora dos mais velhos. O
"interesse nacional" é a máscara da nossa decepção permanente.
Ao
refugiar-se nesta efabulação atroz, Paulo Portas desacreditou-se ainda
mais. Ele não perdeu a capacidade de tomar posição relativamente à
realidade que o rodeia; é demasiadamente arguto e experiente para
admitir como verdade o embuste, criado por quem tem do poder uma ideia
absoluta, da democracia uma concepção de eguariço e de nós uma percepção
de subalternidade.
Ao reconhecer que, no próximo Orçamento, as
coisas não serão admitidas tão benevolentemente, Portas confirma que o
documento por si aprovado é um estropício, para não dizer uma
monstruosidade. A obediência às imposições do PSD, as quais agridem a
moral social que proclama defender, amolgam-lhe o carácter e atingem-lhe
a honra. Não há como escapar das acusações.
A coligação está por
um fio. E não é apenas a exposição de decisões tomadas unilateralmente,
como o desprezo demonstrado em assuntos cruciais. Passos considera mais o
que lhe sussurra Gaspar do que acolhe o que lhe sugere Portas. Entre
estes dois homens há um conflito de culturas e um atrito ideológico. O
mal-estar no CDS é difícil de dissimular, e bem pode o patético Relvas
asseverar que tudo está muito coeso quando ouvimos os trambolhões que já
chegam ao céu.
O "interesse nacional", sobre ter dado cobertura
às maiores patifarias, faz-nos engolir, com repugnância, o amargo veneno
da servidão. Quem da expressão se tem servido não admite, aos outros, a
possibilidade de escolha. "Não há alternativa" é, igualmente, uma frase
maldita que nos têm inculcado como impossibilidade de conduta, a não
ser aquela que o poder impõe. É no mínimo estranho que um homem lido e
havido como Paulo Portas tenha admitido a possibilidade de que todos
somos jumentos, e que a preguiça mental e a indiferença cobarde nos
hajam definitivamente afectado.
Teve a oportunidade de bater com a
porta, e libertar-se das teias de uma política que o embaraça. Não o
fez, em nome do tal "interesse nacional", e excedeu os limites éticos
tradicionalmente atribuídos aos homens de bem. A escolha foi dele."
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
O caso Paulo Portas
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário