Texto de João Cardoso Rosas, Professor Universitário, hoje publicado no "Diário Económico"
"Quando o primeiro-ministro lançou o
debate sobre a refundação do Memorando de Entendimento, mas que era,
afinal de contas, sobre a refundação do Estado social, alguns tiveram a
ilusão que ele teria seriedade de intenções.
No entanto, poucos dias depois, já se sabia que não haveria
debate mas apenas a intenção de fazer cortes de despesa para encobrir as
dificuldades do nosso ajustamento. Mais do que isso: esses cortes
estavam já decididos, tanto nos montantes como nos sub-sectores das
funções sociais do Estado sobre os quais incidiriam.
Esta atitude do Governo apenas prolonga o seu padrão habitual de
conduta. O Governo nunca esteve nem está interessado em encontrar pontos
de entendimento com a oposição, nem com os parceiros sociais, nem mesmo
com o Presidente da República. Sempre que abre retoricamente a
possibilidade de algum entendimento, o Governo usa essa intenção de
forma manipulativa. Foi assim que obrigou o PS a afastar-se
progressivamente, que enganou os parceiros sociais (especialmente a UGT)
e que enxovalhou o PR, mais do que uma vez.
As declarações sucessivas do primeiro-ministro nestes últimos dias,
de novo sobre o Estado social, apenas confirmam a mesma tendência,
embora "elevando-a" para um patamar antes inatingido. Pense-se apenas em
dois exemplos, por falta de espaço.
O primeiro é o das declarações sobre as pensões milionárias e a
justificação da sua diminuição em função da "justiça", omitindo
deliberadamente que os cortes já decididos incidem sobre pensões a
partir de 1350 euros. Neste aspecto, o primeiro-ministro quis, antes de
mais, condicionar a decisão do PR sobre o OE de 2013 insinuando factores
da sua vida privada, o que é inaceitável. Mas o primeiro-ministro quis
também cindir a sociedade entre velhos e novos, gerar ódios
intergeracionais, enfim, dividir para poder reinar.
O segundo exemplo é o das declarações sobre o "facto" de o Estado
social beneficiar os ricos. Os portugueses que conhecem as filas da
segurança social, dos centros de saúde, aqueles que sabem até que ponto
as transferências sociais amenizam a pobreza em Portugal, compreendem
bem a alarvidade destas afirmações. Na segurança social e na saúde, mas
também na educação, o Estado social tem sido o grande apoio dos pobres e
da classe média-baixa. Ao fazer tais declarações, o primeiro-ministro
quis apenas dividir a sociedade entre pobres e ricos, gerar ódios
sociais, criando mais uma vez as condições para poder reinar.
A
governação em Portugal vive tempos sombrios. Nunca houve na democracia
portuguesa um primeiro-ministro que tenha atingido este nível de
irresponsabilidade social, desonestidade argumentativa e terrorismo
intelectual."
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Terrorismo intelectual
Etiquetas:
governo,
passos coelho
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